Há pouco mais de um ano, o Instituto Superior Técnico (IST) foi buscá-la ao Imperial College, em Londres. Assim, Zita Martins – a “nossa” estrela, que em Inglaterra chegou a ganhar uma bolsa de um milhão de libras – regressava à base para, a partir de Lisboa, continuar a estudar o Espaço e a vida na Terra. De então para cá, assumiu, com Pedro Arezes, a direção do MIT Portugal e, no IST, fundou o primeiro laboratório de astrobiologia do País. Aos 40 anos, também é conhecida pelo seu talento em explicar a Ciência ao grande público e, sobretudo, por fazer as coisas acontecerem. Sem artes mágicas.
Pergunta muito em voga: os ricos seguirão para Marte e a Terra, que estamos a destruir, ficará para os pobres?
Sou contra a divulgação dessa ideia. Julgo que se trata mesmo de propaganda. Porque, na realidade, não é nada disso que a comunidade científica está a fazer. Existe um estudo da NASA que mostra que, por cada dólar investido pelo Governo norte–americano na NASA, há um retorno de sete a 14 dólares. Depois, além do retorno financeiro, tudo o que está a ser feito no Espaço tem aplicação ao nível da saúde, da poluição, do desenvolvimento sustentável das cidades. A tecnologia que estamos a desenvolver tem como objetivo melhorar a qualidade de vida na Terra. Mais tarde, essa tecnologia servirá para colonizar Marte, mas isso não vai acontecer tão depressa quanto, por vezes, se faz crer.
E por que razão essa ideia se tem propagado?
É uma ideia ligada à ficção científica. E talvez seja também porque os grandes multimilionários de empresas privadas estão a investir muito dinheiro nesta área do Espaço. É importante que essas empresas privadas invistam, pois é assim que a Ciência avança, tem de haver colaboração entre o público e o privado. Colonizar Marte, porém, não é o objetivo principal. Nas várias agências, na norte-americana, na chinesa e até na própria Agência Espacial Europeia, também existe muito aquele orgulho de dizer: fomos os primeiros a pisar Marte.
Porque diz que a colonização de Marte não vai acontecer tão depressa assim?
É fundamental sublinhar que se trata de pôr humanos em Marte de forma segura. Não é só ir lá, se depois não conseguimos trazer esses astronautas de volta à Terra de forma segura. Acima de tudo, a questão é: não temos, de todo, tecnologia para levar seres humanos a Marte. Neste momento, as várias agências espaciais estão a investir dinheiro para levar astronautas para a Estação Espacial Internacional. Permanecem aí um período de seis meses/um ano para, depois, serem feitos muitos estudos, sobretudo na área da saúde.
Quer dar exemplos desses estudos?
A NASA, por exemplo, tem um estudo muito curioso sobre dois gémeos: um ficou na Terra, outro foi para o Espaço. Neste momento, estão a estudar as alterações genéticas de ambos. Quem é que envelheceu primeiro? Também há um estudo sobre a fertilidade. A única senhora a ir foi a italiana Samantha Cristoforetti, que é astronauta da Agência Espacial Europeia. Quando foi, aos 30 e poucos anos, não tinha filhos, mas entretanto já foi mãe. Também existe a questão da densidade óssea e muscular, que no Espaço diminui muito. E as pessoas perguntam: pronto, mas o que é que isso interessa? Fazemos um paralelo entre os astronautas que estão no Espaço durante seis meses/um ano e os pacientes que, na Terra, estão acamados durante muito tempo. Portanto, não andamos a brincar ao Espaço, que é interessante e excitante. Estamos a desenvolver estudos que têm implicações na Terra. E a investir em áreas – como a da saúde – que nos afetam a todos.
Se tivesse de explicar a uma criança de 5 anos o que é a vida, o que diria?
