Com grande poder vem grande responsabilidade, e isso é algo que Rita Ferro Rodrigues e Rui Maria Pêgo levam bastante a peito. Rita começou aos 16 anos na televisão e mostrou sempre sensibilidade pelas causas sociais, o que a levou a fundar, em 2014, a Capazes, um espaço de afirmação da mulher e de discussão da condição feminina. Rui Maria Pêgo tem 29 anos e é um jovem apresentador de rádio e de televisão. É também Global Shaper no Fórum Económico Mundial e um ativista e porta-voz da causa LGBTI.
Juntaram-se a convite da VISÃO, no Centro Colombo, para discutir como decidiram usar a sua popularidade em prol de causas. “Não me faz sentido ter uma voz que pode alcançar muita gente para tratar apenas da minha vidinha. Se tenho uma voz e se tenho um cérebro, faz-me sentido usá-los em causas nas quais eu acredito. E isto pode parecer fácil, mas não é. Para uma figura pública, o dano pessoal é muito maior do que o benefício”, explica Rita, que continua: “Não me lembro de não ser assim. Nasci numa família que me incentivou a ter espírito crítico e capacidade de debate. E cheguei a tentar controlar a minha necessidade de agir civicamente. Agora vais ficar sossegada e não te mexes! Mas não consigo.”
Rui Maria Pêgo sentiu que ser homossexual podia ser uma desvantagem, mas acabou por fazer disso uma causa. “Durante muito tempo, achei que ser gay podia ser um problema para a minha carreira. Só que sempre achei que a voz era muito importante. Mesmo quando andei em colégios católicos e conservadores, era reivindicativo, incendiário, chato. Percebi que todos temos poder e influência”, afirma. A homossexualidade só foi descriminalizada em Portugal em 1982 e, por isso, é preciso continuar a falar,
porque ainda existe muito preconceito. E a diferença é feita no dia a dia. “No meu caso, sempre me fez muita confusão ter de me conter. Quando comecei a perceber que publicamente podia fazer alguma diferença, sentia-me hipócrita se não o fizesse. E todos nós podemos fazer isso na nossa vida pessoal, com o irmão, com a amiga, com a senhora do supermercado.”
Foi por motivo semelhante – este dia a dia com que se confrontava – que Rita decidiu fundar uma associação feminista quando, supostamente, à letra da lei, os direitos das mulheres estavam adquiridos. “Demora muito mais tempo a mudar as mentalidades do que a lei. Eu não quero ser igual aos homens, adoro as diferenças entre homens e mulheres; não gosto é das desigualdades. E qualquer mulher ou homem que acredite numa sociedade mais justa deseja que mulheres e homens tenham os mesmos direitos e oportunidades cívicas e políticas.”
Sentiu que em Portugal, a palavra feminista ainda tinha uma carga muito negativa e preconceituosa. “Muito mudou graças a algumas figuras da pop, como a Beyoncé. Mas se formos para rua perguntar às pessoas, ninguém sabe ainda bem. E acho que as Capazes, com todos os seus defeitos e qualidades, porque é preciso que as pessoas percebam que este é um grupo gigante de mulheres muito diferentes e não queremos um consenso no nosso pensamento. Às vezes há um artigo de uma pessoa das Capazes que incendeia as redes – na semana passada foi um sobre a Serena Williams – e as pessoas não entendem que aquilo é a opinião daquela mulher e que até publicamos opiniões feministas distintas daquela. As pessoas não estão educadas para o debate e para o pluralismo. Mas mesmo quando estão todos a dizer mal das Capazes nas redes sociais, nós pensamos, ok!. porque estão a debater e a pensar e alguma coisa vai ficando.”
