“Pessoas altamente sensíveis veem problemas e formas de resolvê-los que passam despercebidos a outros”

Foto: Stephanie Mohan

“Pessoas altamente sensíveis veem problemas e formas de resolvê-los que passam despercebidos a outros”

Doutorada na Universidade da Califórnia e bestseller internacional (traduzida em 21 línguas e mais de um milhão de exemplares vendidos), Elaine N. Aron, a psicóloga norte-americana mundialmente conhecida pelo livro Pessoas Altamente Sensíveis (Lua de Papel, 342 págs., €18,90), vulgarmente conhecido por PAS (HSP, em inglês), que em Portugal chega às livrarias no próximo dia 6 de abril, tem-se dedicado a investigar este traço de personalidade, comum a 20% da população, e desenvolveu um teste para avaliá-lo. Intuição apurada, espírito de observação e profundidade de análise são alguns dos pontos fortes desta imensa minoria de que Elaine faz parte e que é, ainda, pouco compreendida. Aos 76 anos, ela e o marido, o psicólogo e cientista Arthur Aron, fazem uma dupla de sucesso, sendo pioneiros no estudo do amor e da sensibilidade nos relacionamentos.

Qual o balanço que faz do seu livro, 25 anos após a publicação?
Os emails que recebi de pessoas que disseram como a vida delas mudou depois de o terem lido têm sido incríveis, dada a forma como tudo começou. Escrevia romances e ainda estava a estudar, mas o meu interesse pelo tema da sensibilidade levou-me a investigar, a fazer entrevistas e aulas de grupo em minha casa. Recebi pedidos para escrever sobre o que elas partilhavam nesses encontros. Fui rejeitada por muitas editoras, mas o livro tornou-se um bestseller sem que eu contasse com isso.

Como define uma pessoa altamente sensível (PAS)?
É um traço de personalidade inato que tem sido confundido com timidez ou introversão. Na minha investigação, descobri que 30% das PAS eram extrovertidas e que também não são tímidas nem inibidas. Dou-lhe o exemplo do meu filho e do meu sobrinho: quando entraram na escola, ficavam no fundo da sala, encantados a observar os brinquedos e as outras crianças. Veio a professora e perguntou-lhes: “Estás com medo? Se calhar és um pouco tímido.” A timidez é o medo do julgamento social, o que não tinha cabimento naquela situação. Ao serem alvo de um rótulo, foram levados a sentir que alguma coisa estava mal neles.

Em que se distinguem, no plano funcional?
Costumo usar uma sigla (DOES) com quatro fatores que as diferenciam: profundidade, excesso de estimulação, responsividade emocional e sensibilidade. A profundidade do processamento sensorial, visível através de ressonâncias magnéticas, traduz-se numa maior ativação da ínsula, que envolve as áreas percetivas durante a execução de uma tarefa. Em repouso, essas áreas também estão mais ligadas. O excesso de estimulação faz com necessitem de um tempo para relaxar, ao final do dia, até porque têm um processamento emocional mais intenso e uma maior sensibilidade ao volume dos estímulos.

A sociedade atual não respeita isso?
A maioria dificilmente compreende por que razão há pessoas que não se comportam como as outras, as “normais”. Presumem que estas pessoas têm um problema. Elas são normais, mas diferentes; têm uma suscetibilidade diferencial. Se cresceram em ambientes problemáticos, podem desenvolver ansiedade, depressão e sentirem-se mal em ambientes ruidosos, mas, se a infância foi suficientemente boa, tendem a ser criativas, profundas e conseguem, até, ter um desempenho acima da média no trabalho, em que costumam ser bem-sucedidas. O melhor que lhes podem proporcionar para desenvolverem o seu potencial é um ambiente tranquilo, uma vez que precisam de mais tempo sozinhas do que a maioria.

Como se desenvolve esta característica?
Trata-se de um traço herdado, mas não se deve a um gene específico, é mais complexo do que isso. A sensibilidade desenvolve-se na gestação e é transversal a 20%-30% das mulheres e dos homens, mas eles ainda têm complexos em relação ao assunto, devido à cultura do macho que os impede de assumirem esse traço socialmente, e também nas respostas aos questionários.

