Matthew Goodwin esteve, esta semana, em Lisboa para apresentar a edição portuguesa do livro que escreveu com Roger Eatwell: Populismo: A Revolta contra a Democracia Liberal. Nessa obra, os autores pedem mais compreensão em relação às preocupações dos eleitores, com uma tese desconfortável tanto para a esquerda como para a direita: o nacional-populismo não nasceu da crise nem de fenómenos de desinformação e não vai desaparecer tão cedo. Reconhece que o movimento tem um lado negro e que figuras como Donald Trump ou Marine Le Pen são perigosas, mas defende que a ansiedade de alguns grupos é legítima perante o falhanço das elites políticas. Sobre André Ventura e o Chega, deixa um aviso: não o excluam do debate.
Qual é o traço comum que une os movimentos nacional-populistas?
Aquilo que motiva a sua ascensão é único de um local para outro, mas existem alguns pontos em comum. O nacional-populismo partilha um desejo de defender os interesses e a cultura do grupo nacional contra aquilo que eles acham ser as elites corruptas, que se servem apenas a si próprias e têm pouco interesse em preservar essa comunidade.
O lado económico é menos relevante?
Existe um debate pouco útil que procura saber se o populismo tem que ver com economia ou com cultura. Claramente ambas têm um papel, mas argumentamos que há preocupações mais importantes do que as económicas: a perceção de ameaças à cultura, à identidade nacional e ao modo de vida e a ideia de que o grupo nacional está a perder face a outros. Se olhar para os votos em Trump e no Brexit, os estudos mostram que estão enraizados em preocupações relativas a mudanças culturais, não apenas no crescimento económico ou nos salários.
A comunicação social e os comentadores esforçam-se pouco para compreender o voto nestes partidos?
Sim. Há dois problemas com o debate. Muitas pessoas estão obcecadas com fatores de curto prazo, como a Cambridge Analytica, o impacto da crise financeira de 2008 ou o que acontece em determinada campanha eleitoral. Considero essa análise enganadora. O nacional-populismo nasce de queixas legítimas quanto à forma como a sociedade está a mudar. Esses fatores de longo prazo é que são importantes para se perceber o crescimento destes movimentos. Isso significa que temos de aceitar que nem toda a gente que vota nestes partidos é nazi, fascista ou intolerante. Nem todos são irracionais. Nalguns casos, existem motivos muito óbvios para se votar neles, principalmente tendo em conta que alguns dos grupos se viram excluídos do debate público, em temas como a imigração, e marginalizados no nosso sistema político. O nacional–populismo tem um lado negro, não o negamos, mas também dá voz a muitas pessoas que sentem que foram deixadas para trás, no diálogo sobre o futuro.
Há quem argumente que o problema é estarmos a avançar demasiado rápido.
Os progressistas gostam de colocar as coisas entre aberto vs. fechado. Nós achamos que é mais útil pensar em rápido vs. lento. Há muita gente que aceita a imigração, o multiculturalismo e muitos dos aspetos de uma sociedade liberal, mas que não quer andar a 300 km/h no comboio-bala da globalização. Querem um ritmo e uma escala mais moderada. Esta é uma queixa e uma visão legítimas. Em geral, os liberais têm tido dificuldades em perceber isso. Veem a política como economia, com custos e benefícios. Para a maior parte das pessoas, a política não é isso. É uma cruzada espiritual para defender a comunidade.
Deu o exemplo da imigração, mas quando se fala de direitos das minorias essa lógica complica-se. Como se explica a grupos que esperaram séculos que as coisas têm de andar ainda mais devagar?
Não estou totalmente convencido disso. No Brexit, um terço dos negros e de representantes das minorias votou pela saída da União Europeia. Nos EUA, um terço dos latinos e dos hispânicos apoiou Donald Trump. Algumas destas pessoas partilham visões conservadoras. Nunca comprei a ideia de o nacional-populismo ser uma questão de supremacia branca – é algo muito mais complexo. Um dos motivos para escrever o livro foi o facto de existir tanta gente de esquerda a tentar desvalorizar estes movimentos como um regresso ao fascismo dos anos 30, o que é totalmente impreciso. Há movimentos extremistas, mas, em geral, a maioria está adaptada ao regime democrático. Defende é uma conceção mais direta de democracia, que dá prioridade à vontade da maioria. Como a sua pergunta sugere, isso pode ser problemático, por exemplo, na defesa dos direitos das minorias. Mas é uma conceção de democracia; não é fascismo. Os liberais defendem uma democracia liberal, que dê prioridade aos direitos individuais, mas às vezes perdem de vista os laços que unem as pessoas. É essa batalha que existe um pouco pela Europa.
Esclarecer o que é ou não é fascismo é simples, bem mais do que a questão do racismo. As pessoas podem não se identificar como racistas, mas em Portugal uma em cada cinco pessoas não quer que um imigrante seja seu chefe ou se case com os seus filhos. Como se pode debater com alguém com comportamentos racistas, sem reconhecer que aquilo é racista?
Percebo o que está a dizer. Há, com certeza, pessoas racistas que votam em partidos nacional-populistas. Mas o meu ponto é que há muitas pessoas no eleitorado destes partidos que não têm atitudes racistas. Alguns dos dados que usamos no livro mostram que a maioria dos votantes nos partidos populistas acha que a imigração é uma coisa boa e reconhece a força da diversidade. Há uma preocupação com o ritmo da mudança social, que não tem apenas que ver com hostilidade em relação ao outro grupo. Não quer dizer que não exista racismo, porque ele existe, mas temos de reconhecer que as tendências gerais são positivas. Nos EUA e na Europa, o apoio ao casamento inter-racial tem aumentando constantemente. Claro que existem lombas no caminho. Donald Trump é uma, Nigel Farage e Marine Le Pen são outras. São políticos que recorrem à xenofobia e, por vezes, ao racismo. Mas duvidamos de que as pessoas que votam nesses partidos partilhem essas ideias.
