Na introdução de Resolvido (Editorial Presença, 328 págs., €21,90), o australiano Andrew Wear recorda uma visita deprimente a uma livraria, em que a desesperança da secção de Política contrastava com o otimismo da secção de Autoajuda. Naquele que é o seu primeiro livro, Wear – que se formou na Harvard Kennedy School of Governament e desenvolve investigação no Institute of Public Administration Australia – quis dar a volta ao discurso desanimador e compilar resultados notáveis alcançados por alguns países, em diferentes áreas da Administração Pública, na esperança que outros sigam esses exemplos. Concentrou-se em três modelos: o dos países de língua inglesa (Austrália, Canadá, Irlanda, Nova Zelândia, Reino Unido e Estados Unidos da América); o dos países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia) e do Norte da Europa (Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Luxemburgo e Países Baixos); e os quatro “tigres” do Leste Asiático (Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan).
Resolvido pode ser considerado um livro de autoajuda para o mundo?
Gosto da descrição [risos]… Julgo que sim. Queria criar uma espécie de mapa, com um conjunto de resoluções para alguns dos grandes desafios do mundo, com base no que vemos que funciona em vários países. É um roteiro para todos aqueles que estão interessados em contribuir para um mundo melhor.
Não lhe faltou ambição, ao enfrentar os grandes problemas da atualidade. Como organizou o livro?
Comecei por ver quais são os países que estão a alcançar os melhores resultados, em diferentes áreas: saúde, educação, igualdade de género… analisei vários dados, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI), entre muitos outros. Encontrei alguns especialistas, dos países nos quais me foquei, que me falaram sobre as suas políticas e histórias únicas e me ajudaram a entender como chegaram àquele ponto, o que contribuiu para isso e o que aprenderam ao longo do caminho. Juntei ainda pesquisas académicas, porque não sou especialista em todos estes temas. Mas quis trazer esta curiosidade e perguntar o que podemos aprender com a experiência de outros países.
Porquê olhar para os outros, quando procuramos soluções para os nossos problemas?
Nem tudo é facilmente transferível e, certamente, há trabalho a ser feito no processo de tradução de ideias de um país para outro. Mas é realmente emocionante quando começamos a falar sobre o sucesso de outros países, e isso leva a uma discussão maior, cheia de esperança e otimismo, sobre o que podemos aplicar no nosso país. Essa é a provocação contida no livro.
Escreve para todos os cidadãos, com uma linguagem acessível. São o motor da mudança?
Essa é a essência da democracia. Se tivermos cidadãos mais informados, eles saberão exatamente o que é possível com uma boa política pública e com um governo competente. A minha esperança é que estejam mais bem equipados para fazer exigências aos seus governos.
Quando os problemas são demasiado complexos, pensar a nível local pode ser uma boa solução?
É um bom ponto de partida. Muitas ideias surgem em pequenas comunidades, principalmente quando se juntam pessoas com diferentes backgrounds (de autarquias, de empresas, de organizações solidárias…). Quando trabalham em conjunto, as possibilidades são imensas. Isso cria um efeito bola de neve, gera um impulso que pode realmente continuar. No livro, dou o exemplo da ilha de Samsø, na Dinamarca, onde vivem poucos milhares de pessoas, mas que foi capaz de transformar uma comunidade agrícola conservadora, numa comunidade sustentável, com zero emissões de carbono e conseguiu encontrar uma alternativa financeira viável à agropecuária. Além disso, foram capazes de transmitir esta mensagem, porque vieram pessoas de todo o mundo para aprender com a sua experiência. Não devemos subestimar o poder transformador de uma comunidade. Pode ser realmente inspirador.
Também diz que ultrapassou algumas ideias preconcebidas. Pode falar da criminalidade no Reino Unido, que muitos não associam a um dos lugares mais seguros do planeta?
Às vezes, as soluções mais eficazes não são as mais óbvias, principalmente nos países com que estou mais familiarizado. Na Austrália e nos Estados Unidos da Améroca, em particular, a resposta-padrão ao crime costuma ser mais policiamento e mais fiscalização. Mas o que vimos no Reino Unido foi algo muito diferente, foi olhar para as causas profundas do crime e enfrentá-las [atualmente, tem a taxa de homicídio mais baixa dos países da OCDE, sendo que o número de crimes violentos baixou radicalmente e representa agora menos de um terço do que era há 20 anos]. Por exemplo, muitos dos crimes violentos eram provocados pelo consumo excessivo de álcool. O que se fez no Reino Unido foi trocar os copos de cerveja de vidro por outros de plástico, que provocassem menos ferimentos. Mais uma vez, a solução foi encontrada dentro de uma pequena comunidade, que trabalhou em conjunto e enfrentou o problema.
Aborda experiências inspiradoras por todo o mundo, como o sistema educativo de Singapura ou o serviço de saúde da Coreia do Sul...
Nenhum dos três modelos em que me foquei é perfeito. Todos têm áreas em que lideram o mundo e outras em que precisam de recuperar terreno. No Leste Asiático, há dados impressionantes. A Coreia do Sul transformou radicalmente o seu sistema de saúde nas últimas duas décadas e está a caminho de ter a maior esperança de vida do mundo. Singapura está a liderar os resultados na educação, um aluno médio de 15 anos está quase dois anos à frente de um aluno médio de países como os EUA ou a Austrália. Mas o Leste Asiático tem um longo caminho a percorrer em áreas como a igualdade de género, as emissões de carbono ou as liberdades democráticas. Por isso, independentemente de onde viemos, se tivermos uma mente aberta e se estivermos dispostos a aprender com o que outros países estão a fazer com sucesso, podemos beneficiar dessa experiência.
