Beatriz Rubio está há mais de uma década à frente do maior grupo imobiliário de Portugal, um universo com mais de 12 mil colaboradores que, apesar da pandemia, conseguiu transformar o terceiro trimestre deste ano no melhor de sempre dos 20 anos de operação em Portugal. Em apenas três meses, a rede transacionou mais de 17 mil imóveis, num volume global de 1,23 mil milhões de euros.
Espanhola, licenciada em Economia e Gestão pela Universidade de Saragoça, a empresária chegou a Portugal há 27 anos. Passou pela direção de um dos departamentos do grupo Parfum & Beauté e dirigiu a divisão de compras da insígnia Recheio do grupo Jerónimo Martins. Na liderança dos destinos da Remax Portugal desde 2009, tem levado a rede a resultados significativos, mesmo em contexto de extrema incerteza como aconteceu neste ano pandémico que agora termina.
Quando a pandemia começou, muito se falou do impacto que ela poderia ter nos preços das casas, que estavam “aquecidos” em certas zonas. Porém, em 2020, poucas oscilações ocorreram no mercado. Com o agravar da crise, irão os preços baixar em 2021?
Primeiro, é preciso dizer que o mercado tem dinheiro. Falo no crédito concedido pelos bancos aos particulares e às empresas. Antes do surto de Covid-19, eram emprestados cerca de 950 milhões, em média, por mês. Durante os primeiros meses da pandemia, esse valor desceu para os 830 milhões, e depois, em julho, voltou a recuperar para os 930 milhões.
E, em outubro, segundo dados do Banco de Portugal, atingiu-se o valor mais alto desde janeiro: 976 milhões de euros concedidos num só mês para crédito à habitação.
Exato. O mercado tem dinheiro e, portanto, continuamos a fazer vendas e a escriturar. Já em abril, as pessoas estavam a perguntar se os preços iriam descer. Mas não desceram, porque o mercado, no seu todo, não tem oferta suficiente para essa procura. Há pouco produto novo e, embora haja muita construção a ser realizada, o despacho das licenças de utilização está demorado devido à pandemia. Esta é uma realidade de que as pessoas não falam. Temos prédios inteiros para serem escriturados, à espera da emissão da Licença de Utilização desde abril… E o problema é que os construtores vão ficar em dificuldades, quando poderiam continuar a construir se já tivessem a escritura feita. O desemprego também aumentou e vai continuar a aumentar, desgraçadamente, mas ainda não atingiu o pico. Daqui a três meses, se a economia não começar a recuperar, é que vai ser mais problemático. Ainda assim, qual é a razão para que o mercado imobiliário não tenha começado já a cair? Primeiro, o mercado português é pequeno. Logo, é mais controlado. Depois, os estrangeiros continuam a comprar aqui casas porque Portugal é um país tranquilo e acolhedor, com bom clima, lindas praias, sem esquecer a gastronomia, claro. E até está a atrair novas nacionalidades. Desde julho, temos constatado que começou a surgir e a consolidar-se um novo comprador que não estava na lista de prioridades – o cliente norte-americano. São pessoas com fortunas e que estão a comprar casa para se instalarem aqui. Por isso, têm surgido novas escolas americanas ou mais orientadas para o contexto americano.
A que se deve esse fenómeno? Há mais divulgação? É o efeito Trump?
Pode ser também o efeito Trump, sim. E a divulgação. Portugal está na moda e é de aproveitar. Os políticos têm de criar leis que atraiam este tipo de investidores, que compram casas de elevado valor e acabam por trazer mais dinheiro para a economia portuguesa.
Porém, o Governo vai colocar em 2021 um travão na atribuição dos vistos gold nas zonas mais procuradas por este tipo de clientes. Isso poderá afastá-los?
Aos americanos nem tanto, porque são um caso diferente. Têm muito dinheiro e não procuram um passaporte europeu. Mas acho um erro acabar com aquilo que nos tirou da anterior crise. Nessa altura, Portugal trabalhou bem para que o dinheiro viesse para cá e não ficasse em Espanha ou noutro país da União Europeia, e a verdade é que foi esse dinheiro que nos ajudou a sair da crise.
Ainda em relação à questão da lei da oferta e da procura de imóveis, significa, então, que a tendência é para os preços no imobiliário se manterem em 2021?
Com a subida do desemprego, vamos ter casas a entrarem no mercado, mas essas não constituem o tipo de produto procurado pelos clientes estrangeiros, e em zonas mais centrais, de que estávamos a falar há pouco. Serão casas para quem cá vive continuamente, apartamentos T2 e T3. Nesses casos, sim, haverá pessoas com necessidade de venda mais rápida e, por isso, com tendência para apresentarem preços mais baixos. Aliás, já há algumas zonas do País onde os preços começaram a descer um pouco. Em Lisboa, os preços também poderão descer pontualmente, nos tais casos em que as pessoas precisam de vendas rápidas.
O período pós-moratórias em 2021, associado ao agravamento da situação económica de muitas famílias, poderá “empurrar” mais imóveis para o mercado de venda?
