Manuel Guardão trabalhou com uma grande parte dos arquitetos da Escola do Porto que em Moledo, que há quem diga ser a terra com mais arquitetura por metro quadrado do país, fizeram obra. De tal maneira que, por aqui, continua a dizer-se que o senhor Manuel, como todos o conhecem, é a única pessoa que manda em Siza Vieira. O próprio, na primeira pessoa: “Não é fácil trabalhar com eles. Quando apareciam, modificavam sempre qualquer coisa do que eu tinha feito. Mas no fundo eles respeitam-me – e eu também os respeito”. Desse respeito mútuo há provas no escritório da oficina do senhor Manuel: Siza fez-lhe um retrato.
Aos 83 anos, Manuel Guardão já não faz nada de carpintaria. Na oficina que pega com a sua casa, em Moledo, quem se ocupa do torno e das ferramentas é o seu sobrinho. Tem pena, mas há dez anos que assim é. Começou por ser construtor de barcos, mudou-se depois para a construção civil. E, além das histórias com os arquitetos, também tem para contar muitas histórias dos anos em que conviveu de perto com outra figura nascida em Moledo, o poeta surrealista, artista plástico e encenador António Pedro, que dirigiu o Teatro Experimental do Porto (TEP) entre 1953 e 1961.
Autor dos cenários de algumas das peças de António Pedro, o senhor Manuel recorda os tempos em que andou em digressão por Lisboa, Porto, Coimbra e Póvoa de Varzim. Em Moledo também assistiu aos anos em que António Pedro quis construir um teatro na aldeia, mesmo em frente à praia, num local onde ainda hoje existe uma ruína. “Não foi só o António Pedro que fez isto, mas ele foi de facto o principal impulsionador. Quando foi para o TEP, isto acabou por morrer”, conta. Em casa, o senhor Manuel tem várias recordações de António Pedro como um busto esculpido pelo surrealista. “Isto era para ser lixo, eu é que não deixei”, comenta. “Não era muito difícil trabalhar com António Pedro. Era preciso cumprir aquilo que ele queria, mas ele aceitava as minhas sugestões”, acrescenta. É uma questão de respeito.