Há milhões de anos que os girassóis giram para captar a luz do Sol. O movimento serve para maximizar a absorção de energia até ao momento em que a planta dá flor. Não é a única planta a fazê-lo, mas foi no girassol que se inspiraram os investigadores da Casas em Movimento para criar o sistema que permite a uma casa rodar com o mesmo objetivo: capturar a energia do Sol. “As nossas casas ajustam-se automaticamente ao local onde são implementadas. Podem rodar ou inclinar o telhado consoante as necessidades energéticas das famílias que as habitam. São casas sustentáveis e autossuficientes”, explica Manuel Lopes, o português que, em 2008, enquanto aluno na Universidade do Porto, concebeu o The Sunflower system o sistema na base destas casas que rodam 180 graus e inclinam o telhado para colher os raios de sol disponíveis ao longo do dia, transformando a energia solar em energia elétrica e térmica.
A Casas em Movimento já patenteou o “sistema girassol” em 77 países e prepara-se para estrear uma casa de demonstração que será montada (e depois desmontada…) numa cidade portuguesa, onde vai mostrar as vantagens de ter uma habitação que produz cinco vezes mais energia do que a que necessita. E para onde vai esta energia a mais? “Pode ter várias finalidades. Pode carregar o carro, ou carros, da família ou, até, alimentar as casas que lhe estejam próximas. Fizemos um teste com um Smart elétrico e concluímos que podíamos fazer 160 mil quilómetros/ano com o automóvel a ser alimentado pela casa”, adianta o arquiteto responsável pelo projeto, que explica as vantagens da estrutura ser desmontável: “Se uma das nossas casas estiver a ser usada como residência de férias no Alentejo, nada impede que os proprietários, um dia, a mudem, por exemplo, para o Gerês. Não é preciso investir numa nova construção nem pensar se há energia elétrica por perto. Basta desmontar de uma localização e montar noutra.” O facto de ser uma construção modular tem mais vantagens. A rotação do eixo central da estrutura permite que as várias divisões da casa mudem de posição, e se ajustem às necessidades dos inquilinos. “É uma casa que pode mostrar o nascer do Sol na mesma janela onde também revela o pôr do Sol.
E não só. Imagine-se o seguinte cenário: ao pequeno-almoço, a cozinha pode ter 15 m2, mas, há hora do jantar, a rotação dos módulos da casa pode juntar a cozinha com a sala e criar um espaço de 45 m2. Isto é possível e estamos, neste momento, a testar a que velocidade é que a rotação deve ser feita”, descreve Manuel Lopes, com o entusiasmo típico do empreendedor que vê a sua startup recolher, finalmente, a atenção de potenciais investigadores. Na mira, pode estar a construção de um hotel para uma grande cadeia internacional e até de bairros inteiros em países nos quais a rede elétrica é pouco eficiente e onde é necessário recorrer a geradores.
Uma casa deste tipo pode recolher energia suficiente para as suas necessidades e, com a remanescente, alimentar mais 10 casas em redor. Este é um futuro onde não há redes de distribuição elétrica. Aqui, tudo é solar. Tudo é amigo do ambiente. Aliás, esta solução da casa “gerador” pode ser aplicada dentro de qualquer cidade: “Uma casa em movimento ou, apenas a sua estrutura energética, pode, facilmente, ser integrada num qualquer bairro histórico. O nosso sistema não obriga à construção de uma casa na totalidade. Nada impede que uma casa típica em granito, do Norte do País, não tenha como acrescento uma estrutura de painéis voltaicos e a capacidade de rotação.”
Controlada a partir de qualquer ponto no planeta
Quando se imagina uma casa em movimento, a primeira pergunta que assalta a mente do potencial comprador é: “Mas a que velocidade é que isto acontece? Vou ficar tonto a tentar segurar os móveis?”.
A verdade é que o sistema coordena a rotação da casa com o movimento da Terra. Desta forma, o corpo humano não sofre com movimentos acelerados que podem provocar vários efeitos nefastos náuseas, por exemplo.
