Provavelmente, não. O mais certo é nem sequer saber o que são as recém criadas e há muito aguardadas Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária ou, abreviando, as “SIGI”.
As SIGI são a versão Portuguesa dos “REIT” (Real Estate Investment Trusts) e chegaram a Portugal no inicio de 2019, pela mão do Governo, depois de alguns ensaios mediáticos que publicitaram (e consecutivamente adiaram) a potencial entrada em vigor destes modelos de investimento coletivo no sector imobiliário.
Lembro-me bem, há uma dezena de anos, reunir com investidores internacionais que por cá aterravam pela primeira vez para sondar a atratividade do nosso mercado, e de me perguntarem com sotaque americano “…do you have trusts in Portugal?”.
E lembro-me – perante a minha negação – de olharem e falarem deste canto da Europa como sendo uma espécie de mercado subdesenvolvido, num mundo global onde já fervilhavam estes mecanismos internacionais de investimento coletivo, usados por entidades institucionais, seguradoras, fundos de pensões e até países para a realização dos seus investimentos duradouros nas jurisdições que fossem consideradas, digamos, mais atraentes.
O desapontamento desses investidores era, àquela data, de alguma forma compensado com a relativa curiosidade com que olhavam para o que, então, por aqui se usava para investir no imobiliário – os Fundos de Investimento Imobiliário que, nos seus tempos áureos de eficiência, ainda gozavam de alguma atratividade para a realização de investimentos de longa duração, sobretudo no plano da fiscalidade quer à entrada, quer à saída do investimento realizado.
Com o passar dos anos e com o estrangulamento troikiano que os Fundos de Investimento Imobiliário conheceram, os mesmos acabaram por cair em desuso e passaram a ser considerados obsoletos, como veículos de investimento em Portugal, abrindo espaço para que muitos clamassem – anos e anos – pelos REIT para colmatar esse vazio.
E eis que surgem, finalmente e em força, as SIGI com um propósito muito especifico, o de captar investimento de larga escala, sobretudo estrangeiro, procurando-se deste modo dar continuidade ao extraordinário dinamismo que o mercado imobiliário nacional tem conhecido nos últimos anos e onde o céu ainda é o limite.
Dos 28 Estados membros da União Europeia, 13 deles já dispõe de REIT’s nos seus ordenamentos jurídicos, juntando-se agora Portugal. Mas se é certo que os REIT já vivem bem na Europa, foi para Espanha que olhámos, tendo o desenho legal made in Portugal das nossas sociedades SIGI sido, em grande parte, decalcado a partir do modelo Espanhol, onde os REIT operam desde 2009 sob o nome de “SOCIMI” (Sociedade Anónima Cotizada de Inversión en el Mercado Inmobiliario), com enorme sucesso, sobretudo depois de algumas afinações que o governo Espanhol introduziu em 2013 ao modelo que inicialmente implementou.
Sendo verdade que em equipa vencedora não se mexe, e tendo em conta que nuestros hermanos já levam dez anos de experiência e já percorreram o caminho das pedras com as suas SOCIMI – que por lá se vão multiplicando às centenas, com capitais mínimos de 5 milhões de euros cada uma – para quê fazer experiências em Portugal ou reinventar modelos com as nossa SIGI, quando o modelo das SOCIMI espanholas já comprovou ser eficaz no seu principal propósito – atrair sobretudo investidores estrangeiros? Aliás Espanha, já teme a ameaça lusa pois até fevereiro deste ano detinha o monopólio espanhol do mercado ibérico dos REIT.
O foco das SIGI não está no lucro rápido, dito especulativo – que no atual quadro politico tornaria as SIGI num alvo a abater – nem se destina aos pequenos grupos de investidores, nacionais e estrangeiros, que se juntam e concentram os seus recursos financeiros para investir milhões de euros na promoção imobiliária em Portugal, comprando hoje para venderem já amanhã.