Em Portugal, temos agora um partido de extrema-direita no Parlamento. Como devem os média e os outros partidos lidar com essa nova realidade?
Há sempre a tentação de banir e marginalizar partidos populistas e excluí-los do debate. A experiência europeia mostra que é uma má estratégia. Nas democracias em que eles foram excluídos, acabaram por se fortalecer com o tempo, como se viu na Suécia. Uma das respostas possíveis é pensar de forma mais séria sobre os temas que estão por detrás do seu apoio.
No livro, não dá muita atenção a fenómenos de desinformação. Donald Trump nasce com o certificado de nascimento de Barack Obama, que muitos norte-americanos achavam ser secretamente muçulmano. Na Hungria, há o caso [do milionário] George Soros…
… [Interrompe.] O que quer dizer com Soros?
A forma como o nome Soros é usado para dizer que ele está a tentar manipular a opinião pública.
Muito bem, percebo isso, mas a realidade é que Soros está envolvido ativamente na sociedade civil. Não acho que isso seja uma afirmação enganadora. Enganador é falar de conspirações antissemitas. Não podemos dizer que os apoiantes de partidos nacional-populistas não percebem a verdade ou estão a ser enganados, porque a investigação mostra que estão preocupados com coisas que estão a acontecer: imigração, serem deixados para trás na economia, haver um sistema político que os representa menos. Nada disso é mito.
A forma como as pessoas recebem a informação, nomeadamente através das redes sociais, não tem impacto nesses movimentos?
Claro que tem, mas não é a causa principal. A atual onda de nacional–populismo existe na Europa desde os anos 80, antes do Facebook e do Twitter.
O livro centra-se mais nos eleitores do que nos líderes. Falou há pouco de Donald Trump. Há perigo em serem esses os líderes do movimento?
Claro que sim. É um enorme perigo. Preferia que os partidos mainstream tivessem sido capazes de lidar com as preocupações que estão a puxar pelo nacional-populismo, que os liberais, e eu vejo-me como um liberal, tivessem feito um melhor trabalho para solucionarem as questões que levam as pessoas a votar nesses partidos, em vez de as ignorarem. O nacional-populismo é um sintoma, não uma causa.
Fala de concessões que podem ser feitas pelos partidos mainstream. Não há o risco de, com o tempo, elas abrirem a porta a cedências mais graves?
Claro que há. Porém, eu não utilizaria a expressão concessão, mas, sim, compromisso. Temos de encontrar compromissos. Como? Podemos falar do preconceito dos média, de como ninguém reformou seriamente a imigração, de como a classe trabalhadora europeia tem visto a sua fatia de rendimento encolher face a outros grupos… Há coisas em que não pode haver compromisso: direitos das minorias, democracia, Estado de Direito e aspetos fundamentais de uma sociedade liberal. Mas temos de aceitar que não está a funcionar bem para todos. Por exemplo: um dos problemas que temos é a falta de integração de certas comunidades. A Dinamarca está a aplicar uma política de integração mais robusta, com escolas mistas, e prepara-se para diminuir, por um período, o ritmo da imigração. É um modelo que a Europa pode usar, principalmente onde há mais imigração, pelo que pode não se aplicar a Portugal. Outra forma é pensar em devolver o poder de decisão aos cidadãos, através de assembleias populares e de mecanismos de participação que permitam que estes grupos não se sintam excluídos.
Este movimento vai continuar a crescer na Europa?
O nacional-populismo não vai desaparecer. Será uma força política permanente. Quando eu estava a fazer o meu doutoramento, no início de 2000, achava-se que certas democracias estavam imunes ao nacional-populismo, como Portugal, Espanha, Suécia, Alemanha e Reino Unido. A rapidez com que as coisas mudaram mostra que estamos perante um momento significativo. O que está a fazer aumentar o seu apoio – imigração e falhanço das elites – não vai desaparecer. É irrealista dizer que são partidos de protesto ou uma consequência da crise. Temos de nos habituar a viver com o nacional–populismo e trabalhar mais para resolver os problemas das pessoas.
A agenda destes partidos é boa para a sociedade?
Não é o meu tipo de política. Estou inclinado para a esquerda na economia – temos de trabalhar mais na redistribuição – e para a direita, um conservador moderado, em temas culturais. Os populistas estão demasiado dispostos a envolver-se com xenofobia e intolerância, por isso são uma força perigosa. Têm constantemente de ser controlados. Mas tenho alguma simpatia para com as ansiedades de quem vota nestes movimentos. Ao longo dos anos, entrevistei centenas. As comunidades trabalhadoras sentem que a globalização não foi tão benéfica para eles como para outros e que têm sido constantemente excluídas do debate, não lhes sendo dado respeito, dignidade e reconhecimento. São palavras que não se ouvem muito hoje em dia, mas que interessam às pessoas. Os eleitores são cidadãos, não são lemmings obcecados com o PIB. Interessam-se por outras coisas além da economia, como identidade nacional, tradições e forma de vida. Isso é poderoso e visceral. Temos de pensar como podemos trazer estes eleitores de volta aos mainstream, antes de os perdermos para sempre. É esse o risco: perdermos uma geração de eleitores para o populismo.