Há uma revolução a acontecer nos edifícios de escritórios como os conhecemos. A pandemia empurrou milhões de pessoas para dentro das suas casas que subitamente se transformaram também em local de trabalho. Uma realidade que, aliás, vai ser debatida amanhã numa conferência ao mais alto nível, realizada, por via remota, no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia e intitulada “Trabalho Remoto: Desafios, Riscos e Oportunidades”.
Com a vacinação a decorrer, e apesar da pandemia ainda estar longe do fim, começam assim a ser traçados cenários do regresso a uma realidade que dificilmente será igual ao momento pré-Covid 19. Mas de que forma estão as empresas a preparar os espaços de trabalho para este regresso? A Visão Imobiliário ouviu vários especialistas de mercado para perceber como está a decorrer esse processo em Portugal.
Sabe-se, desde já, que algumas tendências que já se perfilavam no momento pré-Covid vão consolidar-se e outras novas estão já a caminho. As salas em open-space partilhadas por um grande número de pessoas estão com os dias contados e as zonas formais ou informais para trabalhar de forma individual ou em equipa vão multiplicar-se. A tendência do hot desking, ou seja, a política da mesa de trabalho não exclusiva (eliminando a acumulação de papéis e outros objetos pessoais) vai expandir-se e nas empresas mais tecnológicas vai intensificar-se o recurso a apps que permitem marcar uma determinada mesa ou uma sala de trabalho, num registo diário e à distância de um clique.
“Assistimos neste momento a uma alteração do paradigma do que era um edifício de escritório. Durante anos, o planeamento tradicional do local de trabalho estava focado na otimização dos espaços das empresas e na grande densidade de postos de trabalho. Mas neste momento, na reflexão que as empresas já estão a fazer, o posto de trabalho já não é o impulsionador do programa da definição do edifício. Por isso, eu diria mesmo que o propósito do escritório está a ser reconfigurado”, diz Paulo Jervell, arquiteto e sócio, do ateliê Openbook, acrescentando que “a pandemia está a ter um impacto generalizado na arquitetura e com tudo o que está relacionado com o espaço”, seja um hotel, um hospital, um edifício residencial e, claro, também um espaço empresarial.

No centro desta mudança de paradigma está a constatação de que o teletrabalho funciona e pode fazer parte das dinâmicas habituais das empresas ditando por isso novas regras quanto ao número de postos de trabalho fixos. Por outro lado, o confinamento mostrou que é no equilíbrio que está a virtude por isso recurso ao trabalho remoto está aprovado mas com conta, peso e medida pois o contacto com os colegas e as chefias é salutar e recomenda-se, levando à criação de mais espaços de interação, num registo flexível, defendem os especialistas ouvidos pela Visão.
“Se as empresas derem um dia de teletrabalho aos seus colaboradores e se dividirmos a semana em cinco dias de trabalho podemos dizer que haverá uma redução de cerca de 20% do espaço (se fizermos a equivalência de um dia a 20% da sua semana de trabalho). No entanto, há uma diversidade de espaços que não estavam desenhados no ambiente tradicional de escritório e que vão passar a estar, por isso acaba por haver uma compensação. O que é certo é que o open space, algo que era tradicional e muito bem visto pelas empresas pois conseguiam grande densidade de trabalhadores em poucos metros quadrados, hoje já não faz tanto sentido ”, diz Rodrigo Canas, responsável do departamento de escritórios da consultora Savills, realçando que cada vez mais empresas olham para o teletrabalho como uma opção duradoura na sua gestão de pessoal. “O que dita a produtividade é a quantidade e a qualidade das tarefas produzidas e não o número de horas que as pessoas passam no escritório”, reforçou ainda.
A pandemia obrigou as empresas “a testar tendências que há muito eram faladas e que de repente houve mesmo necessidade de colocar em prática onde se incluem o teletrabalho e as ferramentas tecnológicas que permitem as reuniões virtuais. Tudo isto deu um salto enorme e foi possível provar que existia capacidade de resposta”, corrobora Carlos Oliveira, que dirige a área de escritórios na Cushman&Wakefield (CW). Mas, acrescenta, o confinamento veio mostrar também um outro lado: “Durante o isolamento forçado as pessoas perceberam que a presença física, o estar com os outros, é muito importante. E isso percebe-se nos novos escritórios que estão a surgir e que privilegiam os postos de trabalho com alguma rotatividade e também o aumento das zonas comuns de partilha, de comunicação”.
