Nasceu em Singapura, estudou em Londres, mudou-se para Sagres com o marido, o suíço Roman Stern, no início do milénio, e já diz “nós” quando fala de Portugal. Chitra e Roman fundaram The Elegant Group que, atualmente, detém quatro unidades hoteleiras (Sagres, Quinta do Lago, Cascais e Chiado) e que se prepara para abrir a primeira escola internacional no centro de Lisboa – a United International School.
Conseguiria definir, numa só palavra, o atual momento do turismo nacional?
Eu acredito mesmo no potencial de Portugal para o turismo, sobretudo, mas não só, porque é um produto autêntico. A autenticidade que aqui se sente, a autenticidade da cidade de Lisboa, que é moderna mas tem um charme antigo e histórico, as pessoas que são amigáveis e que gostam de receber, uma sociedade aberta e tolerante… estas coisas fazem mesmo a diferença, além, claro, do mar, da areia, da comida. Recentemente, falei numa conferência TEDx e disse isso mesmo: para mim, o que faz a diferença em Portugal é a autenticidade. A forma como os turistas se sentem quando chegam cá e como se consegue a sua lealdade… eles acabam sempre por voltar.
Há quem acredita que estamos a perder autenticidade. Concorda?
Acho que é tudo uma questão de equilíbrio. Se se quer mais investimento vindo de fora, e se é um bom país para se viver, claro que as pessoas vão querer vir viver para cá. Não acho que estejamos a atrair os elementos negativos do turismo, porque as pessoas que gostam de viver aqui vêm pelo nosso sistema de valores. Vamos, então, fazê-los abraçar os nossos valores! A família, por exemplo, está no topo da vossa lista de prioridades; cuidar dos mais velhos, dos outros membros da família – vocês têm isso muito presente.
E acredita que o fazemos corretamente? Cuidar dos outros?
Fazem-no melhor do que em muitos outros lugares! Porque se preocupam com os vossos avós, tios, primos… É isso que nós todos procuramos quando pensamos numa sociedade justa. Sei que talvez possa parecer otimista, mas eu acredito nisto. Agora, não podemos travar o investimento porque estamos preocupados. Temos de tentar fazer com que os nossos valores saiam mais fortes, evitando que as pessoas tragam o que não queremos que se implemente na nossa sociedade. Portugal é um povo aberto, que acolhe outras religiões, outras raças. Vocês são muito cool [risos]. Voltando atrás: as coisas estão a mudar? Sim. Mas estão a mudar para pior? Não me parece. Cabe-nos
a nós mantermos a autenticidade e os elementos que são atrativos para os outros e importantes para nós.
Quais são os principais desafios para o turismo em Portugal?
Ainda o aeroporto do Montijo… Estamos a operar no máximo de capacidade no aeroporto de Lisboa. E isto significa o quê? Que, até termos um aumento do número de turistas, o que só acontecerá com um novo aeroporto, ainda vamos ter tempo para resolver algumas destas questões que agora nos preocupam. Ainda somos autênticos e ainda não fizemos tudo o que é preciso. Há tanta coisa para fazer. Olhando somente para Lisboa: está tudo feito no Chiado e no Príncipe Real? OK. Mas olhem para a marginal entre Cascais e Lisboa! E entre o Chiado e o Parque das Nações? Há imensa coisa a ser feita em termos de recuperação, de novos projetos. Claro que teremos, ainda, de lidar com a questão de os bancos não concederem financiamento a longo prazo, mas isso é outra questão. Há, na verdade, ainda muito a fazer em Portugal.