Esses investidores, que são muitos, vão continuar a preferir a criação de estruturas societárias ou contratuais mais simples e de menor complexidade que as SIGI, para, conjuntamente, realizarem investimentos, de pequena ou média dimensão, capitalizando as tradicionais sociedades de compra para revenda ou modelos de associação em participação, para através destas, se focarem na atividade de compra, reabilitação e posterior revenda, em dois ou três anos, dos bens imóveis adquiridos.
As SIGI, pelo contrário, foram desenhadas para investidores que procuram aplicar os seus fundos no médio e no longo prazo, sendo exigido que os imóveis adquiridos sejam detidos por mais de três anos. Com este propósito, mas não só, foi instituído um regime especial para as SIGI, que as diferencia, em vários aspetos legais e fiscais, das tradicionais sociedades anónimas.
Entre essa diferenças, destaca-se nomeadamente o facto de as SIGI exigirem um capital social mínimo de cinco milhões de euros; o de as suas respetivas ações terem de ser admitidas à negociação em mercado regulamentado ou selecionadas para a negociação num sistema de negociação multilateral e de o objeto social das SIGI se centrar na aquisição do direito de propriedade (ou outros direitos reais de gozo sobre imóveis), para a sua exploração através de arrendamento habitacional ou não habitacional (ou outras formas de exploração económica, entre as quais se inclui a muito interessante e acarinhada reabilitação urbana).
Num país onde os investimentos não se têm concentrado no segmento do arrendamento (habitacional e não habitacional), esta é uma tendência que, justamente, se procura agora inverter com as SIGI, tendo presente que – ironicamente – o que mais se procura são imóveis para arrendar por períodos alargados a preços acessíveis, e estes, como é sabido, são cada vez mais raridades, num mercado dominado por investidores que procuram construir e revender, no mais curto prazo, os imóveis que edificam ou reabilitam.
Se há ideia que está bem presente é a de que, se há alguma oportunidade para investir no mercado português, ela está seguramente no mercado do arrendamento de imóveis, que brada por investimento e que tem que ganhar escala e dimensão na oferta, na sua componente habitacional e não habitacional. Uma forma de acomodar famílias, jovens e estudantes, pequenas e médias empresas com vontade de crescer ou até mesmo grandes empresas que se querem instalar em Portugal e procuram desesperadamente encontrar espaços para arrendar a preços suportáveis.
Em todo o caso, é seguramente prematuro saber se as SIGI irão desenvolver o mercado e a exploração económica de imóveis (que não se resumam à mera compra para revenda, como se tem assistido até aqui), podendo tudo depender, essencialmente, de dois fatores:
Primeiro, saber até que ponto conseguirão as SIGI captar e agregar investimento, sobretudo lá fora junto dos grandes investidores institucionais que têm Portugal sinalizado com um pionés, seja para conseguir os cinco milhões de euros necessários à sua constituição, seja para canalizar esses capitais em operações efetivamente rentáveis e sustentáveis, de médio e logo prazo, o que não é obvio em mercados tão dinâmicos e voláteis como o é o mercado imobiliário.
Em segundo lugar, a perceção que o mercado e investidores venham a ter da real eficiência e atratividade fiscal deste tipo de sociedade, que permita, por um lado, antecipar que é possível praticar rendas acessíveis a pessoas e empresas que venham a arrendar imóveis detidos por SIGI, e por outro, obterem retorno e maximizarem os investimentos efetuados numa SIGI em Portugal.
O balanço terá que ser feito daqui a um bom par de anos, mas olhando para o que se antecipa não é credível considerar que as SIGI venham a colocar mais pressão ou provocar um novo aumento dos preços de compra e venda dos imóveis. Admite-se, porém, que estas sociedades poderão introduzir alguma competitividade no valor das rendas praticadas no mercado do arrendamento e, seguramente, mais e melhor oferta neste segmento, se e como se espera, forem desenvolvidos projetos e realizados investimentos de larga escala na construção e reabilitação de novos imóveis destinados apenas ao mercado de arrendamento. E isso, sim, muda muitas coisas.