Ruth Wageman estuda há muito a formação de equipas, e a sua liderança, e a forma como elas são montadas e interagem, influenciando o resultado final. Com décadas de experiência, está a dar formação digital em Portugal, através da Escola de Coaching Executivo da CEGOC, partilhando o que aprendeu com equipas de todo o mundo. Doutorada em Comportamento Organizacional pela Universidade de Harvard, desenhou uma ferramenta de análise das seis condições essenciais para um bom funcionamento das equipas e, durante os primeiros meses da pandemia, pôs a sua empresa a trabalhar gratuitamente para apoiar a gestão de equipas de primeira linha, como as dos serviços de saúde. Nesta conversa com a VISÃO, reflete sobre o que fica dos ensinamentos do trabalho remoto e alerta: há mesmo equipas impossíveis de reformar, não deixando às empresas outra opção senão começar tudo de novo, do zero, e com as condições certas para o sucesso futuro.
Muitos trabalhos académicos tendem a concentrar-se na figura da liderança, no líder, mas Ruth concentra boa parte da sua análise na equipa. Um pode trabalhar sem o outro?
Todas as equipas precisam das seis condições para serem “saudáveis”. Desde logo, ser uma equipa real (temos de ir muito além da simples palavra equipa), com um objetivo ambicioso e com as pessoas certas. Estas três condições são essenciais. Mas também precisam de uma estrutura sólida e pequena, que concretize as tarefas reais e que tem, em si, condutas normativas saudáveis; de um contexto organizacional de suporte, com sistemas de recompensa para uma performance de excelência em grupo e com a informação necessária para fazer o seu trabalho; e, alguma experiência em Team Coaching. Estas três são as facilitadoras.
Muitas destas condições podem ser criadas pela equipa. Mas, se esta tiver um líder formal, nós acreditamos que o líder tem um papel muito importante na configuração de uma organização de sucesso. No decorrer da nossa pesquisa, concluímos que o objetivo ambicioso – o que é e porque é importante – tem de ser muito bem articulado pelo líder. Além disso, as normas de conduta, as regras partilhadas referentes à forma como os seus membros devem trabalhar em conjunto, o que pode e o que não pode ser feito, não serão verdadeiramente aplicadas a não ser que o líder esteja disposto a modelá-las.
Da sua experiência, qual é a causa mais comum para um desempenho insuficiente de uma equipa?
Nós vemos muitas “equipas” que o são apenas no papel; por exemplo, todas as pessoas que reportam a um líder, em particular, ou todas as pessoas num departamento. Mas o trabalho não exige que os seus elementos troquem informação, que trabalhem de forma próxima. Por isso, as reuniões parecem e são sentidas como uma verdadeira perda de tempo; são apenas uma maneira de o líder saber o que se passa e não um momento em que o trabalho é realmente feito. Não peçam às pessoas para serem uma “equipa” se realmente isso não é necessário.
Tem escrito intensivamente sobre o estabelecimento de equipas de liderança sénior. É algo aplicável igualmente a um nível mais micro, ou antes a um nível logo abaixo do CEO?
A CSuite [como os cargos de CEO (diretor-executivo) ou CFO (diretor financeiro)] tem desafios especiais para a implementação das seis condições que são distintos das equipas de primeira linha, como o desenvolvimento de produto, as vendas ou as equipas de serviço. Por exemplo, os membros CSuite têm, regra geral, cargos de liderança altamente desafiadores e grandes portefólios para gerir. Não estão habituados a trabalhar em conjunto com os seus pares, e a maior parte do trabalho de liderança com que estão comprometidos encontra-se no próprio núcleo. Por isso, concluímos que menos de 25% das equipas de liderança são verdadeiramente eficazes. Isto significa que grande parte dos líderes nunca viu uma estrutura eficaz e, como tal, não sabe o que é possível fazer. O trabalho que temos de desenvolver junto destas estruturas – e isto só é exequível para equipas de gestão de nível mais baixo – é ajudá-las a perceber o que têm de fazer e de decidir em conjunto, para assim proporcionar uma liderança alinhada e estratégica.
Fala sobre a necessidade de uma boa preparação ao se estruturar uma nova equipa. É possível corrigir as coisas ao longo do caminho, caso a preparação seja malfeita?
Para os líderes, realço a regra dos 60-30-10 como sendo aquela em que têm de se focar. A ideia é colocar o grosso da energia na liderança de equipa – 60% no que terá um maior impacto, e isso é “desenhar” bem a estrutura. De seguida, devem alocar outra grande parte da sua energia – 30% – a ajudar as equipas a arrancar da melhor forma aquando do seu lançamento. Por fim, os restantes 10% serão gastos no coaching em tempo real. Uma das conclusões da minha pesquisa foi a de que as equipas que são projetadas de forma inadequada – com objetivos poucos claros, com as pessoas erradas, demasiado grandes, com poucos recursos – não conseguem ser alvo de coaching para atingirem um patamar superior.
Por isso, a todos aqueles que enfrentam esta situação, recomendamos que recomecem e que relancem com melhores condições e, logo, com um melhor planeamento. Isso significa “revisitar” a sua composição, alinhar o objetivo, garantir que há normas sólidas de conduta e os recursos necessários para serem bem-sucedidas.
Construir uma equipa eficaz é como a jardinagem. Se se começar por usar sementes fracas, semeá-las num solo pouco fértil e num local sombrio, em que também não chove muito, não se pode esperar que elas cresçam. Mais ainda: não é possível fazer com que um jardim floresça. O que tem de se fazer é escolher boas sementes e projetar as condições saudáveis: solo fértil, água e luz solar adequadas (isto são os 60%). Planta-se, depois, as sementes nessas condições excelentes (os 30%) e, por fim, com um pouco de fertilizante e poda cuidadosa (os 10%), ajuda-se essas plantas saudáveis a florir e a prosperar.