Como seria de esperar, há muita tecnologia a controlar os movimentos mecânicos da casa. O telhado de duas águas, repleto de painéis fotovoltaicos, e o eixo da casa só se movimentam quando recebem as ordens enviadas a partir da consola central que é o cérebro da casa. Toda a calibração é feita, num primeiro momento, pelo pessoal especializado da empresa portuguesa. Aliás, a montagem das estruturas só é efetuada após uma análise exaustiva da envolvência final da casa. “Temos de perceber muito bem o que circunda a casa. Há prédios altos, há árvores, a casa é para ser feita no Norte ou no Sul? Todas estas condicionantes modelam o projeto.
Por exemplo, os painéis fotovoltaicos de uma casa feita no Porto têm de inclinar em média mais 6 graus do que os colocados numa casa no Algarve. Se fizermos uma casa no Equador, a estrutura nem tem de rodar.
Só os painéis do telhado é que vão mexer-se. Ou seja, a localização e a possível integração numa estrutura já existente devem ser equacionadas antes de se implementar seja o que for”, clarifica Manuel Lopes.
Sendo esta uma casa do futuro, está prevista a interação a partir de dispositivos móveis. Assim, o dono da residência pode recorrer a uma aplicação, disponível para telefone e tablet, para controlar à distância coisas mundanas como a temperatura e a iluminação.
Mas, acima de tudo, tem nas mãos, literalmente, a capacidade de rodar a casa, as divisões e, claro, o telhado. Tudo isto a partir de qualquer local do mundo onde exista acesso à internet.
A inteligência artificial do sistema está permanentemente a aprender com os padrões de comportamento das pessoas que habitam a casa. Se, por qualquer razão, os proprietários definem uma determinada orientação a uma hora específica e o fazem repetidamente, a casa deteta esse padrão e começa a fazê-lo automaticamente. “Imagine que, de manhã, depois de sair do banho, algumas divisões da casa rodaram para se ajustarem aos seus padrões matinais. Nada impede que, ao sair da casa de banho em vez de ter a porta do quarto à sua frente, encontre agora a da cozinha. A casa percebeu pelos seus trajetos no interior que, depois do banho, vai tomar o pequeno-almoço. Isto é possível. Conseguimos fazer uma divisão rodar no espaço de um minuto. Claro que isto implica ainda alguns desenvolvimentos que estamos a fazer. Não convém que a cozinha rode de forma tão rápida se alguém estiver lá dentro só para se adaptar ao comportamento de outro inquilino da casa”, explica, entre sorrisos, o mentor do projeto.
Não se pense que estas Casas em Movimento são algo que existe apenas no papel.
Já é possível comprar uma. Manuel Lopes não hesita na resposta: “Podemos construir uma casa já. O preço por metro quadrado ronda os 1400 euros. Mas tudo vai depender, claro, das condicionantes da envolvência e de perceber se é uma casa de raiz ou a implementação em estruturas já existentes.”
O tempo em que as máquinas falam… entre elas
As Casas em Movimento usufruem de duas tendências tecnológicas que marcam a atualidade: a Internet das Coisas e a comunicação Máquina a Máquina. É fácil encontrar espalhados pela web os acrónimos que enunciam estas tecnologias: IoT (Internet of Things Internet das Coisas) e M2M (Machine do Machine Máquina a Máquina).
A primeira é aplicada para descrever a miríade de dispositivos que nos rodeia e que começa, agora, a ganhar conectividade à internet: eletrodomésticos, vestuário, automóveis. até o próprio chão que pisamos.
Com o advento da nanotecnologia, foi possível criar sensores de muito reduzidas dimensões que podem ser integrados em, basicamente, tudo. Até no corpo humano.
Esta ligação permite recolher o mais variado tipo de informação e enviá-la para terceiros.
Por exemplo, alguns smartwatches (relógios inteligentes) têm a capacidade de monitorizar o ritmo cardíaco do utilizador, elaborar gráficos de comportamento e partilhar essa informação com o médico de família. Aliás, este controlo cardíaco pode ser feito também pelo volante do automóvel ou pela T-shirt. Também já há o frigorífico capaz de fotografar o seu interior e enviar a imagem para o telemóvel do dono, para este saber se ainda tem cerveja em casa.
O mundo que nos rodeia está a ficar verdadeiramente ligado. Na casa do futuro, esta conectividade desempenha um papel tão fulcral como o sangue que circula no corpo humano. É a transação de informação entre os dispositivos que permite à casa “perceber” a que temperatura devem estar determinadas divisões, que luzes deve ligar para simular que está alguém em casa, saber quando deve enviar uma mensagem para o telefone do dono a dizer-lhe que há uma acumulação de fumo anormal na cozinha, entre tantos outros exemplos.
