Serão os arquitetos devidamente valorizados na sociedade portuguesa? Daniel Fortuna do Couto, atual Vice-presidente da Ordem dos Arquitetos (OA) e candidato à presidência da instituição, cujas eleições decorrem amanhã, quer mais reconhecimento para esta profissão que é pouco valorizada pela sociedade no momento de a remunerar
Que papel gostaria que fosse dado à Arquitetura em Portugal?
Temos o problema bem identificado: por um lado, é dado o devido valor à profissão, os arquitetos são reconhecidos em Portugal e no Mundo, a sua formação é sólida e os profissionais são reconhecidos por isso, mas por outro lado a sociedade não reconhece aos arquitetos e ao que produzem o valor suficiente para que eles sejam realmente pagos como merecem. Chegou-se, inclusive, ao ponto do mediador imobiliário que transaciona o imóvel ganhar mais do que o arquiteto que o concebe. Isto é uma total perversão do sistema!
O que gostaria é que o reconhecimento correspondesse às condições de exercício da profissão concretas. Não só gostaria, como, através da Ordem, estou a trabalhar para que isso aconteça junto do Governo e do Parlamento, com intenções concretas de legislação e de regulação. Depois, assim mais utopicamente, se calhar a longo prazo, o que desejava é que o reconhecimento fosse ainda maior lá fora. Tenho defendido que deveríamos criar as condições para voltarmos a ter um Prémio Pritzker nesta década que começou agora.
– Referiu que a Ordem está a trabalhar com o Parlamento para criar legislação. Pode detalhar?
Começa logo nos direitos de autor. Nós somos a única profissão artística, ou do campo das artes, ou que envolve a conceção de algo, que não vê os seus direitos de autor remunerados, como os músicos ou os escritores, por exemplo. Nós assinamos o projeto e formalmente somos autores. Mas, primeiro, qualquer pessoa pode alterar e se calhar até, ainda bem. Não é por aí que quero ir, isso não tem a ver com direitos materiais, de conceber qualquer coisa e ser remunerada por ela. Um músico quando compõe uma canção ele tem um retorno financeiro por ela e que não está associado aos espetáculos que dá ou com os discos que vende, tem antes a ver com o facto, precisamente, de ter concebido essa canção. E nós não temos esses direitos de autor remunerados. Noutros países os arquitetos têm essa questão resolvida. Depois, há a questão dos honorários, que estão sujeitos às regras do mercado, o qual está desregulado… Intencionalmente desregulado. A OCDE e a Comissão Europeia vivem nesta doutrina do mercado livre, o que para as profissões artísticas é dramático. Porque se o critério de escolha é sempre o preço mais baixo, obviamente se eu for comprar um quadro pelo preço mais baixo eu compro o pior quadro. Na Arquitetura não é bem assim porque há o brio profissional, a deontologia e a ética profissionais e, portanto, à partida não se pratica má arquitetura. Mas, ela poderia ser ainda bastante melhor se fosse remunerada através de honorários adequados. Nós começámos a trabalhar nisso com o ministro da tutela e também no Parlamento e o que nós queremos é um pacote legislativo, um quadro regulatório, que inclua também as carreiras. Também não temos carreiras na Função Pública, nem carreiras no privado, que inclua todos estes aspetos e que dê à profissão as condições de trabalho.
A pandemia mostrou algumas fragilidades do edificado existente e os reflexos em situações de confinamento prolongado. Acha que vai haver alterações na habitação que passará a ser construída?
Durante a pandemia houve muita reflexão entre os arquitetos sobre habitação, como vivemos as nossas casas, como podemos desenhá-las melhor… Mas eu não creio que a pandemia vá alterar o curso natural da história contemporânea quanto ao padrão de áreas por habitação, por exemplo. O que poderá alterar, sim, é o tipo de área que normalmente não é contabilizada na discussão da habitação que são os espaços de transição de entrada e saída das habitações, as áreas exteriores, as varandas, enfim, aqueles espaços que não considerávamos centrais e que agora vamos necessariamente passar a considerar. Penso mesmo que haverá legislação nesse sentido. Não só os cidadãos, não só os arquitetos mas também as instituições vão preocupar-se e aí irão alterar a legislação vigente para que haja uma maior flexibilidade no seio da habitação, para que esta fique preparada para situações similares.
Como avalia o momento pré e pós Covid para o vosso setor?
Antes da pandemia vivíamos um momento muito positivo na construção e também na arquitetura mas também havia pouca reflexão sobre o que se estava a fazer. Ainda por cima essa dinâmica estava associada à reabilitação e por vezes foram-se adulterando imóveis ou até mesmo demolindo parte de edificado que poderia perfeitamente ser classificado como património. Clssificação que não foi dada devido à voracidade do mercado da construção.
No pós-Covid, uma preocupação da Ordem dos Arquitetos foi perceber que crise se estava aqui a instalar. E a verdade é que não encontrámos um cenário assim tão dramático… O que se verifica, para já, é que não está a ter impacto nos investimentos imobiliários e isso sente-se nos gabinetes de arquitetura. Houve uma diminuição nas encomendas mas por agora é residual. Mas, claro, ainda estamos a desconfinar…
O que pode a Ordem dos Arquitetos fazer para criar um maior ligação com a sociedade?
A Ordem tem estado envolvida numa reforma profunda da instituição e que passa pela descentralização dos arquitetos. A Ordem dos Arquitetos (OA) tem na sua génese as escolas de Belas Artes de Lisboa e do Porto e criou dois pólos – a secção regional do norte e centro e a secção regional do sul . Mas entretanto formaram-se muitos arquitetos, abriram mais escolas e os arquitetos estão por todo o território nacional. Nesse sentido, a estrutura orgânica atrasou-se e não corresponde hoje à localização territorial dos seus associados. E muito menos corresponde ao trabalho da articulação que é necessária fazer com as autarquias, os nossos interlocutores…
Quantos arquitetos vão a votos nestas eleições?
Temos 26 mil inscritos mas ativos, para votar, são cerca de 17 mil. E estas são as eleições mais participadas de sempre. Nunca houve tantas listas.