A obra de Kazuo Ishiguro traça um arco temporal que vai desde uma Idade Média imaginada em “O Gigante Enterrado” até um futuro não revelado em “Nunca Me Abandones”. Nos romances do escritor britânico de origem japonesa, existe uma reflexão constante sobre a memória e o tempo. De algum modo, ainda que de uma perspetiva bem distinta, o tema do tempo não é alheio ao cientista Barry Barish, que partilha com Ishiguro, para além desta obsessão, o prémio Nobel que ambos receberam em 2017. A união de Barish com o Tempo é tão forte que a professora Olga Botner, membro da Academia Real das Ciências da Suécia, ao apresentar o físico norte-americano e os seus colegas Rainer Weiss e Kip Thorne no discurso prévio à entrega do galardão, disse o seguinte: “Há cerca de 1300 milhões de anos, quando surgiu a primeira vida multicelular na Terra, dois buracos negros com massas próximas de 30 vezes a do nosso Sol entraram na reta final. Girando a metade da velocidade da luz, chocaram e fundiram-se, o que enviou ondas gravitacionais pelo espaço e tempo, levando informação sobre o que acabava de acontecer.” Assim, Barish, Weiss e Thorne receberam o prémio por narrarem uma viagem em tempo real, embora, na realidade, se tratasse de duas viagens. A primeira, a ocorrida há 1300 milhões de anos que Botner havia referido. A segunda, de apenas um século, o tempo passado desde que Albert Einstein previra a existência de ondas gravitacionais até os três físicos serem capazes de o demonstrar.
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Confirmar que Einstein estava certo implicou duas décadas de trabalho de mais de 1000 cientistas e técnicos provenientes de 18 países diferentes. Barish trabalha no LIGO (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferómetro Laser) em Washington, e foi aí que descobriram que o génio alemão tinha acertado de novo na sua Teoria da Relatividade Geral: “O primeiro registo de uma onda gravitacional”, conta Barish, “ocorreu às 04h50 da madrugada. Não tive um momento Eureca. Foi muito pessoal. O meu momento pareceu mais pânico. Fiz-me duas perguntas. Primeiro, como estamos a ser enganados? Segundo, como nos estamos a enganar?” Não se encontra, numa manhã, antes de se chegar ao trabalho, uma contração do espaço-tempo como as provocadas por ondas gravitacionais. Daí ser complicado saber que benefícios trazem trabalhos como os de Barish e da sua equipa. No entanto, os avanços tecnológicos desenvolvidos para implementar as suas investigações e as consequências das suas conclusões são imensos, porque, como afirmou a professora Botner no seu discurso, “esta observação surpreendente representa o início de uma nova era, a abertura de novas perspetivas para a astronomia e a criação de novas possibilidades para estudar a gravidade próxima dos buracos negros, onde é mais forte.”
Entrevista e edição: Diego Barcala, Pedro García Campos, Cristina del Moral
Texto: José L. Álvarez Cedena