Isto veio consolidar a chamada “hotelização dos edifícios de escritórios”, o olhar as empresas quase como “company clubs” , reforça Cristina Arouca, diretora de Research da CBRE, explicando que estes espaços aprimorados, feitos à medida para garantir o bem-estar dos trabalhadores, são olhados pelas companhias como forma de reter talento e de aumentar a produtividade. “Acreditamos que estas tendências se irão intensificar. As empresas já não atraem o colaborador apenas pelo salário ou pelo nome da instituição. Dar incentivos como alguns dias por semana em teletrabalho ou apostar em espaços como uma sala de ioga ou serviço de lavandaria são benefícios indiretos que vão ser cada vez mais importantes no futuro”, sublinha a responsável.
E é este “modelo híbrido” para onde caminhamos que vai obrigar a uma reformulação de espaços, preconiza Paulo Jervell. “Este novo propósito de escritório terá que estar muito assente na componente da ligação humana. E a necessidade de ligar as equipas vai implicar, por exemplo, mais salas de projeto específicas para determinadas tarefas, mais espaços de foco e espaços de circulação mais alargados que garantam segurança sanitária, agora fundamental devido à Covid”, sublinha o arquiteto da Openbook, ateliê que assinou projetos como os das sedes da Deloitte, da Abreu Advogados, da GL ou da Vieira de Almeida.
Segurança sanitária passa a ser trunfo para reter talentos
A antecipar já o futuro, a consultora JLL através da Tétris, a sua empresa de arquitetura, lançou o “Re-Imagine”, um guia prático para ajudar as empresas a repensar o espaço de trabalho neste novo normal.
O objetivo da Tétris foi ir ao encontro da necessidade de zonas flexíveis dentro das empresas, dotando-as de um design apelativo e, acima de tudo, tecnologicamente dotadas. Batizados de “espaços Pivot”, estas áreas multifuncionais são desenhadas para acolher uma diversidade de tarefas e que estimule o trabalho de equipa, refletindo ao mesmo tempo a cultura da empresa.
“Por definição, os espaços Pivot são zonas de transição entre o que eram as áreas clássicas de escritórios caracterizadas pelo open-space e salas de reuniões para espaços versáteis e polivalentes que num momento podem estar a promover o distanciamento necessário em tempos de pandemia, noutro estão a criar espaços colaborativos para equipas de diferentes dimensões”, explicou João Marques, responsável pela gestão da Tétris ao nível do Southern Cluster (Portugal, Espanha e Itália).
Uma delimitação ou diferenciação de zonas feita com recurso a mobiliário de design contemporâneo e onde as soluções digitais estão sempre presentes. Os espaços Pivot podem ter diferentes dimensões e usos. A Tétris criou diversas áreas com este conceito na nova sede da JLL em Madrid, incluindo-se, entre estes, “uma zona em formato de anfiteatro, um lounge, um work café, uma zona de concentração e uma zona com postos de trabalho “livres” que terão de ser pré-reservados através de uma aplicação”, conta o responsável.
“O conceito do ‘meu posto de trabalho’ onde as pessoas colocam as fotos dos filhos, os papéis e canetas e os bibelots, está a cair em desuso”, diz o responsável da Tétris, adiantando que também nos escritórios da JLL em Lisboa já se está a implementar a a lógica da flexibilização de espaços.
“Uma das medidas passa por reduzir a densidade das zonas de trabalho. Onde antes tínhamos 200 postos de trabalho, passamos a ter 150, incentivando a rotatividade entre o trabalho escritório/casa, privilegiando novas áreas mais amplas de encontro, reunião e socialização das equipas. Além de estarmos a apostar na criação destes novos espaços Pivot – auditório, espaços comuns, e um work cafe -, o objetivo é ter uma política de clean desk, em que cada colaborador tem um cacifo próprio para que possa deixar a secretária livre no final do dia”, adianta ainda João Marques.
A boa gestão na prevenção do risco e a garantia de segurança sanitária do edifício vão passar também a ser trunfos para as empresas que querem reter os seus talentos. “Já não basta ter um edifício de qualidade, que cumpra os parâmetros em termos de construção sustentável, com qualidade de luz e ar e um bom sistema AVAC (ar condicionado). Agora junta-se também a questão da saúde das pessoas”, salientou ainda, Carlos Oliveira, da CW, acrescentando que “até pode ser disrruptivo para as empresas que não o fizerem pois arriscam-se a níveis elevados de absentismo e perda de produtividade”.
A pandemia a criar novas dinâmicas que estão a mudar a forma como trabalhamos e interagimos com quem nos rodeia.