Aos 40 anos, Ricardo Sousa é um dos homens-fortes do imobiliário nacional, liderando a rede Century 21 Portugal. A sua visão estratégica e arejada tornou-o também o responsável pelo mercado espanhol, funções acumuladas que desempenha há uma década. Numa análise ao mercado imobiliário, estima que o valor das casas nas periferias de Lisboa vai continuar a crescer, especialmente as que seguem a linha do metro, como Amadora e Odivelas.
Qual é a situação do mercado em termos de valor médio da transação a nível nacional?
Notamos que o valor médio da transação baixou 8 por cento. Posso dizer que, no ano passado, por esta altura, estávamos nos 162 mil euros e, este ano, vamos nos €150 mil. Esta descida não deixa de ser contraditória: num mercado em que os preços estão a subir, o valor médio da transação está a baixar. A explicação tem que ver com o movimento das pessoas para mercados mais periféricos…
Mercados onde os preços ainda não subiram?
Sim, mas começam a subir. Por um lado, o segmento alto começa claramente a esfriar, porque a procura é mais limitada; por outro, a grande maioria da população, que está a assegurar as transações nos segmentos médio e médio baixo, começa a deslocar-se para mercados onde o valor médio é inferior e são essas transações que têm mais peso hoje.
Que periferias são essas?
Dando como exemplo a Área Metropolitana de Lisboa (AML), temos o centro e os mercados periféricos a norte do Tejo – que recuperou muito mais rápido e onde a taxa de esforço é muito mais alta – e a sul do Tejo, onde essa recuperação foi mais lenta e está agora a começar a mover-se, sobretudo nas zonas do Montijo, Barreiro, Seixal – um eixo servido pelos barcos e agora também animado com vários projetos. O Seixal tem um masterplan muito interessante que começa a dinamizar o mercado e a atrair muitas pessoas… O Barreiro também está com uma dinâmica muito interessante. A Margem Sul, aliás, é hoje uma grande alternativa. Há o comboio, as ligações fluviais…
Mas a norte do Tejo, a pressão é maior.
Temos de passar a olhar para Lisboa como área metropolitana. Esta subida de preços que estamos a ver em Odivelas, Amadora, etc., está diretamente ligada à mobilidade urbana – e aqui o ponto fundamental é o metro… Se seguirmos a linha do metro é fácil ver como os preços sobem precisamente ao longo dessa linha. Uma pessoa que não vive no centro de Madrid, vive fora da capital, e, nesse caso, é mesmo fora! Aqui é tudo muito perto, quando falamos em Odivelas, Amadora ou Oeiras… Uma boa estratégia de mobilidade vem, claramente, resolver esta questão do acesso à habitação. É fundamental mudarmos de escala, deixarmos esta visão micro e olharmos para o potencial de toda esta região, que cada vez mais atrai e concentra população, seja a portuguesa, seja a internacional.
E diria que os preços já atingiram o pico?
Nos mercados periféricos há margem e os preços vão crescer, claramente. Devido a este movimento de pessoas com maior poder aquisitivo, mas que não conseguem casa na sua zona e se deslocam para outras. O concelho de Loures, por exemplo, tem um grande desafio porque tem o rendimento mais baixo da AML e, apesar disso, já está com uma taxa de esforço de compra de 33 por cento. Portanto, será “invadido” por pessoas de outros concelhos com maior poder aquisitivo, o que vai fazer subir os preços. Diria que na cidade de Lisboa, no Algarve (pelo menos aquele mais turístico) e na cidade do Porto não há espaço para os preços crescerem e já começam mesmo a ajustar, sobretudo nos imóveis usados. A obra nova é o produto mais desejado e com menos oferta, e irá manter os preços nos próximos trimestres. Já os mercados periféricos, vão subir. A linha de Cascais também não tem muito espaço para os preços crescerem, mas, se virmos os arredores, já se sentem os valores a aumentar pelo simples facto de a procura estar a crescer. São pessoas que não conseguem comprar no mercado da sua primeira escolha e começam a ir para segundas escolhas e à procura de qualidade de vida… Toda a coroa à volta do Porto (Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Maia), começa a ter projetos-âncora, com a parte residencial também a acontecer.