Existem equipas que sejam simplesmente impossíveis de trabalhar ou de recuperar?
Sim, se se não tiver vontade de “redesenhar” a equipa. Por exemplo, vamos ter em conta uma task force de 15 pessoas que representam as diferentes áreas da empresa que vão ser afetadas por uma decisão. Foi-lhes atribuído um cargo impreciso, fazem parte dessa task force, a somar ao seu emprego a tempo inteiro. Não têm tempo ou local para se reunirem. Mais: pelo menos um dos elementos não tem experiência em trabalhar em grupo (e isto porque não se deram ao trabalho de indagar aquando a formação da task force) e menospreza tudo o que outros dizem.
Como consequência, vemos as pessoas a arranjarem desculpas para não irem às reuniões (afinal de contas, um pensará: “Se eu faltar à reunião, estarão lá outras 14 pessoas… ou posso mandar alguém no meu lugar para assistir). Em muito pouco tempo, deixa de ser claro quem é a equipa, que não progride em nada significativo, os elementos ficam desmoralizados e alienados. A única forma de dar a volta a algo tão mal concebido é repensá-lo e recomeçar com as condições ideais.
Uma equipa mais diversificada (seja no género ou na faixa etária) geralmente está mais próxima do sucesso, ou tal depende de outros fatores?
Há muitas evidências, resultantes de pesquisas, de que grupos diversificados – em idade, raça, género, experiência – aportam mais e melhores perspetivas ao trabalho mais complexo. E essa variedade de perspetivas melhora a inovação, a resolução de problemas e a aprendizagem. Equipas com esta diversidade podem levar mais tempo a estabelecer normas positivas de condutas, e isto deve-se ao facto de a variedade de pessoas poder aportar diferentes expectativas na forma como deve operar. Mas elas podem e conseguem desenvolver normas saudáveis. Por isso é que, na estrutura, ter as pessoas certas é ter uma diversidade adequada de elementos.
Temos constatado a existência de diversos ambientes de trabalho em diferentes países. Será que a cultura de um país tem implicações diretas nos resultados? Por exemplo, os norte-americanos são vistos como sendo mais individualistas, enquanto as pessoas do Sul da Europa serão mais relaxadas e menos organizadas…
O enquadramento de trabalho das seis condições foi desenvolvido através do estudo de equipas, em todo o mundo, e tem sido usado por especialistas e profissionais do seu desenvolvimento, em ambientes muito distintos. Por isso, sabemos que é algo relevante, nas mais diversas culturas. Mas também concluímos que alguns aspetos são mais fáceis de implementar em alguns contextos do que noutros. Por exemplo: criar recompensas para gratificar e reconhecer a excelência de performance de uma equipa é bastante mais complicado em contextos individualistas, em especial em estruturas de liderança mais seniores, as quais esperam pagamentos e bónus que recompensem a obtenção de objetivos individuais.
As pessoas estão a descobrir, por mera necessidade, que colaborar digitalmente é possível. Tenho também constatado que os líderes estão a descobrir que não conseguem supervisionar de perto as pessoas e que, por isso, estão em “luta” para encontrarem o caminho nestas novas circunstâncias
Vê alguma mudança que, por via da pandemia, acabará por se tornar permanente, seja na forma como o trabalho é organizado seja como uma equipa comunica ou é gerida?
As pessoas estão a descobrir, por mera necessidade, que colaborar digitalmente é possível. É um desafio, mas tenho visto equipas a serem muito criativas no trabalho em conjunto, mantendo-se alinhadas e eficazes. Estão a revisitar os seus objetivos e a pôr de lado tudo o que não é importante e estratégico. Tenho também constatado que os líderes estão a descobrir que não conseguem supervisionar de perto as pessoas e que, por isso, estão em “luta” para encontrarem o caminho nestas novas circunstâncias. Tenho esperança de que importantes lições estejam a ser aprendidas – sobre a capacitação das equipas em vez da sua supervisão, sobre a importância de se dar liberdade à criatividade para se descobrir como trabalhar em conjunto –, e que estas possam perdurar para sempre no pós-pandemia.
A sua equipa está a fornecer apoio gratuito a todas as estruturas que se encontram envolvidas na primeira linha de defesa contra a Covid-19. Quais são as principais lições que lhes pode dar?
Há três conclusões a tirar deste trabalho. A primeira é que estruturas sob stresse em ambientes excessivamente desafiantes podem ser ajudadas, em pequenos sprints de mais ou menos 45 minutos, para pararem e refletirem, em conjunto, no que estão a aprender e como se podem sustentar. A segunda é que elas precisam de tempo e de espaço para terem consciência de como as coisas são difíceis e também para expressarem o seu apreço pela forma como se apoiam no que à exaustão e à dor diz respeito, e como, ainda assim, conseguem levar para a frente o seu trabalho.
Finalmente a última, e porque a abrangência deste desafio era algo que nenhum sistema de saúde conseguia prever, é que equipas de enfermeiros, médicos, técnicos respiratórios e outros profissionais tiveram de mergulhar de cabeça e descobrir por si mesmos como poderiam, sob um stresse imenso, trabalhar em conjunto e cuidar dos seus pacientes. E estes profissionais sobressaíram com uma capacidade estrondosa de criatividade, determinação e carinho. O que vejo é o que os nossos profissionais de saúde são capazes quando têm autonomia de decisão (e a única coisa que a administração pode fazer é sair do seu caminho). Quero continuar a trabalhar com estas pessoas extraordinárias para descobrir como recriar organizações que lhes permitam usar todo o seu julgamento para providenciarem cuidados extraordinários.