“Muitas empresas irão falir. Não há outra hipótese, apesar dos planos de recuperação que estão em vigor”

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“Muitas empresas irão falir. Não há outra hipótese, apesar dos planos de recuperação que estão em vigor”

Aos 49 anos, Miguel Eiras Antunes, formado em Economia e Gestão Empresarial pela Universidade Católica Portuguesa, lidera as equipas de gestão e implementação das chamadas cidades inteligentes que, a meio da pandemia, desenvolveram soluções de ajuda ao combate da Covid-19, como a monitorização de testes ou a gestão de ativos críticos dos hospitais e centros de saúde. Mas, para o consultor, o problema não se esgota na saúde pública. Nesta fase, o apoio ao tecido empresarial é crítico, sobretudo ao nível das pequenas e médias empresas. “Não basta que o Governo crie medidas. As empresas têm de saber a melhor forma para conseguirem chegar até elas”, argumenta.

Qual o papel das cidades inteligentes, e da tecnologia que lhe está subjacente, neste combate à pandemia?
Por um lado, temos a agregação e tratamento dos dados das pessoas que vão aos hospitais e centros de saúde fazer os respetivos testes. Informação que é, depois, reencaminhada para quem toma as decisões. Por outro, temos uma cidade em confinamento, mas que tem de continuar a funcionar, o que obrigou a uma forte implementação de novas tecnologias, ao reforço da segurança e ao melhoramento das redes de telecomunicações. Os cidadãos que estão em casa têm de continuar a aceder aos serviços públicos, o que levou ao acelerar dos sistemas de e-governement.

Até que ponto é que esta pandemia veio mudar a forma como definiam os critérios para o desenvolvimento das chamadas cidades inteligentes?
O conceito de smart city é o de uma cidade que usa a tecnologia e a inovação para três objetivos principais: torná-la mais sustentável, melhorar a qualidade de vida e criar valor económico. Após a pandemia, começou a introduzir-se um quarto objetivo: usar a tecnologia para tornar as cidades mais resilientes. É um tema que sempre esteve subjacente nestes projetos, mas que não era encarado com a mesma importância dos outros.

E qual a razão que levou à definição desse novo objetivo?
O que aconteceu agora é que esta pandemia obrigou o mundo a comportar-se de forma diferente. Penso que é a primeira vez que temos uma situação que é global: afeta países, cidades, comunidades e todas as pessoas. E é preciso dar uma resposta integrada e transversal. Não se responde a uma situação destas só com a saúde ou só com incentivos económicos.

A resposta tem de ser quase imediata. Não posso estar a planear uma resposta para daqui a duas semanas, porque durante esse período podem morrer mais pessoas e a pandemia poderá alastrar-se ainda mais.

A resposta tem de ser dada pelo sistema de saúde, mas ao mesmo tempo é preciso manter a sociedade a funcionar. É necessário gerir o lixo, a energia, os transportes, entre outros aspetos, num cenário de crise.

Falou em resiliência. Agora, estamos mais bem preparados se voltarmos a ter um problema destes no futuro?
No caso atual, foi necessário criar gabinetes de gestão de crise, atribuir responsabilidades, construir planos de emergência, lançar medidas, etc. No futuro, estes planos estarão predefinidos. As autoridades apenas terão de acioná-los. E tudo isso será mais rápido e mais ágil.

Passemos, então, aos casos concretos. Em Lisboa, estão a trabalhar na gestão de bens hospitalares necessários para fazer face à pandemia?
Desenvolvemos um sistema para gerir os ativos críticos de saúde, como as máscaras, as zaragatoas e outros bens médicos essenciais. Por vezes, havia material que faltava num hospital, mas que estava a sobrar noutro. Por isso, foi desenvolvida uma solução tecnológica que permitiu a partilha da informação. Desta forma, conseguimos fazer a compensação entre os que tinham escassez de um determinado bem e os que o tinham em excesso.

E essa partilha de informação tem sido feita intercidades ou apenas pelos hospitais e centros de saúde de Lisboa?
A iniciativa partiu do município de Lisboa, que detetou a necessidade de fazer a partilha de materiais entre os seus hospitais. Mas o objetivo inicial era escalar todo este projeto para os 19 municípios da área metropolitana.

E não se poderia levar esta solução para todos os hospitais e centros de saúde do País?
É o que faz sentido. São soluções informáticas que são fáceis de escalar. No limite, podem ser aplicadas ao nível internacional. É uma tecnologia simples em que a única coisa de que necessita é que cada uma das partes coloque no sistema o material que tem em sobra e o que tem em falta. Depois só temos de ter uma equipa no meio que faz a gestão e a compensação destes bens.

No limite, poderíamos ter esse sistema a funcionar com outros países?
Sim. Imaginemos que Portugal está a sair da pandemia e que tem material em stock que acabou por não ser utilizado. Este pode ser canalizado para hospitais de outros países que precisem dele com urgência. Quanto mais global for o processo, mais eficiente se torna a gestão deste material clínico. Uma das vantagens desta pandemia, ao nível da gestão, é que as soluções adotadas num país podem ser facilmente replicadas em outros, pois o vírus não só é global como é igual em todo o lado. Os problemas que as sociedades enfrentam são muito idênticos. As respostas que eu dou em Portugal são muito parecidas as de outros países. Estamos a falar de pessoas e de um vírus, que pode ter várias estirpes mas é o mesmo vírus, e de sistemas de saúde com maior ou menor capacidade, mas todos eles enfrentam o problema de poderem chegar ao seu limite. É muito importante fazer coisas rápidas, de forma integrada e replicar de país para país.