E muitos desses projetos-âncora passam por edifícios de escritórios…
Na Região Norte ocorreram dois fatores: o primeiro assentou na atração e na instalação de empresas com escritórios e a inerente criação de emprego; e o segundo na parte logística, pois a Área Metropolitana do Porto (AMP) conseguiu criar plataformas muito interessantes que têm atraído várias empresas – e aí não é só a parte de serviços mas também da indústria de distribuição. Para já não falar do grande potencial turístico e da reabilitação do centro histórico do Porto. Se há edifícios de escritórios e se o metro quadrado é mais barato, se as casas são mais baratas e o estilo de vida também, é lógico que as empresas se coloquem lá. E hoje as grandes empresas internacionais já olham para o Porto com outra visão.
Não se corre o risco de se voltar aos níveis exagerados de sobre–endividamento das famílias?
Impossível não é, mas é muito difícil isso voltar a acontecer. Primeiro, estamos muito longe do volume transacionado desses tempos; e, depois, estamos noutro mundo no que toca aos critérios: as regras que o Banco de Portugal hoje define e impõe, a questão dos intermediários de crédito, que não existia no passado e que vem responsabilizar seja o banco seja quem está a intermediar o crédito, a profissionalização da atribuição do crédito, não só por parte dos bancos, mas também por parte de todos os operadores do mercado. No caso da Century 21, por exemplo, as famílias já nos chegam com mais de 30% do valor do imóvel. Naturalmente, há mercados, nos quais a taxa de esforço é maior, em que o crédito vai aos 80% do valor ou até um pouco mais… E ainda temos uma grande parte de quem compra – metade – que não recorre sequer a crédito. Fizemos agora um estudo sobre os jovens e o acesso à habitação no qual se concluiu que, no primeiro passo, eles contam com a ajuda dos pais e apostam na compra porque é mais económico.
Surpreenderam-se nesse estudo com o facto de os jovens perpetuarem a mentalidade dos pais e almejarem ser proprietários?
Foi uma surpresa, sobretudo naquele escalão etário mais baixo no qual pensávamos que já iria haver uma maior mudança. Até porque a afirmação “eu quero ter casa” vem ligada a “eu quero constituir família”.
Vislumbra-se alguma dinâmica para o mercado de arrendamento a médio e longo prazo?
Os investidores perceberam que há uma oportunidade. Porque há uma grande parte da população que precisa da solução do arrendamento. O que é necessário? Estabilidade legislativa, uma visão mais estratégica do mercado de arrendamento de médio e longo prazo e menos medidas de curto prazo para tentar resolver algo que não se resolve no curto prazo. E hoje temos operadores sérios internacionais que estão a olhar para este mercado e a estudar projetos. Acredito, sinceramente, que vamos ver mudanças importantes no mercado de arrendamento em 2020 e 2021.
Estamos a falar dos chamados fundos PRS (Private Rental Sector), habituais em mercados como o britânico, por exemplo, e que gerem edifícios inteiros de arrendamento?
Sim e acredito que a solução está aí, porque o pequeno investidor vai ter muita dificuldade em conseguir colocar no mercado projetos com rendas ajustadas à nossa classe média e ao rendimento dos portugueses, em particular dos jovens. É preciso escala para conseguir lá chegar. E é necessário debater, em Portugal, a questão da industrialização da construção.
Está a falar de construção modular ajustada também à construção em altura?
Sim, estas técnicas e tecnologias de construção permitem encurtar os prazos e construir a preços que asseguram logo a comercialização, seja de arrendamento seja de venda, com valores ajustados. A tecnologia que existe hoje permite industrializar e produzir parte do que vai ser necessário para o edifício já fora do estaleiro. Isso reduz o tempo de obra e o custo médio do metro quadrado.