O caso do aluno universitário que alegadamente preparava um atentado na Universidade de Lisboa levou, como seria de esperar, a um grande frenesim mediático. As informações iniciais publicadas indicavam que a detenção do suspeito se deveu a dados intercetados na ‘dark web’, onde o referido aluno teria partilhado as suas intenções.
Não sei, exatamente, qual terá sido a origem da informação inicial, nem é isso que importa para esta análise, mas sim a ‘cascata’ de artigos e ideias erradas a que deu origem. De repente, muitos meios de comunicação não especializados descobriam a deep web e a dark web e multiplicaram-se em explicações. Apesar de ser bom que se explique estes conceitos ao público em geral, o problema é que, como tantas vezes acontece quando se tenta ‘trocar por miúdos’ alguns conceitos tecnológicos, caiu-se no exagero e mesmo no erro. Criou-se imediatamente a ideia que o crime teria sido preparado numa rede obscura, altamente sofisticada e acessível apenas com ferramentas especiais – até se comentou e discutiu como o FBI ou a Polícia Judiciária recorreriam a tecnologias avançadas para intercetar os dados e até ouvi um comentador citar Edward Snowden. Afinal, as revelações do suspeito terão sido feitas na plataforma Discord, criada para jogadores comunicarem entre si, e que se tornou uma plataforma muito popular para chat e chamadas de voz e vídeo em grupo. Ora, a plataforma Discord está longe de ser uma solução tecnológica obscura ou acessível apenas com ferramentas especiais. É, na verdade, uma plataforma que concorre com outras soluções de comunicação populares como o WhatsApp ou o Telegram.
Nota-se pelos comentários nas redes sociais, nomeadamente aos artigos publicados em sites de meios de comunicação social, que muitas pessoas estão a interpretar erradamente a ideia gráfica do icebergue tão partilhada. Não, não é verdade que toda a parte da Internet que fica ‘abaixo da linha de água’ é uma zona obscura dedicada a atividades ilícitas. A esmagadora maioria da informação não acessível via um vulgar browser web é estrutural. É, por exemplo, o que acontece com as bases de dados que permitem que tantos sites funcionem. Quando acede ao seu banco online, as páginas que vê no browser fazem parte da web visível, também conhecida por surface web ou clear web. Mas os dados das suas contas, como transferências ou saldo, bem como das contas dos outros clientes do banco, não são indexáveis nos motores de busca nem visíveis a todos. Estes dados fazem parte da deep web. E é por isto que, de facto, a grande maioria da informação da web está na zona escondida. E ainda bem que está. Podemos pensar em muitos exemplos, como informação interna de organizações, serviços de correio eletrónico, dados médicos e legais, ou, simplesmente, as edições digitais da Exame Informática disponíveis exclusivamente para os nossos assinantes. Como vê, não há razões para se assustar com a deep web.
Uma forma rápida de separar deep web de superfical web: se o Google não consegue encontrar a informação, então é porque faz parte da deep web
Depois entra um outro conceito, o da dark web. Para começar, alguns especialistas nem distinguem os dois conceitos (dark e deep web podem ser sinónimos, como clear ou surface web). Mas tornou-se habitual usar-se ‘dark web’ para separar servidores e serviços digitais que, fazendo parte da deep web precisam, esses sim, de ferramentas especiais para serem acedidos. Ou seja, para aceder a informações nesta zona da deep web não basta ter um nome de utilizador e uma password, como faz para aceder à conta do seu banco online ou às edições digitais da Exame Informática. Poderá ser necessário usar um browser especial e lidar com encriptações específicas.
Ora, se a deep web é, de facto muito grande, bem maior que a tal web superficial, a dark web será uma parte ínfima desta zona escondida (talvez apenas 0,01% da deep web). Não estamos a falar de milhões de servidores como muita gente estará convencida. São relativamente poucos. E, novamente, cuidado com as definições: há quem use o termo dark web para distinguir a zona da deep web dedicada ao cibercrime. Mas a dark web também pode ser usada com objetivos benignos, como base para comunicação entre ativistas em regimes totalitários.
A conclusão geral é que web só há uma: uma gigantesca rede de computadores que conseguem comunicar uns com os outros graças à utilização de protocolos de comunicação comuns. Dentro desta rede há todo o tipo de informação a circular.