As moratórias permitem que as pessoas deixem de pagar o capital dos juros, o que representa, pelo menos, uns 30% do rendimento disponível. Imaginemos um casal em que cada um ganha um ordenado de mil euros e que deixa de pagar a prestação. Deixa, enfim, é uma maneira de dizer porque, no final, terão de pagar esse dinheiro, claro. Mas imaginemos que o casal passa a ter 600 a 800 euros disponíveis para gastar. Em teoria, as moratórias é como se fossem uma poupança para se fazer face a imprevistos associados aos problemas da pandemia, mas a verdade é que, em muitos casos, as pessoas estão a gastar esse dinheiro. Sabemos que, durante o confinamento, houve muitos negócios que dispararam, venderam-se mais eletrodomésticos, aparelhos de televisão maiores, reforçou-se a garrafeira, comprou-se comida fora… Em muitos casos, está a consumir-se a moratória e, logo, a adensar-se o endividamento. Como prolongaram a maioria das moratórias até setembro de 2021, devia começar-se a fazer algo em relação a isso, senão vai haver um impacto muito grande na atividade financeira. Aí, sim, a consequência para muitas pessoas será terem de colocar as casas à venda para tentarem reequilibrar a sua situação financeira. Nessa altura, poderá ocorrer um excesso de oferta. Se eu estivesse a liderar um banco, atuaria antes de isso acontecer.
Uma das empresas associadas da Remax Portugal, a Maxfinance, trabalha diretamente com os bancos. Neste momento, os bancos não estão, então, a receber mais imóveis por incumprimento de pagamento?
Não, não estão, e eu trabalho diretamente com essa área. Trata-se de um ou outro imóvel, mas nada de significativo. Nada que se compare com o que aconteceu em 2011, que eram milhares de imóveis.
Outra tendência trazida pela pandemia foi a necessidade de as pessoas terem espaço exterior nas suas casas. No universo Remax, registaram um reforço das vendas nas localidades mais periféricas, fora dos grandes centros, em zonas mais rurais?
Nesse aspeto houve uma mudança radical. As pessoas ficaram confinadas e aperceberam-se de que precisavam de fazer melhorias nas casas ou até de algo diferente. Por isso, não é de estranhar que tenha aumentado brutalmente a procura de moradias ou de casas com varandas grandes, terraços e jardins. Estamos a falar de um aumento de cerca de 30 por cento. Inclusive, aumentou a procura por terrenos pequenos, de 250 ou 300 metros quadrados, quando antes ela era muito rara.
São casas situadas nas periferias de Lisboa e do Porto ou também notam esse movimento noutras zonas do País, já mesmo no campo?
Tudo o que rodeia Lisboa está a ter grande procura. É muito abrangente, tanto pode ser em Torres Vedras, Montijo ou em várias outras zonas na Margem Sul. Houve muitas pessoas que reprogramaram a sua forma de trabalhar. Aliás, isso já se nota na falta de congestionamento do trânsito. Como nem todas as empresas regressaram ao trabalho presencial, há ainda bastante gente a trabalhar a partir de casa
Como tem sido liderar o maior grupo imobiliário do País com mais de 12 mil pessoas num momento singular como este?
Nunca me pesaram tanto os ombros. A carga emocional é grande, mas há que continuar a lutar porque é necessário. Importante, neste momento, é estar junto das pessoas. Há dias em que, se calhar, não dou tudo o que elas querem, mas, pelo menos, estou presente. Ser líder não é estar por cima de todos… Esta situação de pandemia deixou ainda mais claro que ser líder é mesmo estar com toda a gente e arregaçar as mangas.
“Tive de trabalhar mais e demonstrar muito mais, por ser mulher”
Antes de chegar à Remax Portugal, esteve em cargos de direção nos grupos Parfum & Beauté e Jerónimo Martins. Como avalia a questão da igualdade de género em Portugal? Foi difícil afirmar-se no panorama empresarial?
Exatamente igual ao percurso de tantas mulheres. Cheguei a ter de ouvir absolutas aberrações por parte de homens que me diziam na cara “Não me reúno consigo”, ao que eu respondia “Então, não se reúne com ninguém!”. Mas, enfim, essa questão, em geral, e apesar de tudo, cada vez está melhor. O que não suporto, onde quer que vá, é a diferença salarial. Como é possível isso ainda subsistir? A que propósito pode ser aceitável uma mulher ganhar menos do que um homem? Então eu, como CEO de uma empresa, incentivo a que isso não aconteça. Na minha empresa, ganha mais quem trabalha melhor e trabalha mais, tanto faz ser homem ou mulher. E, é verdade, tive de trabalhar mais e demonstrar muito mais, por ser mulher. Sofri isso na pele.
Qual é a fórmula para ser mãe, mulher e empresária de sucesso, liderando uma equipa com mais de 12 mil colaboradores?
É fazer uma boa gestão do tempo. As reuniões, por exemplo, são diretas, assertivas e acabou. E tenho uma equipa que é alucinantemente boa, a chave está mesmo em delegar. As pessoas têm de aprender a não controlar tudo. Se controlamos tudo, ficamos nervosos porque queremos que as coisas aconteçam conforme temos na cabeça. Quando libertamos o controlo, apercebemo-nos de que existem muitas pessoas capazes de ir para a frente e que fazem as coisas mesmo bem.