Não é fácil. Até porque, mesmo dentro da comunidade científica, há uma grande discussão sobre a definição de vida. O que, normalmente, dizemos é que se trata de uma entidade que nasce, que se desenvolve e que morre (e que não necessariamente se reproduz). Para uma criança de 5 anos, não entraria em muitos pormenores científicos: é alguma coisa que nasce, que se desenvolve e que morre.
É uma definição baseada na realidade que conhecemos, a Terra.
Mesmo na comunidade científica discute-se muito sobre o facto de os vírus serem vida ou não. Porque os vírus, por si só, não conseguem sobreviver sozinhos, não subsistem de forma independente. Porém, a grande questão também tem muito que ver com o facto de a Terra ser o único local com vida. E, apesar de sabermos como é a vida aqui, a verdade é que, mesmo na Terra, há muitas diferenças. Vivemos nesta temperatura maravilhosa de 25-30 graus, mas há organismos que vivem e sobrevivem em condições muito extremas de temperatura, de salinidade, de radiação. Quando saímos da Terra, não sabemos como é a vida: será que os limites são os mesmos? Será que, nesse caso, a vida também é baseada em carbono?
A um octogenário, já explicaria o conceito do carbono?
Sim, já seria mais fácil. Assim como a questão dos elementos, do que é que nos compõe, desconstruindo no fundo o que é a vida. Com um microscópio, conseguimos ver a unidade básica da vida, a célula. Pode ser um pouco abstrato, mas depois, com uma lupa, conseguimos ampliar, ampliar, ampliar… A uma pessoa de 80 anos consigo explicar que se a célula for uma casinha de Lego, as peças que compõem essa casinha são as moléculas orgânicas e que cada uma contribui para a vida de forma diferente.
O que determina mais o percurso de uma pessoa: a paixão ou a persistência?
As duas coisas. E não são só os cientistas: a paixão, precisamos de ir buscá-la ao dia a dia, a um hobby que tenhamos, aos gostos pessoais de cada um, aos livros, à música, à família… Porque ninguém está constantemente apaixonado pela sua profissão. Acontece o mesmo com a criatividade: ninguém está constantemente ligado à corrente. Gosto muito do que faço. Claro que não me agrada a burocracia do dia a dia, mas gosto muito da astrobiologia. E tento desconstruí-la de maneira a ver a maravilha por detrás disto tudo, ou seja, a imensidão do Universo e a possibilidade de existir vida por detrás disto tudo. Eis o que alimenta a minha paixão.
E a persistência?
Para manter essa paixão acesa, preciso de ser persistente. Constantemente. Porque há muita burocracia. E não é só a burocracia: é o dia a dia, o que é preciso fazer, os prazos de entrega, os financiamentos… No meu caso, vivi fora durante muito tempo. Voltar para Portugal também foi, novamente, uma grande mudança. Claro que cada um tem o seu feitio, mas julgo que temos de ser guerreiros, batalhadores.
Quando foi para a Holanda, o que procurava?
Saí de Portugal porque cá não havia astrobiologia. Escrevi um email a vários cientistas da NASA, dizendo: “Quero trabalhar nesta área. Para onde é que devo ir trabalhar? Com quem devo ir trabalhar?” Todos me responderam “Países Baixos”, todos me indicaram a mesma pessoa, que acabou por ser a minha orientadora de doutoramento. Portanto, fui para os Países Baixos não porque tivesse uma paixão pelos Países Baixos, mas porque me foi indicado.
Esteve seis meses na Universidade de Leiden, mas depois acabou por regressar.
Saí de Portugal, pela primeira vez, em 2002, com uma grande vontade de realizar sonhos. Estive em Leiden, um sítio maravilhoso para viver, estudar e trabalhar, e fiquei apaixonada. Na cidade, tudo girava à volta da universidade, tudo se fazia a pé ou de bicicleta, tinham passado por lá os grandes nomes da Física. Havia também a questão da proximidade com a Agência Espacial Europeia. E comecei logo a aplicar a amostras extraterrestres tudo o que tinha aprendido em Lisboa, na licenciatura em Química. Era fabuloso: onde é que eu alguma vez tinha tocado em amostras extraterrestres, vindas de um asteroide?
