Imagine um apartamento novinho a estrear, onde não faltam varandas panorâmicas, área específica para o teletrabalho e quartos todos em suite. Fora de casa, mas ainda no prédio, um jardim privativo só para residentes bem como uma sala multiusos que pode ser um local para celebrar os aniversários das crianças ou uma área de cowork para quem não se consegue concentrar a trabalhar em casa. Uma casa de sonho ajustada aos tempos de pandemia e que caracteriza bem o produto novo que começa agora a surgir no mercado, a preços para a classe média/média alta nacional.
Projetos com escala, com mais de 50 unidades em cada edifício e cujas obras arrancaram em 2019 ou já em plena pandemia e que não só não pararam, como se ajustaram aos novos atributos impostos pela Covid-19 e que são agora trunfos de venda, como confirmaram à Visão Imobiliária os vários operadores do mercado que foram contactados.
E, sinal evidente de que o interesse dos compradores continua a existir, são as 122 066 casas vendidas entre janeiro e setembro de 2020, de acordo com os dados oficiais recolhidos pelo Gabinete de Estudos da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). Um decréscimo de 7,7% face a igual período do ano anterior mas que ainda assim representa uma média de 452 casas vendidas por dia e em plena pandemia.
Dados que não surpreendem a consultora JLL que acompanha vários promotores imobiliários – a maioria estrangeiros – e com diversos empreendimentos com escala, prontos para lançar, para o segmento doméstico. Depois do Jardim Miraflores dos belgas da Krest com 120 apartamentos ou do mais recente Flower Tower, da promotora francesa Nexity, em Leça da Palmeira, com 108 unidades, a JLL ultima preparativos para dar a conhecer ao mercado vários outros empreendimentos de grande dimensão. “Entre estes está, por exemplo, o projeto da Round Hill com a TPG, um condomínio com 98 apartamentos (de T1 a T4) e piscina comum em pleno Campo Pequeno, o Metropolis, com 200 unidades junto ao Estádio de Alvalade ou o outro empreendimento da Nexity, desta vez no Dafundo, em Algés, com 60 apartamentos. A norte, temos o projeto da Quântico/Albatroz nas Antas, com 170 apartamentos. E isto só para citar alguns exemplos. Todos estes projetos não pararam com a pandemia e vão ser lançados já este ano”, afiança Patrícia Barão, diretora do departamento residencial da JLL.
“A classe média/média alta continua ativa, muito interessada nas novidades e a querer saber onde pode comprar e o que comprar. É preciso não esquecer que o mercado residencial é mais resiliente do que outros setores pois as casas têm vários usos. Podem ser usadas não só para viver mas também para passar férias, arrendar, trabalhar… É um ativo multifacetado e isto permite que este setor nunca estagne”, reforçou ainda a responsável.

O Jardim Miraflores, com 120 apartamentos, tem piscina, ginásio, jardins e terraços privativos
Uma clientela mais abonada que, apesar da crise económica que se está instalar, vai permitindo equilibrar o setor. “Este é o ‘target’ com que trabalho na JLL mas também sei, como vice-presidente da APEMIP (Associação das Empresas e Profissionais da Mediação Imobiliária de Portugal), que no segmento das classes mais baixas, a situação já está dificílima”, admitiu a responsável da JLL.
E estarão os preços a descer, tendo em conta este acréscimo de oferta nova no mercado? “O que a pandemia veio trazer foi algum equilíbrio entre a oferta e a procura pois no período pré-Covid tínhamos um mercado sobreaquecido e uma pressão enorme por parte dos compradores. No período pós-Covid, essa pressão reduziu e, portanto, o que temos agora é um mercado mais equilibrado e quando é assim, os preços tendem a ajustar. Mas nada tem a ver com a hecatombe de preços que alguns preconizaram”, explica Rui Torgal, diretor-geral da rede imobiliária ERA.
A perceção de que faltava produto novo no mercado a preços acessíveis para os clientes portugueses levou o grupo a estabelecer uma parceria com promotores imobiliários há pouco mais de quatro anos e a criar a unidade de negócios Obra Nova ERA, que soma atualmente cerca de 300 empreendimentos construídos de raiz e de diferentes dimensões.