No livro, faz referência a um estudo com crianças chinesas e canadianas em que relacionava os níveis de desempenho e de popularidade. O que pode dizer sobre isso?
As crianças chinesas que foram avaliadas pelos pares como sensíveis e sossegadas eram mais populares e valorizadas, mas as do Canadá, que apresentavam as mesmas qualidades, eram menos populares e pouco respeitadas e ainda alvo de bullying no recreio. O estudo foi recentemente replicado na China, e os resultados foram idênticos aos obtidos no Canadá. O mundo está a mudar, mas este traço, que envolve aspetos mais subtis da comunicação, ainda é apreciado em países asiáticos, como a Índia, a Tailândia e o Japão. Contudo, a lógica dominante parece ser a de que é preciso vender-se para se ser visto.

Como lidar com esta maneira de ser no quotidiano?
Para viverem bem na sua pele, é preciso terem em conta os seguintes aspetos: admitirem que é uma condição real; respeitar as necessidades próprias, independentemente do que outros pensem ou digam; sarar feridas de infância, com recurso à psicoterapia, e fazer ajustes no estilo de vida, mesmo que tal implique deixar um emprego e criar o seu. A minha experiência diz-me que os melhores jornalistas e escritores tendem a ser altamente sensíveis e, ao mesmo tempo, curiosos e ávidos de novas sensações (high sensation seeking): se forem privados disso, entediam-se. É uma combinação de dois traços de personalidade que várias pessoas que me entrevistaram têm.

E apresentam vantagens, do ponto de vista evolutivo?
As PAS veem problemas e formas de resolvê-los que passam despercebidos a outras pessoas. Isto acontece nos humanos e noutros mamíferos, mas também nos peixes ou nas moscas-da-fruta: cerca de 20% respondem mais aos estímulos do ambiente que as envolve. Simulações feitas em computador permitiram descobrir que ser mais sensível ao ambiente – algo que, cientificamente, se dá pelo nome de dependência de frequência negativa – é benéfico para a sobrevivência e funciona como um atalho para explorar novas oportunidades no meio, sejam financeiras ou outras, como encontrar alimentos nutritivos ou proteger as crias de doenças. Suspeito de que as PAS foram menos afetadas pela Covid-19, por se aperceberem dos riscos e tomarem medidas face a isso. Porém, não tenho dados que o confirmem.

O impacto da pandemia é diferente para quem é altamente sensível?
Posso dizer que estamos todos na mesma tempestade, mas não no mesmo barco. É de admitir que quem possui este atributo consiga lidar bem, por lhe ser dada a oportunidade de trabalhar em casa, do mesmo modo que quem está com os filhos e a fazer várias coisas simultaneamente esteja a passar um mau bocado.

Por lhes ser mais difícil lidar com a gestão laboral e parental?
Pais que são altamente sensíveis – publiquei também um livro sobre o tema – sentem-se particularmente isolados. Muitos não contam com a família alargada para ajudá-los, como no passado, nem têm uma distribuição equitativa das tarefas. A pandemia trouxe o aumento dos problemas de saúde mental, o que parece afetar mais os adolescentes por não terem experiência no campo da resiliência. Embora consigamos adaptar-nos a novas situações, conjugar a parentalidade com o teletrabalho, e sem apoios, representa uma carga enorme para todos, sobretudo para os pais altamente sensíveis.

Confirma que o médico suíço Carl Jung já falava deste traço?
Nos seus primeiros trabalhos, Jung usou o termo sensitividade, referindo-se a um atributo inato e comum a cerca de 25% das pessoas que viriam a ser neuróticas, ou não, dependendo dos traumas vividos na infância. Freud [que estudava a histeria] argumentou que não podiam existir tantas mulheres vítimas de abusos sexuais e interrogou-se se elas tinham uma perversão sexual inata. Foi aí que Jung se distanciou de Freud, frisando tratar-se de uma sensitividade herdada face a muitas coisas, incluindo experiências sexuais estranhas. Seriam pessoas atípicas, mas não neuróticas ou doentes.

