Desde a Revolução Industrial que a sociedade não assistia a uns tempos tão. revolucionários. São as inovações na saúde, que nos prometem aproximar da vida eterna; as evoluções da internet, que nos acenam com a independência laboral e um caminho para o fim da pobreza; as novas formas de empreendedorismo, mais socialmente responsáveis. Mas são também as ameaças do ciberterrorismo, o Estado Big Brother, as alterações climáticas. Aos poucos, para o bem e para o mal felizmente, mais para o bem, a ficção científica vai sendo ultrapassada pela realidade
1 – AS MUDANÇAS SERÃO CADA VEZ MAIS RÁPIDAS
Depois de inventar a roda, a humanidade demorou mais de cinco mil anos a aprender a voar. Mas entre a primeira descolagem de um avião e a aterragem na Lua decorreram apenas 66 anos. Ainda assim, comparado com o século XXI, o século XX parece ter estado a arrastar uma âncora.
O primeiro iPhone surgiu em 2007; em 2013, os smartphones já representavam mais de metade das vendas de telemóveis em Portugal. Os satélites do sistema GPS só ficaram em órbita em 1995; 20 anos depois, entre apps e equipamentos de navegação, a maior parte das pessoas tem um computador a dar-lhe indicações com a ajuda de satélites. Hoje, quase não nos conseguimos lembrar da vida pré-Wikipédia, Skype, Facebook, YouTube, iPhone e iPad apesar de todos estes sites e produtos terem nascido depois do ano 2000. Até nos esquecemos do revolucionário iPod, entretanto à beira da extinção (no ano passado, a Apple deixou de revelar números de vendas do sucessor do Walkman). Vemos o tempo que está lá fora num computador que cabe na palma da mão, ainda antes de abrir a janela; fazemos telefonemas a encarar o nosso interlocutor; avistamos drones a filmar-nos lá do alto e encolhemos os ombros; cruzamo-nos com carros elétricos nas estradas. E lemos as notícias de um novo gadget ou salto tecnológico com a ligeireza de quem espreita o menu num restaurante.
Armazenamento em “nuvem”? Smartwatches? Impressoras 3D? Carros que se conduzem sozinhos automóveis na total aceção da palavra? Nada nos surpreende. A ficção científica deixou de existir. A tecnologia e as mudanças que provoca na sociedade são mais férteis e rápidas que a nossa imaginação.
E teremos mais tempo para assistir a essas mudanças, pois…
2 – VAMOS VIVER MAIS TEMPO
Durante o século XX, a esperança média de vida nos países desenvolvidos cresceu 30 anos (em Portugal, por exemplo, ronda atualmente os 80 anos). Claro que uma boa parte deste aumento é atribuível à redução da mortalidade infantil, já em níveis próximos de zero, pelo que ninguém espera um novo incremento de 30 anos de vida até ao fim do século XXI. Mas uma série de avanços nas ciências médicas prometem dar-nos a beber umas gotas da fonte da juventude: terapia personalizada e direcionada, baseada na informação genética de cada um, nanomedicina, que permite atingir partes quase inacessíveis do corpo e aplicar a medicação no ponto exato em que é necessária, cirurgia robótica, mais precisa do que a mão humana, reprogramação celular, para reverter os efeitos do envelhecimento das células, cultura de órgãos a partir de células estaminais. Estas são algumas das razões que levam as Nações Unidas a apontarem para uma esperança média de vida entre 100 e 106 anos em 2300, e isto sem levar em conta uma qualquer nova revolução científica que trave o envelhecimento das células. Há mesmo cientistas que acreditam que a primeira pessoa a atingir os 150 anos já nasceu (até agora, o recorde é de 122 anos). O mundo em desenvolvimento deverá ver a sua esperança de vida aumentar ainda mais, proporcionalmente, face à melhoria de condições básicas (como acesso à água potável) e controlo ou erradicação de doenças como a malária. A propósito, essa foi a justificação de Bill Gates para criticar a Calico, a empresa do Google apostada em “curar a morte” através da tecnologia o milionário considera imoral que os ricos estejam a gastar milhões de dólares para viver mais tempo, quando há crianças pobres a morrer de malária. Já a imortalidade digital, vaticinada pelo físico Stephen Hawking desincorporação da mente humana, que passaria a viver num mundo virtual vem longe. Mas ainda que não nos cure da morte, o mundo digital está a melhorar-nos a vida. A começar pela laboral, já que…
3 – O TRABALHO SERÁ MAIS INDEPENDENTE E MAIS GLOBAL
Paradoxalmente, a modernidade propiciou-nos um regresso ao passado: aos tempos em que um homem vendia ao seu vizinho o que ele próprio cultivava ou manufaturava.
