Há meio século que Isabel Castro Henriques investiga, ensina e escreve para resgatar do esquecimento a história de África e dos africanos. Doutorada na Sorbonne, em França, a historiadora, 75 anos, apresenta-nos agora a desconhecida força da presença africana em Lisboa. Para isso publicou recentemente o livro Roteiro Histórico de Uma Lisboa Africana (ed. Colibri, 96 págs., €10), também disponível em versão inglesa. “Se há um grupo populacional que deixou marcas na cidade, esse é o dos africanos”, diz nesta entrevista à VISÃO, em que o funesto pioneirismo português no tráfico de escravos é tratado sem pruridos.
Os portugueses foram os primeiros europeus a traficarem escravos africanos. Como começou essa nódoa da nossa História?
Na sua Crónica da Guiné, de 1453, Gomes Eanes de Zurara, importante fonte histórica, conta que o ano de 1441 marca o início da vinda para Portugal dos primeiros dez a 13 “cativos” apresados na Costa Norte/Ocidental de África, provavelmente populações berberes, designadas de “mouros azenegues”. Mas as primeiras razias em “terra de negros”, relatadas por Zurara, deram-se em 1444: caravelas portuguesas, carregadas com 235 cativos, chegaram a Lagos em agosto desse ano. Os cativos foram expostos e partilhados em lotes na presença do infante D. Henrique “em cima de um poderoso cavalo”.