Como surgiu o documentário com Alanis Morissette (Sensitive: The Untold Story), baseado na sua investigação?
Quisemos apresentar histórias de pessoas bem-sucedidas que encaram este traço como um superpoder e que se confrontaram, desde cedo, com muitos obstáculos. Foi um dos documentários mais vistos da Amazon, e, quando perguntei à Alanis se queria fazer algum pedido às pessoas, ela comoveu-se e disse: “Tenham compaixão de nós.” Referia-se a coisas que disseram dela nas redes sociais, algumas bastante desagradáveis, levando-a a deixar a tarefa a cargo de outros. As PAS são mais sensíveis à crítica, porque processam tudo de forma mais atenta e intensa, modificando o seu comportamento como estratégia de sobrevivência. Daí que tenham de aprender a fazer ajustes no seu estilo de vida, para se protegerem.

No mundo corporativo, há lugar para líderes altamente sensíveis?
Uma pessoa que pensa nos assuntos de forma mais aprofundada é mais recetiva às necessidades da equipa ou dos clientes e capta pormenores subtis nos projetos em que se envolve, pelo que tem tudo para exercer uma boa liderança, mas precisa de se sentir segura e confiante e de fazer o que é possível sem cair no erro de pensar que, diante de um problema, este é exclusivamente seu.

Tem recomendações a fazer a empregadores e a terapeutas?
[Pausa.] Que reconheçam que este traço é real e tem uma base científica, e que percebam que dizer, uma e outra vez, a uma criança ou a um adulto altamente sensível que têm um problema é destrutivo. Por outro lado, não é por ter algo inato que uma PAS dispensa da intervenção psicológica: por vezes, basta falar sobre isso durante uma hora para pôr a sua vida em perspetiva e percebê-la sob um novo ângulo, o que pode fazer muito pela sua saúde mental.

Que lições aprendeu, nestes anos, como sujeito e objeto de estudo?
Tenho 76 anos e posso dizer-lhe que tive uma infância má, passei por uma depressão terrível e andei duas décadas num bom psicoterapeuta. Há 50 anos que medito duas horas por dia, passei a ter uma semana por mês para dedicar-me à espiritualidade que me dá uma visão de conjunto num mundo perturbador. [Somos interrompidas por alguém que entra na sala e está a manter uma conversa num registo virtual]. Ah, desculpe, eu e o meu marido partilhamos o mesmo espaço de trabalho; ele está a tentar trabalhar e vai pôr os phones [risos].

Como é viver e trabalhar juntos?
Tem sido uma parceria muito boa. O Arthur é psicólogo social e investiga o cérebro. Quando nos conhecemos, em 1968, ele decidiu estudar as formas de cultivar a intimidade nos relacionamentos [ficou célebre o artigo publicado no The New York Times, em 2015, na secção Modern Love, intitulado “To Fall in Love with Anyone, Do This”]. Criámos uma compatibilidade ao longo dos anos. Agora estamos a rever a escala que avalia as PAS. Uma das medidas mais fortes da sensibilidade é chorar com facilidade, e estamos a incluir afirmações como: “Às vezes, comovo-me tanto que sinto que era capaz de chorar”. A lista de 36 perguntas que ele criou para investigação continua a ser usada fora do laboratório; ele não quis ganhar dinheiro com isso. [Ouve-se a voz de Arthur em fundo.] “Sim, eu também colaborei”, diz ele. Está a ouvir-nos! [risos]. A jornalista do NYT que usou esta mesma lista com um amigo, para escrever o artigo, concluiu que as respostas partilhadas sobre tópicos que iam além do registo superficial aprofundavam os laços entre eles. Isso inspirou-nos a colocar casais a fazerem perguntas uns aos outros: depois disso, garantiram-nos, os seus relacionamentos ficaram mais fortes.

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