José Avillez é muito atento à gestão do tempo, como só pode ser alguém que tem uma profissão exigente como é a de chefe de cozinha e, ainda, edita livros, faz programas de televisão, gere um negócio e tem uma familia – mas era um perfeito amador na forma como olhava os relógios de pulso. Era! Acabado de receber uma estrela Michelin no seu Belcanto, foi convidado para uma visita particular à Grande Maison suíça. Como ficámos a perceber, há muito mais em comum entre as duas artes, a gastronómica e a relojoeira, do que um olhar cru poderia supor. Nesta entrevista tentámos perceber o impacto dessa visita mas, também, aquilo que move este jovem e bem sucedido
Chef, os seus desafios e as suas paixões. Uma entrevista sobre duas artes ligadas pelo epicurismo de quem as consome e a que os próprios artistas não são alheios.
A convite da Jaeger-LeCoultre, visitou, pela primeira vez, uma manufatura relojoeira. Ninguém, aficionado por relógios ou não, fica indiferente a essa experiência. Conte-nos como foi. O que aprendeu?
Também não fui a exceção e cumpri essa regra. Já gostava de relógios, embora não fosse obcecado por eles. Mas passei a ser, no sentido em que passei a perceber a precisão, o carinho, a paixão com que tudo se desenvolve. Há ali um trabalho de artista muito perto do artesão, que eu comparo ao nosso trabalho na alta-cozinha. São muitas pessoas a trabalhar numa só direção, onde todos são importantes, onde se pode levar anos de trabalho para desenvolver uma peça microscópica para integrar um relógio com outras 200 ou 300 peças. Achei absolutamente extraordinário.
Em que medida aquilo que viu pode ajudar no seu trabalho?
Acho que é extremamente inspirador. Não sei se há uma relação direta entre o que eu aprendi lá e o que eu posso utilizar, mas, essencialmente, é o método, a organização, e perceber como é que se dinamiza uma equipa de 1300 pessoas. O objetivo é fazer algo de excelência com paixão. Se alguém me disser que qualquer relógio de quartzo que custe 10 euros é mais preciso, mas que gosta mais destes porque são o que são, isso hoje faz todo o sentido para mim. Só se compreende verdadeiramente o que é um relógio destes, depois de visitar o local que os produz.
Vou mencionar três valores caros à indústria relojoeira e vai-me dizer qual a importância que eles têm para si. A regularidade. É um desafio para a indústria relojoeira e um dos cinco pontos considerados para avaliação pelo Guia Michelin.[Risos] Sim. Independentemente disso, é um facto que é dos pontos mais importantes no nosso trabalho. Não faz sentido que alguém coma algo e que três ou quatro dias depois o mesmo prato seja diferente. A regularidade é dos pontos mais importantes, dos que mais trabalhamos e nos esforçamos diariamente por alcançar.
Persistência: incontornável numa indústria centenária como a da alta-relojoaria. E na restauração?
Também é. Eu acho que há muito em Portugala ideia de que as casas abrem-se, têm de ter sucesso ao fim de três meses e estar pagas ao fim de seis meses, e às vezes não é assim. Na cozinha, tem de existir diariamente uma grande dose de persistência. São os pratos que demoram determinada quantidade de tempo a construir, é uma série de contrariedades que temos de enfrentar ao longo do dia… Se não formos persistentes, não conseguimos chegar a lado nenhum.
Precisão. A alta-cozinha é confecionada ao segundo?
Sim. Na pastelaria, há mais rigor no que respeita à pesagem: ao grama ou ao miligrama. Na cozinha, depois de se afinar uma série de preparações, existe o segundo exato na cozedura, o grau certo. E foi uma das coisas que eu melhor consegui identificar quando estive na Jaeger-LeCoultre, uma grande precisão que tem de existir para se conseguir fazer estas obras de arte. O seu percurso não é comum, julgo.
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