Há lugares que fazem toda a diferença. O Museu de Arte Contemporânea de Elvas é um desses lugares. Abriu as portas em 2007, ligado à coleção (e à vontade) de António Cachola. Nâo era só um projeto inédito na região, era também o primeiro museu nacional integralmente dedicado à arte contemporânea portuguesa (o colecionador prefere falar em “arte contemporânea feita por artistas portugueses”) das últimas duas décadas. Curiosamente a inspiração veio do outro lado da fronteira quando, em 1995, em Badajoz, se inaugurou o Meiac (Museu Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporânea), atento à arte portuguesa do lado de cá da fronteira… “Aquilo estimulou-me”, conta-nos António Cachola, 57 anos – já uma apetitosa tortilha de espargos tinha aterrado na nossa mesa. Como muito antes, nos anos 80, tinha sido estimulado, em Campo Maior, por uns arrojados Encontros Ibéricos de Arte Moderna que aí se organizavam. A sua tendência para, nas suas palavras, “pensar mais à frente do lugar onde já estou” tem o condão de transformar “estímulos” em ações muito concretas. Nos anos 90 começou uma notável coleção de arte contemporânea, só de autores nacionais, sempre com a “lógica de um dia a poder partilhar”. E esse dia não demorou assim tanto a chegar. Com todo o apoio da Câmara Municipal de Elvas e do ministério da Cultura abriu o Museu de Arte Contemporânea de Elvas – Coleção António Cachola, num antigo edifício do hospital da Misericórdia local. Hoje, a coleção, com mais de 300 peças, é uma referência para todos os que, em qualquer lugar do mundo, se interessam pela mais recente produção artística portuguesa.
Mas neste momento, nenhuma das obras expostas no museu pertence a António Cachola. A exposição Zona Letal, Espaço Vital, comissariada por Sara Matos, inaugurou no último dia 16 com obras da Colecção da Caixa Geral de Depósitos (Pedro Cabrita Reis, Francisco Tropa, Fernando Calhau, Leonor Antunes, Fernanda Fragateiro, José Pedro Croft ou Jorge Molder são alguns dos artistas presentes). Em Julho, obras de outra coleção institucional, a de Serralves, vão ali entrar em diálogo – silencioso – com outras da coleção Cachola. No ano passado, houve um intercâmbio com a coleção Berardo. O projeto tem dado passos seguros, consistentes. Como o recente protocolo assinado com o Museu do Chiado, em Lisboa, que vai guardar o acervo de fotografia e vídeo de António Cachola ou a preparação de um livro sobre a coleção, a lançar em abril de 2012, coordenado por Delfim Sardo (notícia dada, em primeira mão, à… caravana VISÃO).
António é economista de formação (ocupa o lugar de diretor financeiro da Delta Cafés, empresa onde trabalha há cerca de 30 anos), por isso, não admira que a conversa derive para os tempos incertos que vivemos – e aí, para compensar, já um suculento e inesquecível cabrito chegou aos nossos pratos. Como toda a gente, António está “preocupado”; e não é fácil descobrirmos motivos para optimismos. Questiona-se o modo (irresponsável?) como foram concedidos créditos a Portugal em alturas de grande incentivo ao consumo, e acabamos a falar da instável Europa e da falta de líderes fortes e carismáticos. “Hoje discutimos se os países conseguem ou não pagar as suas dívidas; receio que dentro de uma ou duas décadas possamos estar a discutir questões ainda mais graves, sobre paz e guerra…”.
A solução para ultrapassar uma conjuntura assustadora como a atual tem que passar pelo exemplo de quem transforma “estímulos” em futuros partilhados. Os tais lugares que fazem toda a diferença podem, afinal, habitar dentro de nós.