Falemos do Brexit. Inglaterra é um dos nossos maiores mercados em termos turísticos…
Creio que o Brexit vai ser um grande problema e eu estou a dizer isto desde que começou a campanha para o referendo, há cerca de quatro anos. A desvalorização da libra, o impacto naquilo que os turistas poderão gastar no final do dia… A campanha do Turismo de Portugal, intitulada “Brelcome” é importante. No fundo, visa dizer “ainda estamos aqui, podem vir” ou “Portugal nunca vos vai deixar”. Acho mesmo que é uma campanha amorosa. A maior preocupação agora é a possibilidade de haver uma saída sem acordo. Mas já estamos, em termos técnicos, a avançar com algumas coisas para conseguirmos mitigar os impactos de uma possível saída, durante o período de transição. Seja como for, ainda temos esses dois anos de período de transição – e, durante esse tempo, as pessoas terão liberdade de movimento, pelo que é preciso esperar para perceber o que vai acontecer, onde esses cidadãos britânicos vão escolher ficar. É um mercado enorme para Portugal – e para o grupo Elegant também. Daí que estejamos sempre a tentar diversificar os nossos mercados. Temos outros a crescer, e sei que essa também tem sido a estratégia do Turismo de Portugal.
Diversificar? E para onde olham?
Acho que, a longo prazo, a Índia e a China se vão tornar mercados muito importantes para nós, e digo isto porque a economia europeia sofrerá inevitavelmente o impacto do Brexit. A economia mundial, aliás, vai ser afetada. Temos, além disso, um cenário de abrandamento económico na Europa e, portanto, haverá aqui um problema. Mas a Índia e a China estarão, por outro lado, a crescer significativamente, sobretudo o mercado indiano, que fala inglês – claro que os mercados japonês e chinês também são importantes – e que tem um perfil de turista mais elevado, no sentido em que gasta mais dinheiro. Se olharmos, por exemplo, para a Suíça, vemos que o país está há muitos anos a trabalhar o mercado indiano. No ano passado, houve 700 mil visitantes indianos a chegar à Suíça. Em 2019, acreditam que podem chegar ao milhão. E nós, aqui, temos de estar preparados para isso. O Turismo de Portugal já começou a fazer alguma movimentação nesse sentido, mas devíamos acelerar a concessão de vistos, por exemplo. Devíamos falar mais com eles.
Mais do que fazer campanhas?
Na Índia, ninguém tem noção das oportunidades de investimento que há em Portugal. Vamos para Bombaim, que é um centro de decisão, para Bangalore, para Nova Deli, que é outro centro de decisão. Vamos para outras cidades na Índia e outras regiões que não apenas Goa – aliás, Goa é, para os indianos, como o Algarve para nós. A Índia é enorme! Se conseguirmos ter 1% do mercado… a sério, pense nisso. Um milhão de turistas, que não é nada no grande esquema das coisas (muito menos no grande esquema da Índia), é imenso para Portugal. Se conseguíssemos captar o mesmo milhão de indianos que vai para a Suíça, isso seria incrível. Li recentemente que os visitantes indianos gastam, em média, 310 francos suíços por dia (275 euros). A Suíça é um mercado caro, e Portugal não… Temos mesmo de estar preparados para isto. Sei que o Turismo de Portugal está de novo de baterias apontadas para este mercado, e acho que é onde devemos investir. Depois virá mais gente por arrasto.
Vão ser tempos desafiantes para a economia.
Sim, vão ser tempos difíceis, sobretudo para os negócios. Temos de ser cuidadosos. Não podemos descansar à sombra do que já conseguimos fazer. Essa é uma das razões pelas quais acho que Portugal não devia acabar com os vistos gold. A economia é cíclica, não é? Portanto, há que estar preparado para enfrentar alturas menos boas. E essa é uma das razões, também, por que estamos a investir em educação – como não se pode copiar o ADN da cultura portuguesa, nós vamos continuar a ser atrativos. As pessoas, os investidores ou empresários estrangeiros continuarão a vir viver para Portugal. E nós damos-lhes uma escola internacional, mas com os valores portugueses.
É uma empresária numa área considerada muito masculina, e tem falado muito do papel das mulheres nos negócios. Como avalia a evolução de Portugal neste campo?
