Portugal é presenteado com uma média anual de 3.000 horas de Sol, mas esta benesse natural pouco beneficia a esmagadora maioria dos portugueses. Em Portugal morre-se de frio. Basta lembrar quão recorrentes são as notícias sobre os acidentes fatais causados por incêndios ou inalação de monóxido de carbono na tentativa de aquecer a casa com métodos inapropriados. Ou as doenças respiratórias que poderiam ser evitadas – estima-se que no ano passado a gripe e as baixas temperaturas tenham provocado cerca de 3700 mortes, das quais cerca de 400 provocadas pelo frio.
A esmagadora maioria do edificado em Portugal está longe de seguir as regras da sustentabilidade construtiva que asseguram o conforto térmico poupando a carteira e o ambiente. Temas que foram debatidos na 7ª edição da Conferência Passivhaus Portugal que se realizou recentemente em Aveiro e que contou com mais de 500 participantes especializados, naquela que foi a edição mais concorrida de sempre.
E o que é uma Passive House? É uma casa que é passiva no recurso a aquecedores ou ar condicionado, dispensando-os, recorrendo antes a uma abordagem ativa que vá ao cerne da questão, deixando o espaço habitacional com conforto térmico em todas as estações do ano. Entre as regras de ouro a seguir para ter uma Passive House está a necessidade de apostar num isolamento correcto, que efetivamente evite as fugas de ar quente, com janelas adequadas e com um sistema de ventilação com recuperação de calor que forneça ar novo sem deixar o calor sair. Tudo isto somado, garantem os especialistas deste sistema, consegue-se poupar cerca de 90% da fatura energética com aquecimento (ou refrigeração).
“Este crescimento no número de participantes da conferência reflete o fortalecimento da rede Passive House em Portugal e o reconhecimento da Passive House como uma solução testada, fiável e com provas dadas para responder à necessidade de fazer a definitiva transição do parque edificado em Portugal para níveis de desempenho que salvaguardem a saúde e o bem-estar dos portugueses, que valorizem o seu património e que contribuam para a redução do consumo energético e, por conseguinte, a redução das emissões de CO2”, sublinhou João Gavião, arquiteto e membro fundador da Associação Passivhaus Portugal, que foi criada em 2012.
Numa altura em que o debate sobre as alterações climáticas está na ordem do dia, o arquiteto lembra “a necessidade de reduzir as emissões de CO2 associadas à utilização dos edifícios (devido ao consumo de energia) e também a necessidade de melhorar a qualidade do parque edificado em Portugal, por questões de saúde pública”.
Obrigatório em alguns países, regiões e cidades, entre os quais Luxemburgo, Bruxelas ou Frankfurt (onde se prevê que em 2050 todo o parque edificado público e privado seja Passive House), por cá, o sistema Passive House tem trilhado um caminho mais lento.
“A rede Passive House foi construída a partir do zero, uma vez que não havia nada materializado dentro do nível de desempenho e exigência da Passive House. E o “corpo” português foi construído sem qualquer apoio público ou comunitário sendo resultado exclusivamente do interesse dos diferentes agentes do sector”, queixa-se João Gavião.
Implementar esta estratégia “passa por um lado pela urgente reformulação da definição do nZEB (edifícios com necessidades quase nulas de energia) em Portugal”, sublinha o arquiteto, acrescentando que “apesar da definição quantitativa do nZEB em Portugal ser recente (as portarias foram publicadas em 2019), esta não responde nem ao espírito da directiva europeia nem ao exigido aumento dos requisitos mínimos para o desempenho dos edifícios”.
Mas não só. Criar uma política habitacional sustentável implica também ver o “Estado (Governo central, regional ou local) a liderar pelo exemplo através das melhores práticas, implementando a Passive House em todos os edifícios novos e reabilitações de edifícios existentes”, defende o responsável. “Onde é mais urgente esta afirmação é no sector da habitação social, à semelhança do que está a acontecer em Espanha, por exemplo, com inúmeros empreendimentos de habitação social a serem promovidos por diferentes governos regionais com o objetivo de obterem a certificação Passive House”, exemplificou ainda João Gavião.
Um em cada cinco portugueses não tem capacidade financeira para manter a sua habitação aquecida (segundo o EU-SILC, inquérito anual aos rendimentos e condições de vida dos europeus), um rácio que coloca o país na quinta posição neste ranking, atrás da Bulgária, Lituânia, Grécia e Chipre.
Neste mesmo estudo, concluiu-se que cerca de 27% da população vivia em casas impossíveis de manter o conforto térmico com infiltrações pelo telhado, paredes bolorentas e janelas ou soalhos apodrecidos pela humidade.
“Já desperdiçámos muito tempo e recursos e já fizemos muitas asneiras. De uma vez por todas é tempo de pensar que Portugal queremos construir, ou em alguns casos desconstruir, e qual o futuro que queremos”, rematou o responsável da Associação Passivhaus Portugal .