O “interesse” da banca em continuar a financiar o crédito à habitação aliado às taxas de juro de juro dos empréstimos “que não só são historicamente baixas como asseguram a perspetiva de se manterem assim mais alguns anos”, são motores essenciais desta procura, realça Rui Torgal.
Frederico Abecassis, CEO da consultora Coldwell Banker Portugal, reforça, lembrando que mais do que baixarem os preços, as promotoras imobiliárias arranjam, outras formas de negociar com os clientes. “Os promotores estão a ser flexíveis na forma de pagamento, por exemplo, baixando os reforços de sinal que agora são mais baixos que no período anterior”, exemplificou o responsável da Coldwell, consultora que assegura atualmente a comercialização de diversos empreendimentos em Lisboa, Cascais e Algarve, que têm implícito um volume global de investimentos na ordem dos 265 milhões de euros.
“Mais do que impacto nos preços, a pandemia veio trazer impacto na arquitetura e na forma como os imóveis vão e estão já a ser construídos em Portugal. Um exemplo: o ‘home office’ veio para ficar, a necessidade de ter uma zona para trabalhar a partir de casa. As grandes empresas já estão a pensar como vai ser o ‘modus operandi’ no futuro e havendo essa necessidade, as casas têm mesmo de estar adaptadas”, reforçou Frederico Abecassis, realçando que agora, mais do que nunca, as habitações devem ser ecológicas. “Se vamos trabalhar mais de casa, estas devem mesmo ser eficientes do ponto de vista energético não só por questões de sustentabilidade do planeta mas também por questões económicas”.
Varandas anti-stress
Entre os argumentos de venda do Flower Tower, o projeto da Nexity no norte, em Leça da Palmeira, estão precisamente aqueles que se encaixam nas novas exigências trazidas pela pandemia.
“É já consensual que a pandemia veio acelerar algumas tendências que já existiam. E é o caso com a questão dos espaços exteriores que já tínhamos previsto. O Flower Tower é um edifício que brinca muito com as varandas, é quase como um jogo. Todos os apartamentos têm uma ou mais, o que faz todo o sentido com o clima que temos em Portugal. Depois, ao nível dos interiores, procurámos ter espaços polivalentes e temos várias tipologias +1, onde se criaram quartos mais pequenos que podem funcionar como um escritório. Nas áreas comuns, foi ainda criado um pequeno ginásio e um espaço com potencial para ser mais do que uma sala para as reuniões de condomínio. Pode ser um espaço de coworking interno do condomínio ou uma sala de eventos, por exemplo”, detalha Fernando Vasco Costa, CEO da Nexity, um dos maiores promotores imobiliários de França e que entrou em Portugal no ano passado já com o intuito de trabalhar o mercado nacional.
Com preços a partir dos 112.500 euros, o Flower Tower despertou tanto interesse junto do mercado que em pouco mais de um mês foram vendidos mais de 20 das 108 unidades que irá ter esta torre. Depois deste projeto, seguir-se-á o empreendimento no Dafundo (Algés) onde em tempos funcionaram as revistas da Motorpress. Serão mais de 60 unidades todas com a lógica atual em termos de espaços exteriores privativos, varandas e até coberturas verdes onde se podem incorporar piscinas para as penthouses.
“O nosso produto, embora possa ser vendido a estrangeiros, foi muito pensado para as famílias portuguesas”, garante Fernando Vasco Costa, referindo que a pandemia não alterou em nada a estratégia da empresa em Portugal, que já tem 120 milhões em projetos em curso.
A norte, começa a tomar forma o projeto imobiliário que seria o culminar do grandioso plano que o empresário Belmiro de Azevedo tinha para os terrenos da Efanor, que chegou a ser uma das maiores fábricas de têxteis do país e o local onde o grande mentor da Sonae conseguiu o seu primeiro emprego.

Localizado em Matosinhos, no epicentro de uma série de projetos Sonae (como o Norte Shopping ou o Porto Business School), o empreendimento Jardins Efanor tem já em fase de finalização o primeiro edifício (de vários que vão ser construídos num total de 400 casas) com 62 apartamentos e preços a partir dos 150 mil euros para os T0. Cerca de 75% já foram vendidos, a maioria em plena pandemia.