Hoje, o telefone que milhões de portugueses trazem no bolso já tem a capacidade de interagir com alguns sistemas. É fácil ligá-lo para ver as imagens da câmara de vigilância colocada perto do berço do bebé e há sistemas de controlo energético (como o re:dy, da EDP) que, com um simples toque no ecrã, permitem ligar/desligar eletrodomésticos à distância. No entanto, esta Internet das Coisas só vai atingir o seu verdadeiro potencial quando todas essas máquinas ligadas começarem a “falar entre si”, sem qualquer intervenção humana.
Uma grande rede neuronal
Neste momento, enquanto lê este texto, há milhares de ações que estão a ser desenvolvidas dentro do seu organismo. A grande maioria delas é totalmente controlada pelo sistema sem qualquer intervenção consciente da sua parte. É assim que os seus pulmões processam o oxigénio ou as letras da página passam dos seus olhos para o cérebro onde os símbolos formam um código inteligível.
A ambição da comunicação Máquina a Máquina (M2M) é a mesma. Um exemplo simples: uma máquina automática de venda de bebidas fica sem um determinado refrigerante.
Quando a falta é detetada, a máquina envia uma notificação para o sistema de distribuição que a remete para a carrinha de entregas, geograficamente mais próxima.
O condutor recebe a indicação no GPS que tem de fazer uma paragem em determinado local para deixar ficar uma remessa do tal refrigerante em falta. Só nesta parte final é que se deu a intervenção humana. Por enquanto, diga-se. Num futuro repleto de carros autónomos e de pequenos robôs. o refrigerante chega à máquina sem nunca passar pelos olhos de ninguém.
É assim que a comunicação M2M está a abrir as portas à criação das cidades inteligentes, onde tudo vai estar ligado e será comunicante. Sensores colocados nos automóveis vão permitir um controlo mais eficiente do trânsito, porque será possível saber, em tempo real, onde se encontra cada veículo. A iluminação pública e a recolha de lixo são outros dois bons exemplos onde as máquinas, sozinhas, vão garantir ganhos: as luzes só se ligam se estiver alguém por perto e os camiões do lixo só fazem as rotas quando os sensores colocados nos caixotes avisarem que a capacidade está perto do limite.
Nas casas, vai ser agradável ter o sistema de temperatura a ajustar-se automaticamente, porque sabe, pela agenda do smartphone, que os inquilinos têm um jantar que termina por volta da meia-noite e que, ao contrário do que é habitual, não vai ser preciso ter a casa quente às 19 horas. Agora, imagine que a sua T-shirt deteta uma temperatura corporal acima da média, batimentos cardíacos irregulares e tremores.
Pela informação cruzada com a sua agenda e com os dados geográficos inscritos no seu smartphone, o sistema sabe que acabou de regressar de um país africano. Essa informação é cruzada com uma aplicação ligada à Direção-Geral de Saúde, onde há um alerta para um surto de ébola. Automaticamente, o seu telefone vai informá-lo que deve manter-se isolado em casa (até lhe diz qual a melhor divisão para o fazer), ao mesmo tempo que avisa o 112 para o vir buscar. A equipa médica já sabe ao que vem e tomou as devidas precauções. As pessoas que partilham a casa consigo são avisadas que não devem aproximar-se de si. A mensagem também está no televisor da sala. A casa mudou de disposição. O quarto passou a estar em frente à porta da rua para facilitar o acesso da equipa médica. Tudo isto, não vai ter, em momento algum, intervenção humana.
Pode parecer assustador, mas é preciso perceber que a casa do futuro será apenas mais um componente de uma vasta rede neuronal que vai rodear-nos numa interação permanente. A Google, Microsoft, IBM, Intel e Facebook estão já a desenhar sistemas que vão ligar os wearables (“coisas” que vamos usar e que estão equipadas com sensores e conectividade) a sistemas centrais de maior envergadura.
Nos próximos quatro anos vão ser colocados no mercado mais de 135 milhões destes wearables (dados da CCS Insight). São eles o componente essencial da Internet das Coisas. Só falta dar-lhes mais autonomia na comunicação com outros dispositivos. Tudo para que possamos viver mais e melhor.