A grande diferença é que hoje somos todos vizinhos. Num mundo globalizado a uma escala nunca antes concebida, cada vez mais gente funda uma microempresa com janela para os cinco continentes, seja como principal meio de sustento seja como complemento aos rendimentos oficiais. A internet tornou-nos potenciais produtores, com clientes à distância de um clique. Ou de um “gosto”: com o auxílio imprescindível das redes sociais, milhares de portugueses transformaram num negócio uma qualquer perícia que antes não passava de um passatempo. Tenho jeito para fazer bolos? Crio uma página no Facebook e vendo-os. Sei desenhar e sou criativo? Invento logótipos para empresas daqui até à China. A explosão da economia de partilha potenciou e simplificou ainda mais esta realidade. Tenho um carro? Torno-me motorista da Uber e ganho dinheiro a levar gente de A a B. Há um quarto vago na minha casa? Disponibilizo-o no Airbnb a turistas.
A inexistência de fronteiras virtuais faz de cada um de nós inventor, produtor e vendedor, sem necessidade de intermediários nem uma rede de distribuição clássica. E isto é só o princípio. Não só esta crescente independência tende a reforçar-se como uma das últimas e mais revolucionárias inovações dos últimos anos fará com que este novo tipo de trabalho se torne menos manual, mais automatizado.
Falamos das…
4 – IMPRESSORAS 3D, AS MÁQUINAS QUE NOS VÃO SIMPLIFICAR A VIDA
Aparentemente, não passam de mais um gadget. Um brinquedo caro. Mas, na verdade, estas máquinas têm a capacidade de mudar o mundo da produção industrial.
As impressoras 3D, que funcionam através da aplicação de camadas de material maleável a altas temperaturas (normalmente plástico, que endurece ao arrefecer), prometem transformar cada casa numa microfábrica. Por agora, os equipamentos são dispendiosos (a impressora mais pequena e simples custa 500 euros), e o processo de aplicação é moroso. Será, no entanto, uma questão de tempo até a massificação fazer baixar o preço das máquinas e a tecnologia afinar e acelerar o seu funcionamento. A partir daí, qualquer pessoa pode dar corpo às suas criações: peças de design, brinquedos, sapatos, objetos de uso comum, modelos arquitetónicos, próteses. Do ponto de vista macroeconómico, a existência de milhões de impressoras pessoais, ou de milhares de impressoras industriais, mudará o paradigma atual de fabrico, assente no outsorcing de mão de obra barata de países como a China e a Índia, fazendo regressar a produção à Europa e aos EUA, onde está a procura. Ao nível das grandes empresas, essa alteração não acarretará um aumento de postos de trabalho no Ocidente, apesar de lhe aumentar a competitividade apenas trocará um trabalhador de um país em desenvolvimento por um robot num Estado desenvolvido. E ainda levará a um novo patamar da pirataria: um relatório do Gartner Group estima que as perdas resultantes de violação de propriedade intelectual provocada pela popularização das impressoras 3D atingirão os 90 mil milhões de euros. daqui a três anos.
Mas esta será também uma explosão de oportunidades para criadores, que têm aqui uma arma para atacar o mercado, beneficiando da circunstância de que…
5 – TODOS OS HABITANTES DO MUNDO TENDEM A FICAR INTERCONECTADOS, CRIANDO UM MERCADO GLOBAL
A internet é a via rápida para o fim da pobreza. Dito assim, soa no mínimo simplista. Mas é esse o caminho que Mark Zuckerberg propõe: pôr toda a gente online como primeiro passo para criar riqueza.
Não parece grande feito para quem vive na Europa, onde 80% da população está ligada à rede. Olhando para lá do alcance da nossa vista, porém, percebemos que apenas um terço da Humanidade tem acesso à internet.