O que aprendeu nestes anos todos em que esteve fora?
Estive 16 anos fora, estive nos Países Baixos, nos EUA, mais de uma década no Reino Unido e uma temporada muito rápida no Sul de França. Aprende-se muito. Desde logo, aprende-se a ser flexível, a sair da nossa zona de conforto, pois estamos em contacto com muitas nacionalidades. Na altura em que vivi em Leiden, fiz uma apresentação na Alemanha, onde estava alguém da NASA que me disse que queriam que fosse trabalhar para Washington. Era um sonho trabalhar nos EUA, era um sonho trabalhar na NASA. Trabalhei imenso, mas foram tempos de muita alegria, de muita felicidade. Quando se está a realizar sonhos, as chatices passam quase ao lado.
E por que motivo quis regressar?
Queria sair de Portugal, mas também queria voltar, um dia. Gostaria de regressar a casa e de trazer a astrobiologia: neste momento, já existe o primeiro laboratório de astrobiologia do País. Estou numa instituição de topo, no IST, onde tenho a minha equipa, os meus estudantes de licenciatura, de mestrado e de doutoramento. E, a nível internacional, continuo com todas as colaborações que já tinha.
A sua ideia era trazer para Portugal a rede internacional com a qual já trabalhava?
Sim, era isso, só que em vez de estar sediada em Londres, estou em Lisboa. Estou muito feliz. Há uma grande qualidade de vida em Portugal. Gosto muito de Londres, mas, depois de lá se viver muito tempo, percebe-se que não é uma cidade com muita qualidade de vida, ao nível da poluição, do custo de vida, da duração das viagens de transporte de uma zona para outra zona… Lisboa pode estar a tornar-se muito cara para a média dos salários dos portugueses, mas trata-se de uma cidade com muita qualidade de vida: o sol, a comida, a proximidade da praia e das montanhas… Estou numa fase de namoro com Lisboa [risos].
Neste momento, que projetos está a desenvolver?
Tenho um projeto, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, sobre uma lua de Marte. Também tenho uma aluna a trabalhar num projeto sobre as luas geladas de Júpiter e Saturno. E outro ainda sobre os micro-organismos que poderão, ou não, vir a resistir em Marte. Depois, continuo envolvida em várias missões espaciais, nomeadamente, na Hayabusa 2, da Agência Espacial do Japão. Estamos ansiosos, à espera que as amostras regressem à Terra. É um objeto extraterrestre, é um bocadinho como voltar a ser criança e receber um grande presente.
Foi uma das mulheres homenageadas pela marca de brinquedos Mattel. Ficou orgulhosa com a sua Barbie astrobióloga?
Receber a Barbie astrobióloga foi um grande orgulho. E achei que fazia sentido estar disponível para a iniciativa da Mattel por causa do tipo de mensagem que ela passa: pôr alguém da Ciência como inspiração é uma mudança completa de paradigma. Ao nível da alteração dos chamados role models, é um esforço muito meritório.
A Barbie astrobióloga é um apelo para haver mais mulheres nas áreas chamadas STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics)?
É sobretudo um esforço para mostrar às meninas que elas podem ser o que quiserem. Quando eu era pequena, detestava Barbies. Não me identificava com aquela boneca com uma cinturinha muito fininha, achava que não representava as mulheres do dia a dia, só vestia vestidos bonitos e pronto. Mas se as meninas quiserem brincar com bonecas, excelente. O que digo é que devemos mostrar-lhes tudo aquilo que existe, não lhes limitando as profissões disponíveis. Querem ser astronautas? Podem. Querem ser mães e ficar em casa? Ótimo. O importante é mostrar-lhes as possibilidades, revelar-lhes tudo o que existe, não deixar que as mulheres fiquem limitadas, permitir que façam uma escolha consciente.