Foi um processo complicado?
Não. O maior problema foi o tempo, pois desenvolvemos esta solução no espaço de uma semana, devido à urgência vivida no País. O primeiro passo foi fazer o repositório para sabermos o que existia e quem tinha os bens. Depois de essa fase estar estabilizada, creio que até foi utilizada para iniciar os processos de aquisição.

Desenvolveram estas soluções em apenas uma semana?
Esta foi uma aceleração muito grande de adoção de tecnologia, porque serve um objetivo muito concreto: o de salvar vidas.

Mas também criaram tecnologia de monitorização da pandemia?
Foi em Cascais, onde estamos envolvidos na criação do centro de comando que faz a monitorização de tudo o que são os serviços do concelho. Este centro recebe dados diários dos serviços municipais, trata esses dados e, através deles, é criada informação mais estruturada para a tomada de decisões sobre esses mesmos serviços municipais.

E, neste caso concreto, a autarquia sentiu a necessidade de fazer a monitorização de casos da pandemia. O que nós fizemos foi criar uma ligação a todos os locais onde se fazem testes e integrar os resultados automaticamente numa solução que mostra os maiores focos de incidência. Com base nestes dados, foram possíveis ações quase imediatas de atuação no rastreio de novos casos.

Estamos a replicar este modelo noutras cidades. São soluções que se conseguem colocar em funcionamento no espaço de uma semana.

E estão a desenvolver novos projetos?
Estamos a desenvolver uma solução que irá permitir a gestão dos lares em todo este contexto. O que se pretende é fazer a gestão de quatro componentes: o lar, o número de infetados no lar, os espaços alternativos para a recolocação destes utentes e a gestão dos profissionais de saúde disponíveis para acudirem a estes doentes.

No fundo, esta solução pretende criar atuações mais rápidas e mais automatizadas, evitando algumas situações como as que fomos assistindo por quase todo o País, nos lares. E estamos ainda a desenvolver uma solução para gerir melhor os donativos que chegam por parte das empresas e de outras entidades.

O Governo emana as suas políticas, mas é preciso que elas cheguem ao terreno. Temos de dar ferramentas ao tecido empresarial mais exposto a esta pandemia para que este saiba usar os mecanismos que tem à sua disposição da melhor forma

Estas soluções estão a ser aplicadas na fase de resposta. Qual a sua importância nesta nova fase de tentativa de regresso à “normalidade”?
Tudo o que for estruturas de apoio às pequenas e médias empresas (PME) irá ser muito relevante neste momento. Para já, as empresas terão de conseguir pagar os ordenados, mas, na fase seguinte, quando a economia começar a abrir, terão de saber como aproveitar melhor as medidas que venham a ser criadas para o relançamento. E serviços de aconselhamento e de apoio às PME fazem todo o sentido nos próximos tempos.

E o mesmo acontecerá na saúde nessa fase seguinte…
Até haver uma vacina, vamos andar a gerir a situação. Nos próximos tempos, teremos de fazer uma monitorização muito de perto de casos de pessoas, de necessidade de bens de saúde nos hospitais e centros de saúde. A fase de resposta não vai acabar tão depressa. Será relativamente contínua.

E como este novo futuro poderá remodelar a economia tal como a conhecemos?
Em primeiro lugar, o teletrabalho veio trazer novas soluções e nem tudo voltará para trás. E isso vai ter impactos diretos não só na organização das empresas como também em questões relacionadas com o imobiliário. Teremos, também, uma aceleração de tudo o que está relacionado com a transformação digital.

Em matéria de tecnologia e digitalização, estamos num ponto de não retorno?
Se, em poucas semanas, conseguimos implementar soluções para dar resposta imediata aos problemas, imagine o que poderemos fazer com mais tempo. Irão ser lançadas iniciativas mais estruturadas, e esta transformação sairá ainda mais reforçada.

Como antevê o regresso à normalidade da economia?
As grandes empresas terão de dar a mão às mais pequenas, criando novas dinâmicas nas cadeias de abastecimento que permitam ajudar as que estão em maiores dificuldades.

Mesmo assim, há muitas que irão falir. Não há outra hipótese, apesar dos planos de recuperação que estão em vigor.

Não haverá salvação para muitas delas?
Há empresas que têm tesouraria para dois meses e que estão altamente endividadas. Vejamos o setor do turismo, em que surgem novas empresas todos os anos. Muitas delas tinham acabado de fazer investimentos e foram apanhadas pela paragem. Se não se der uma alternativa às empresas que estão a endividar-se para pagar os salários e outros custos, quando retomarem a atividade, dificilmente elas conseguirão pagar a dívida que têm às costas.

O que se poderia fazer?
Arranjar uma forma de aliviar estas empresas. Caso contrário, elas acabarão por falir, o que será complicado para a nossa economia. Vamos ter de arranjar uma solução para isso.

Mas temos um tecido empresarial muito fragilizado?
O Governo emana as suas políticas, boas ou más, não vou opinar sobre isso, mas é preciso que elas cheguem ao terreno.

E é importante dar ferramentas ao tecido empresarial mais exposto a esta pandemia para que este saiba usar os mecanismos que tem à sua disposição da melhor forma.

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