O plano do fundador do Facebook passa por uma parceria com alguns dos gigantes mundiais das telecomunicações móveis para levar net barata, ou mesmo gratuita, às regiões menos desenvolvidas, com particular ênfase na promoção e no desenvolvimento de planos de pequenos negócios. Não é coisa pouca: um estudo da Deloitte estima que a massificação da internet no mundo em desenvolvimento pode criar 140 milhões de postos de trabalho. A globalização será total. É a democratização completa do mercado: a criação do próprio emprego será cada vez mais a regra e, no limite, ninguém depende de terceiros, de multinacionais, a controlar todo o processo de criação e fabrico de produtos. A absoluta massificação da internet ajudará a reduzir o número de pobres para metade, até 2030, e será o motor de crescimento da classe média, que nos próximos 15 anos deverá crescer dos atuais mil milhões de pessoas para dois ou mesmo três mil milhões. Uma evolução que deverá acarretar sérias consequências políticas e de equilíbrio global. A China, que se espera vir a ter 75% da sua população nesta faixa económica, pode “sofrer” enormes pressões democráticas muitos analistas consideram que 12 mil dólares de PIB per capita são o ponto de não retorno a um sistema ditatorial, sendo que a China está neste momento nos sete mil dólares (em Portugal, é 22 mil). Mas a internet e as tecnologias são também uma ameaça à democracia, já que neste mesmo mundo interconectado…
6 – AUMENTARÁ A VIGILÂNCIA DOS CIDADÃOS SOBRE GOVERNOS E EMPRESAS
Quando Edward Snowden, ex-analista da CIA, começou a divulgar os hábitos e as estratégias das agências de espionagem americanas, a suspeita transformou-se em certeza: nem tudo o que fazemos na internet fica na internet. Entre programas informáticos que funcionam como “portas das traseiras “, por onde os espiões de vários governos entram e recolhem informação de milhares, ou milhões, de cidadãos, e ordens oficiais e oficiosas de entrega de informação por parte de gigantes como o Google, o Facebook e a Apple, tudo o que fazemos é passível de ser monitorizado. E a maioria da população parece resignada. Após o choque e indignação iniciais, as constantes novas revelações de Snowden pouco brado provocam. Damos por adquirida a inevitabilidade de um Estado orwelliano. Encaramo-lo como um justo preço a pagar pela segurança, pelo ainda mais alto valor da vida. Impressionados e amedrontados pelas imagens de decapitações e outras barbáries vindas do Estado Islâmico e seus derivados, abdicaremos voluntariamente de muitas liberdades fundamentais e sacrificaremos a nossa privacidade. Com a justificação de prevenir o terrorismo, o aumento da vigilância e controlo sobre as sociedades será crescentemente pacífico entre os povos. Esta é, no entanto, uma faca sem cabo: os criminosos também têm acesso à rede, e portanto…
7 – AS AMEAÇAS TERRORISTAS PASSARÃO PARA O MUNDO CIBERNÉTICO
Quanto mais importante e central for a internet na sociedade moderna, quanto mais real for o mundo virtual, mais vulneráveis seremos a ataques cibernéticos e mais destrutivo se revelará cada um desses atentados. Como que a juntar miséria à pobreza, a origem do ciberterrorismo é difícil de detetar e as suas consequências devastadoras, face à relativa facilidade de implementação são armas baratas, que estão ao alcance de pequenos Estados e até grupos ou indivíduos. Uma das provas mais contundentes aconteceu na Estónia em 2007: na sequência de uma polémica com a Rússia sobre uma estátua estalinista, o país foi alvo de uma série de ciberataques que na prática cortaram o acesso da população à internet durante três semanas.
A automatização dos sistemas, potenciada pela evolução da inteligência artificial e consequente ausência de elementos humanos, torna ainda mais catastrófico este novo tipo de crime. A chantagem é outra tática que já mostrou resultados: o filme A Entrevista viu a sua exibição a larga escala cancelada pela Sony, após hackers terem roubado emails comprometedores da administração da empresa e exigido a suspensão da película, que ficciona o assassinato do líder norte-coreano. Naquele caso, era apenas uma comédia de gosto discutível, ainda que tenha posto em causa a liberdade de expressão. Mas isto é só o início, até porque a vida e a economia estarão cada vez mais dependentes da internet.