“Não sentimos qualquer impacto negativo devido à atual situação, bem pelo contrário… Tendo em conta as características do projeto, atualmente muito valorizadas, como as varandas de 28 m2 ou os 28.000 m2 de área verde privativa, temos registado ainda mais procura”, conta Sandro Mota Oliveira, CEO da Invest&Co, empresa especializada na gestão e promoção de ativos imobiliários e que está a fazer a coordenação dos Jardins Efanor, um empreendimento do promotor Prédios Privados que adquiriu os terrenos à Sonae.
Com o ritmo de vendas a encorajar o investimento, a empresa prepara-se para lançar o segundo edifício em breve. “Ainda estamos a definir as tipologias mas este segundo edifício vai ter mais 145 unidades e contamos arrancar com a construção a meio deste ano. Acreditamos que o mercado vai continuar a ter interesse neste tipo de produto”, reforçou ainda o responsável da Invest&Co, acrescentando que os portugueses representam 80% das vendas do primeiro edifício.
Hotéis reconvertidos em habitação
A menos de meia hora de distância de Matosinhos, mais especificamente em Gaia, o grupo Fortera, de capitais israelitas, vai lançar o Skyline, um projeto misto que incluirá um hotel (com mais de 200), um edifício residencial com mais de 50 unidades e ainda zona de escritórios e comércio, num investimento global de 80 milhões a aplicar durante os próximos dois anos. Mas não só. Ainda envolto em algum secretismo está um outro mega-projeto, também em Gaia, direcionado para o mercado nacional. “Iremos dar mais pormenores em breve, mas este projeto terá perto de 350 apartamentos e está localizado não muito longe do SkyLine, estando todo ele destinado à classe média”, adianta Elad Dror, CEO da Fortera, referindo que o metro quadrado será vendido a 3200€/m2, aproximadamente.
O grupo tem estado imparável desde que chegou a Portugal e em cerca de cinco anos já investiu cerca de 200 milhões de euros em uma dezena de projetos, todos a norte, entre o Porto, Gaia, Espinho e Braga. Em nenhum deles, garante Elad Dror, foi sentido o efeito da pandemia nas vendas, após o desconfinamento.
“A maioria dos nossos projetos não são localizados em centros históricos, nem são destinados a turistas por isso não sentimos esse impacto. Quando resolvemos investir em Portugal e no Norte, a nossa estratégia sempre foi focada no mercado médio e local e não necessariamente nos investidores, apesar de termos alguns. Não nos quisemos especializar em nenhum outro mercado pois conhecemos este muito bem”, diz o CEO da Fortera.
Ainda que mais residual, o grupo chegou, contudo, a reservar na sua carteira de investimentos dois imóveis, um no Porto e outro em Braga, que dada a sua localização central, tinham como destino o mercado hoteleiro. Mas a pandemia trocou as voltas para já a esse plano dada a crise que se vive agora nesse setor.
“Temos em Braga um edifício, o Convento de Braga, que comprámos para criar uma unidade hoteleira e acabámos por replanear –será mais ‘service apartment’ (com 70 unidades) e menos hotel. E no Porto temos outro projeto, também com cerca de 70 apartamentos, que foi no último minuto, também reconvertido em residencial”, diz o gestor israelita.
E tal como aconteceu com a Fortera, são cada vez mais os promotores que fazem contas à vida em relação aos seus projetos hoteleiros.
“O turismo vai demorar mais um bocado a recuperar e alguns promotores pedem-nos a nossa ajuda para transformar os seus projetos em apartamentos para vender ou para integrar no modelo ‘Built to Rent’, ou seja, o investidor não vende mas arrenda todos as unidades daquele imóvel e vive das yields (taxa de rentabilidade). Há cada vez mais projetos deste tipo a surgir”, diz Patrícia Barão, da JLL, lembrando um estudo feito recentemente pela consultora e que dá conta de diversos projetos deste tipo que irão colocar no mercado de arrendamento cerca de 3.000 novas casas, a custos controlados, nos próximos cinco anos.
Para arrendar ou vender, certo é que o setor habitacional assente na construção está cada vez mais focado nos portugueses. Resta saber quão resiliente será este mercado enquanto durar a pandemia.