Antes de mais, acho que é realmente necessário continuarmos a expor todas as injustiças, violências e problemas. É isso que faz funcionar as democracias, e é dessa forma que se chama a atenção e que se melhora. E é claro que a campanha mundial #MeToo ajudou imenso esta causa. Agora, em segundo lugar: creio que, em Portugal, o número de mulheres na tecnologia, por exemplo, está acima da média dos países da União Europeia. Há algumas áreas em que existem diferenças enormes, claro, mas, em STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemáticas), Portugal tem bons indicadores. Isso é um bom ponto de partida. E quando vejo estas campanhas, que chegam dos EUA, sobretudo a dizer que precisam de mais mulheres nestas áreas, penso sempre “uau, realmente eles estão muito atrasados”.
Chitra tem uma visão muito global desta questão. Como foi consigo?
Nasci em Singapura, mas o meu pai é indiano e eu nunca tive essa discussão em casa. Claro que tive sorte, o meu pai teve quatro filhas e dois filhos. E quis, aliás, insistiu bastante para que todas nós estudássemos Ciências ou Medicina… Eu acabei a estudar Engenharia, como uma espécie de compensação [risos]. Sinto-me muito, muito sortuda, porque nunca questionei a minha confiança em Ciências ou em Matemática. Cresci sem esta assunção de que as mulheres são melhores em línguas do que em Matemática. Cresci mesmo a acreditar que podia ser boa no que quisesse. O que tornou muito claro que a promoção desta confiança começa muito cedo. Principia com as crianças desde tenra idade.
Mas isso significa que, em sua casa, não se vivia como na Índia, de onde o seu pai é. Como se generaliza isto?
Bom, tem de ser um trabalho de parte a parte. Os miúdos passam metade do tempo na escola: temos de educar os nossos rapazes para não fazerem comentários, temos de ensiná-los que raparigas e rapazes são iguais. Em termos de empreendedorismo, por exemplo, estou sempre a ouvir que precisamos de mais mulheres empreendedoras. E isso implica uma mudança de mentalidades, porque tem que ver com partilhar tarefas em casa, por exemplo. No entanto, há uma questão sobre a qual tenho vindo a pensar – e que vai estar em discussão na iniciativa que estamos a organizar no Martinhal de Cascais, precisamente sobre Mulheres e Empreendedorismo – que é o facto de as mulheres não conseguirem aceder a financiamento. Acontece em Silicon Valley e acontece aqui.
Porquê?
Não sei, mas temos de fazer estas perguntas. É mais difícil para as mulheres angariar dinheiro? Sim. Porquê? Na última Web Summit ouvi que as mulheres que fundam empresas não arriscam, não apresentam os seus planos. Há uma teoria que aponta o perfecionismo como um dos entraves: as mulheres não entregam um plano de negócios e não pedem investimento até terem o plano perfeito. Mas, se calhar, elas têm de se tornar um pouco mais – não quero que isto seja mal interpretado – “masculinas”, em termos de confiança. Ou seja: acreditarem que o plano é bom e que vão conseguir o financiamento. Às vezes não temos de ser perfeitos. É isso que os homens fazem. Tentam! Têm menos medo de arriscar.
Tem medo de arriscar?
Eu venho de uma cultura onde a religião e a mitologia apresentam deuses e deusas exatamente com o mesmo poder. Muitas das deusas foram criadas pelos deuses para expulsarem demónios que os homens não conseguiam derrotar. E, de repente, aparece Durga [a Deusa suprema] a dar umas bofetadas a um demónio, sabe? [Risos.] E eu acho que nós temos de ser mais assim: temos de acreditar que somos capazes de lutar também. Se calhar estamos a precisar, simplesmente, que a palavra confiança volte a fazer parte do léxico das mulheres.
Poderá ser cultural?
Vou fazer uma crítica construtiva: a cultura portuguesa não é de arriscar. É verdade que as coisas estão a mudar e que a sociedade evoluiu imenso nestes 20 anos. E é óbvio que, quando se constrói um negócio, o risco de falhar existe. Mas nunca se vai saber antes de se arriscar. É isto que temos de mudar.