O facto de haver debate leva a extremismos, sublinha Rui Maria Pêgo. O politicamente correto vem para o centro da conversa, porque há cada vez mais pessoas com medo de emitir opiniões que possam ferir suscetibilidades e ofender alguém. Rita Ferro Rodrigues diz que o termo politicamente correto é muitas vezes mal interpretado. “Trata-se na maioria das vezes, apenas de boa educação. Uma palavra pode ser uma arma e é uma questão de educação perceber que se uma palavra vai ofender determinada pessoa, por favor não a uses. Não estamos a coartar a liberdade de comunicação de ninguém. Estamos a dizer às pessoas para se tratarem bem”, sublinha.
E o pensamento comum politicamente correto não pode ser uma censura na internet? Rita discorda. “Acho que não. O que acontece e que uma pessoa escreve uma coisa e a outra vai lá. Quem se queixa de censura, muitas vezes até os humoristas, queixam-se que escreveram uma piada e vieram as Capazes… mas isso faz parte do debate. Mas agora não se pode criticar os humoristas? São virgens Marias no céu?”.
Rui Maria Pego matiza e diz que acha importante que o humor não tenha de ser perseguido, Rita também concorda. “O que falta muitas vezes é empatia. Todos nós somos vítimas de discriminação ou de pertencer a uma minoria alguma vez na vida, e só nos conseguimos relacionar com o que está a acontecer quando nos colocamos na pele de outra pessoa. E por isso o espaço de debate é importante porque traz aquele momento em que percebemos que somos todos a mesma coisa, apesar das nossas diferenças. Quando alguém acicata o ódio, é bom que perceba que isso podia acontecer consigo ou à sua volta.”
Rita vira a conversa para um ponto que considera essencial. “O fenómeno das fake news é que nos devia preocupar muito. E ando a pensar um pouco nisso porque de 15 em 15 dias sou vítima disso, ao divulgarem notícias falsas sobre mim. Sei de onde vêm e é sempre de alguns grupos ligados à extrema direita que tenho localizados. Acho isso sim muito mais preocupante do que o politicamente correto”.
Ambos gostavam e ver mais gente a levantar a voz por causas como a igualdade, a tolerância e os direitos humanos. “As mulheres querem-se figuras públicas sossegadinhas, bonitas, quietas, penteadas, maquilhadas, bem vestidas. Senti isso muitas vezes e ainda hoje sinto. Isto prejudica profissionalmente e comercialmente. As marcas querem fazer contratos com miúdas, ou com rapazes, mas sobretudo com mulheres, que não têm muitas opiniões para não levantar ondas. Tenho pena que não existam muitas mais figuras públicas, com um impacto mediático maior do que eu e o Rui Maria, a perceberem o impacto positivo que poderia ter se se chegassem à frente para defender uma causa.”
Rui também sentiu isso na pele: teve pessoas bem intencionadas que tentaram demovê-lo de assumir e defender publicamente a sua causa. “Não faças isso, se calhar nunca vais chegar a horário nobre, se calhar não convém. Felizmente hoje em dia não é nada o caso, mas demorou tempo até que isso mudasse. É preciso virem pessoas através da empatia ajudar a mudar e contar a sua história. E há ainda muito a fazer. E os vídeos que Manuel Luis Goucha faz no Instagram a podar uma árvore ou a tratar dos animais com o marido é um passo nesse sentido”.
O facto de os dois serem filhos de figuras públicas e serem expostos a um escrutínio permanente acabou por os preparar para lidar com isso, o bom e o mau, sublinha Rui Maria. E a melhor maneira de lidar com os haters? “O humor. O humor é uma ótima carapaça. Mas tem sido um trabalho, porque algumas coisas magoam. E de onde vem este ódio todo, é sempre uma coisa que me questiono”, sublinha Rita.
O que falta fazer? Rita não dúvidas: “Dar formação e professores para a igualdade, direitos humanos e cidadania”. Para que seja efetivamente ensinada nas escolas, porque acredita que é através da educação, aliada às leias, que podemos fazer a diferença. Rui Maria acrescenta: “é preciso que as famílias ensinem a tolerância”.