Fala nos benefícios de acolher e de integrar imigrantes, mas por todo o mundo vemos países a fecharem as suas fronteiras. O que podemos aprender com países como a Austrália ou a Noruega?
Na Austrália, houve um foco enorme em acolher migrantes qualificados para lidar com o envelhecimento da população e garantir que temos mais trabalhadores em idade ativa na nossa sociedade. Essa foi uma estratégia realmente crítica para a economia, mas também teve o benefício adicional de tornar o país muito mais enérgico e vibrante. Temos ainda o problema da migração humanitária. Se se investir, como a Austrália historicamente fez, em excelentes serviços de acolhimento, se se garantir que as pessoas estão bem apoiadas quando chegam e são capazes de se ajustar à vida no novo país, elas poderão ter uma participação ativa e não serão marginalizadas. Como nação, acabamos por colher benefícios. No caso da Noruega, que abraça os seus migrantes e apoia-os na entrada no mercado de trabalho, permitir que todos contribuam é um dos seus maiores pontos fortes. É um desafio enorme, não quero desvalorizá-lo. Particularmente, nos contextos em que temos milhões de refugiados para acolher, como os da Ucrânia ou da Síria. Os governos têm a responsabilidade de enquadrar a discussão e direcioná-la para um espaço positivo, falando sobre o contributo que os migrantes podem dar e não apenas os custos que impõem ao país.
Existe um discurso contra a subsidiodependência. O livro mostra como a assistência social pode ser benéfica…
Os melhores ingredientes de uma economia moderna são as pessoas e o conhecimento que trazem. Existem centenas de milhões de migrantes qualificados que viajarão para qualquer lugar do mundo. Se uma nação quer prosperar, precisa de investir, reter e atrair as melhores pessoas. E se não investirmos, inclusive nas mais vulneráveis, estaremos a perder uma grande oportunidade de permitir que deem o seu contributo para a nossa sociedade. Temos dados do FMI e do Banco Mundial que mostram que a redução das desigualdades leva a um maior crescimento económico. E a melhor maneira de o fazer é através da educação. Por isso, temos de ver a assistência social como um investimento, que permite que cada pessoa na nossa sociedade prospere.
Fala do aumento dos impostos como medida para impulsionar o crescimento económico. É uma mensagem especialmente difícil de ser transmitida pelos políticos?
É muito difícil, particularmente nos países anglo-saxónicos, onde existe uma tradição de baixos impostos. As evidências são cada vez maiores. As principais agências económicas internacionais dizem que uma pequena percentagem, em termos de participação tributária do PIB, não fará diferença na produção económica geral, mas gera um aumento significativo de receita pública que pode permitir investimentos na educação, saúde e todas as outras coisas que permitem que uma sociedade prospere. Mais importante ainda é a forma como desenhamos o nosso sistema tributário, de forma a criar impostos sobre os imóveis ou o consumo e não tanto sobre os rendimentos. É a oportunidade de projetar um sistema tributário que gera receita e minimiza o impacto na economia.
Coloca-se acima das ideologias políticas. Não desempenham um papel importante no modelo que queremos para a nossa sociedade?
As ideologias estão associadas ao simbolismo e ajudam os partidos políticos a contar uma história e uma narrativa. Estou interessado nas políticas públicas que produziram os melhores resultados. Quão eficaz foi essa intervenção política? E se não está a alcançar resultados, então qual é o objetivo do nosso governo? Vejo países como os EUA, onde há debates sobre a Ordem e a Justiça, ou sobre o controlo de armas, e se mantêm posições ideológicas muito fortes. Diria, simplesmente: “Vamos olhar para a taxa de homicídios… A vossa sociedade está mais segura?” Poderia quase perguntar: “A tua ideologia está a funcionar ou não?” A única maneira de responder é olhar para os resultados, que são muito claros.
Pouco depois da publicação de Resolvido, veio a pandemia e o mundo ficou do avesso. Precisávamos de Recovery [Recuperação], o seu segundo livro?
No livro seguinte, adotei uma metodologia semelhante, mas com uma perspetiva ligeiramente diferente. Precisava de fazer a pergunta: como recuperamos de uma pandemia? Não há manuais sobre isso. E a melhor maneira de responder a essa pergunta foi ver o que podemos aprender com outras recuperações ao longo da História. Como recuperámos da Segunda Guerra Mundial? Da gripe espanhola? De desastres naturais? Da Grande Depressão? Da recente crise financeira mundial? E que lições podemos tirar dessas recuperações e como podemos aplicá-las à recuperação futura?
A grande questão é que futuro queremos construir após a pandemia?
Exatamente. Uma das lições mais importantes do livro é que os países que prosperam após uma crise são aqueles que procuraram seguir em frente e não retornaram ao modo como as coisas eram. Temos o exemplo do Reino Unido após a gripe espanhola, havia uma corrente política dominante que queria voltar à liderança do mundo através da energia a vapor e da industrialização. Ao mesmo tempo, nos EUA, quis-se investir na tecnologia, na eletrificação em massa, nos motores de combustão interna, na Ciência, o que conduziu aos Loucos Anos 20. Ao passo que o Reino Unido estagnou. Ao olharmos para a nossa História aprendemos todo o tipo de lições. Durante uma pandemia como a que atravessamos tudo está mais solto, por isso, temos mais oportunidades de moldar o nosso futuro.