É para nosso bem. Esperamos.
A CASA DO FUTURO
- EXCEDENTES – A casa produz cinco vezes mais energia do que a que consume. O excedente energético pode carregar automóveis ou até 10 casas ao seu redor
- PAINÉIS – O telhado de duas águas está repleto de painéis fotovoltaicos que inclinam consoante as necessidades
- SOMBRA? – Antes da implementação da casa, o projeto tem em conta toda a envolvência. Se há árvores que dão sombra, a casa roda para as expor, respeitando, por exemplo, as temperaturas desejadas
- VERSÁTIL – Se parte da casa ficar suspensa, a área posterior pode servir como alpendre ou sistema de carga para um carro, por exemplo
- NEM TEM DE RODAR – Consoante a localização da casa, pode nem ser necessário que exista o sistema de rotação. Apenas o telhado fotovoltaico
- AGNÓSTICA – A casa pode usar qualquer tipo de materiais na sua construção
E SE UM DIA A SEGURANÇA DA CASA VEM ABAIXO?
Acordou às três da manhã, outra vez. O alarme disparou porque os sensores de pressão, no pavimento do quarto, assinalaram movimento.
Infelizmente, o seu telefone novo ainda não tem uma app compatível com o sistema da casa.
Tudo poderia ser mais fácil, mas um vírus bloqueou o seu carro autónomo e agora tem de ir de Segway para o emprego. Para piorar tudo, a sua casa autossuficiente em termos energéticos tem uma avaria mecânica e os painéis fotovoltaicos não inclinam.
Sim, a casa do futuro faz muito por si, mas a total dependência tecnológica também pode criar problemas.
No futuro “sempre ligado”, a segurança vai assumir contornos críticos. Vai preocupar-nos a eventualidade dos dados médicos recolhidos pela pulseira usada no pulso serem disponibilizados a potenciais empregadores, que as câmaras que existem em casa possam ser controladas por terceiros para a devassa da vida privada ou, basicamente, que o carro autónomo se possa tornar uma arma de arremesso, literalmente.
A biometria vai desempenhar um papel importante no emparelhamento entre dispositivos. O telefone que vai servir (já serve) para ligar o carro, entrar em casa ou fazer um pagamento bancário, vai ter de estar associado a uma característica única do utilizador. Hoje, tanto o iPhone 6 como o Galaxy S5, por exemplo, já usam leitores de impressão digital para permitir o acesso aos seus conteúdos. É por aqui que vai passar a segurança deste tipo de sistema.
Mas o mais provável é que a biometria tenha, mesmo, de ser cruzada com outros sistemas que permitam uma dupla acreditação para conseguir ter acesso a funcionalidades mais avançadas. A evolução mais extrema pode ser a de se implantar um qualquer sensor mesmo por debaixo da pele.
Um exemplo sobre o que é possível fazer numa comunicação Máquina a Máquina.
A Tesla (fabricante norte–americano de automóveis elétricos), para eliminar um problema de sobreaquecimento nos Modelo S, lançou uma atualização de software que faz com que, sempre que se detetem elevadas flutuações na potência, o sistema baixe, automaticamente, a potência da corrente de carga em 25 por cento.
Esta atualização foi enviada durante a noite e, na manhã seguinte, os carros tinham o problema resolvido sem que os seus proprietários tivessem feito alguma coisa. Agora, imaginese que, em vez desta informação, o carro recebe outra. Maliciosa.
Algo que, por exemplo, diga que quando atingir os 120 km/h os travões deixam de estar ativos.
Impossível? Não.
- Carro – Os carros estão sempre ligados para enviar e receber informações. Alterações de rota, comportamentos erráticos, acidentes. podem ser provocados remotamente por hackers mal-intencionados.
- Casa – O controlo à distância a partir de dispositivos móveis dá demasiado poder a esses equipamentos. Em mãos erradas podem fechar portas, dar acesso a câmaras de segurança, eletrodomésticos e sistemas de controlo de energia.
- Pessoa – Os dados recolhidos pelos wearables podem acabar nas mãos de empresas ou de pessoas que, depois, peçam dinheiro para os manterem privados.