Os millennials são nómadas digitais que só arrendam casas porque hoje estão aqui e amanhã estão no outro lado do globo? Não forçosamente. A geração nascida entre 1981 e 1995 está a comprar imóveis, sim, e até está a moldar a arquitetura dessas habitações à medida dos seus gostos.
Casas tecnológicas, com espaços comuns aprazíveis no interior e no exterior do prédio, onde possam interagir com outros vizinhos, lavandaria partilhada e apartamentos que privilegiam o open space, ajustável consoante a chegada de amigos ou até com o crescimento da família – assim são as habitações ideais para estes jovens, já instalados no mercado de trabalho.
Atenta a este segmento, a Finangeste, empresa gestora de ativos imobiliários, lançou, este mês, o Young Urban Property (YUP), um projeto que quer ser disruptivo com o que tem sido feito até agora em Lisboa em matéria de edifícios residenciais. Orçado em oito milhões de euros, vai nascer na zona do Campo de Santana a partir da reconversão de um antigo edifício de escritórios.
Cada um dos seus 20 apartamentos estará equipado com várias aplicações tecnológicas que permitem gerir diversas funcionalidades da habitação. Para estimular a socialização dos futuros proprietários, estão previstos uma zona partilhada com um salão de festas, um ginásio e uma área de lavandaria comum para todos os residentes do prédio. E, para tornar o edifício autossustentável quanto aos custos de manutenção, os valores das rendas de uma loja no piso térreo serão convertidos na sua totalidade para o condomínio.
Mas a principal diferenciação do YUP – projeto assinado pelo arquiteto Capinha Lopes – vem da possibilidade de cada proprietário poder alterar a configuração da sua casa, pois as paredes interiores, feitas de painéis divisórios em madeira, podem deslocar-se facilmente, permitindo compartimentar o espaço ou, pelo contrário, conquistar amplitude.
“Lisboa está a mudar e isso nota-se na arquitetura que está a surgir e que abrange diversas soluções. Sejam casas para diplomatas, para a juventude tecnológica, para executivos de multinacionais ou outro tipo de nicho. E nós queremos também fazer casas para a próxima geração que vai viver na cidade. Jovens que gostam de viver o seu espaço interior em open spaces, onde basta deslizarem uma parede se, de um momento para o outro, precisarem de privacidade porque têm hóspedes em casa, por exemplo”, realçou Paul Henri Schelfhout, CEO da Finangeste, que foi buscar inspiração a diversas fontes arquitetónicas, dos lofts nova-iorquinos às minimalistas casas nipónicas.
Amigos, planeta e tecnologia
Um estudo publicado recentemente pela consultora Coldwell Banker, nos Estados Unidos da América, lembra que “os millennials cresceram num tempo marcado pelos permanentes avanços tecnológicos, pela globalização e pela recessão económica que lhes deram uma visão bem definida de prioridades e expectativas bem diferentes das gerações anteriores”.
Nos EUA, o universo sobre o qual incide o estudo, a geração millennial ultrapassou os chamados baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964), numa proporção de 73 para 72 milhões de pessoas, segundo a projeção do Pew Research Center. Um dado que está a ser levado em conta pelos promotores e investidores imobiliários.
E o que querem estes jovens adultos quando se trata de fazer a compra mais cara da sua vida? “As casas querem-se inteligentes, ecologicamente eficientes, marcadas pela espacialidade, com terraços panorâmicos e áreas sociais partilhadas”, refere o mesmo estudo.
A distância a pé de restaurantes, cafés e comércio de proximidade pesa também muito na sua escolha e está em sintonia com a sua filosofia de vida, orientada para a partilha de experiências com a família e com os amigos. Acrescenta-se ainda que “a questão da saúde e do bem-estar é uma prioridade, por isso os millennials gostam de estar próximos de locais onde se podem exercitar”.
Uma das principais diferenças em relação à geração anterior, sublinha-se ainda, é que os “millennials estão dispostos a abdicar de espaço”: “Preferem ter uma área menor, mas uma casa inteligente e recursos que economizam energia.”
O que não parece mudar assim tanto, segundo a Coldwell Banker, é a tendência para o desejo de adquirir a propriedade, mesmo que a opção pelo arrendamento pese hoje muito mais do que no passado. “Os millennials que vivem nas grandes cidades, tendencialmente, possuem qualificações mais elevadas, maiores níveis de sucesso e um melhor entendimento financeiro. E olham para as suas compras imobiliárias como uma parte do seu portefólio de investimento”, não se tornando assim o imóvel num empecilho em caso de mobilidade por questões profissionais, sendo antes uma fonte de rentabilidade.
Também por cá, numa realidade financeira bem mais contida, nem os baixos rendimentos auferidos, em média, por quem se enquadra nesta faixa etária lhes tolhem os sonhos, como mostrou um estudo recente feito pela Century21 no âmbito do II Observatório do Mercado da Habitação em Portugal. O inquérito realizado pela Sygma Dos a cerca de 800 jovens entre os 18 e os 34 anos apurou que cerca de 63% dos inquiridos ganham menos de mil euros mensais e 17,2% têm mesmo ganhos inferiores a 500 euros. Apenas cerca de 12% indicam rendimentos entre os 1 000 e os 1 500 euros por mês.
Apesar dos baixos rendimentos, quando questionados sobre onde desejariam viver, 33,4% dos jovens revelam que gostariam de morar numa casa própria com o parceiro, 18,5% preferem viver sozinhos e 1,9% com amigos. “De qualquer das formas, 53,8% preferem uma opção de casa própria, enquanto 36,7% se inclinam para uma habitação arrendada. Apenas 4,5% optam por habitação partilhada, quer seja arrendada ou própria”, segundo se destaca no estudo.
Conclusões que levaram Ricardo Sousa, CEO da Century21, a salientar no documento que “os jovens portugueses mantêm assim uma forte cultura de proprietários, à semelhança do que se verificou na geração dos seus pais”. Mesmo assim, reforça, “o arrendamento já é uma opção desejada por um em cada quatro jovens no limiar da vida adulta”. Haja ofertas para isso.