Por exemplo…
8 – O DINHEIRO DIGITAL VAI SER A NORMA NO COMÉRCIO EM REDE
Com as transações na internet a crescerem desenfreadamente há três anos, as compras online globais ultrapassaram pela primeira vez o mítico bilião (milhão de milhões) de dólares, era uma questão de tempo até o próprio dinheiro ser virtual. E ele aí está. Hoje, há cerca de 15 moedas não reguladas por nenhum Estado, sendo a bitcoin a estrela entre elas: estima-se que mais de cem mil empresas já a aceitem como forma de pagamento, incluindo gigantes como a Microsoft (isto apesar da volatilidade da moeda: vale agora 210 euros, mas, em poucos meses, desceu aos 50 e subiu aos mil euros). As crises económicas, nomeadamente a europeia, têm contribuído para uma parte deste sucesso.
Mas não explica tudo. Na realidade, com a profusão de empresas unipessoais, impulsionadas pela internet, tudo aponta para que moedas como esta expludam em popularidade. Afinal, o dinheiro não tem valor intrínseco vale apenas como meio de troca para serviços e objetos com utilidade. Se duas pessoas acordarem, até grãos de areia podem ser moeda. Quase desvaloriza a noção de dinheiro. E já que estamos neste assunto…
9 – O LUCRO VAI DEIXAR DE SER O ÚNICO OBJETIVO DAS EMPRESAS A SUSTENTABILIDADE É UM NOVO FATOR DE COMPETITIVIDADE
Já acabou o tempo em que a maximização das receitas e minimização das despesas eram as únicas coisas que importavam. Hoje, as preocupações ambientais e sociais são parte crucial dos planos estratégicos de qualquer empresa moderna. E não nos estamos a referir a greenwashing (marketing puro, sem substância a acompanhá-lo). Uma companhia do século XXI prova ter visão de longo prazo quanto mais socialmente responsável se mostrar ou seja, ter uma pegada positiva na sociedade e na natureza prova a sua própria sustentabilidade económica e financeira.
Esta abordagem, além de ser um fator diferenciador, de competitividade, aos olhos do consumidor, permite-lhe atrair os melhores talentos, reduzir despesas através da racionalização da energia, da água e da matéria-prima, aumentar a produtividade dos trabalhadores, beneficiar de sistemas fiscais mais amigáveis e até de conseguir melhor crédito bancário há uma crescente tendência de os bancos incluírem a responsabilidade social nos fatores que ajudam a calcular a taxa de juro dos empréstimos. E ainda bem que o mundo empresarial está a mudar. O planeta bem precisa de socorro, com os tempos difíceis que aí vêm, tendo em conta que…
10 – A ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS DITARÁ O FUTURO DE SOCIEDADES E DE NAÇÕES
É a maior ameaça ao futuro da Humanidade.
Durante o século XXI, o aumento das temperaturas globais vai acelerar, e há muito que baixámos os braços. É uma inevitabilidade. O tempo não vai voltar para trás. Após o falhanço da Conferência das Partes, da ONU, em Copenhaga, em 2009, o planeta adotou uma estratégia de gestão de danos: passou a focar-se em limitar o aquecimento o mais possível (sem beliscar a economia e interesses geoestratégicos) e, sobretudo, em trabalhar na adaptação ao novo clima. A mitigação dos efeitos é importante é a diferença entre uma má subida de dois graus centígrados e um catastrófico aumento de quatro ou cinco, até ao ano de 2100. Mas é a forma como cada país e região se consegue adaptar que importará. Portugal parte de uma posição difícil (tem a maioria da população a viver no Litoral, à mercê do aumento do nível do mar, e previsões de ondas de calor e longas secas), mas nada que se compare ao mundo em desenvolvimento. Os países pobres são sempre os mais afetados pelos fenómenos climáticos extremos. Isso não mudará. De facto, a melhor adaptação, a melhor forma de combater as alterações climáticas, é acabar com a pobreza, ou reduzi-la a níveis irrisórios. Não será fácil mas nunca tivemos uma oportunidade como esta.