“O espaço nunca será para mulheres. Os ossos delas não aguentam”, disse-me há uns 25 anos, num inglês carregado de erres, um engenheiro do programa espacial russo. Na altura, fui respeitosa na contra-argumentação, mas a conversa nunca mais me saiu da cabeça. De cada vez que me deparo com um sucesso espacial no feminino, sinto-me vingada e com vontade de o gritar ao dinossauro russo. Hoje de manhã, ao ouvir falar sobre a estreia do filme O Espaço Entre Nós voltei a sentir a satisfação de quem ganha uma discussão – contra factos não há argumentos. A sinopse do filme também me fez recordar a médica, astronauta e ex-ministra da ciência francesa, Claudie Haigneré, que entrevistei por duas vezes. A primeira na qualidade de astronauta da Agência Espacial Europeia (ESA), a segunda como governante.
No filme, que ainda não vi, a personagem interpretada pela misteriosa atriz francesa Eva Green enfrenta dois grandes desafios. Um que é exclusivo desta espécie de super-humanos, sujeitos a testes de resistência física extremos, que incluem treinos em que o corpo é sujeito a forças cinco vezes superiores à aceleração da gravidade, de robustez emocional para aguentar a infinita solidão do espaço e de perícia tecnológica e intelectual. Já o outro desafio encarnado pela dupla Eva Green e Zélie Boulant-Lemesle, que faz de sua filha, faz parte dia-a-dia de boa parte das mulheres – como conciliar a maternidade com uma vida profissional exigente.
Tal como a heroína do filme, também Claudie tem uma filha, de quem esteve separada durante as suas viagens ao espaço. Numa das conversas que tivemos, Claudie contou um episódio que tem tanto de caricato como de lição de vida. Quando estava lá em cima, a bordo da Estação Espacial Internacional, Claudie usou o tempo de satélite a que tinha direito para ligar à filha, na altura com quatro anos. Quando veio ao telefone a menina respondeu que agora não lhe dava jeito falar porque… estava a brincar. Claro! Não é por a mãe ser uma astronauta, a 500 quilómetros de altitude, que as prioridades da pequena haveriam de mudar. Outra recordação que me ficou da segunda conversa com a astronauta transformada em ministra é que quando se chega a governante, em França, manda o protocolo que se fale francês. Uma as razões, estou eu a supor, para Claudie, que chegou a comandante de uma missão, ter admitido ser muito mais difícil conduzir os destinos de um ministério do que uma nave espacial.
Toda a vida de Claudie, médica especialista em radiologia, mostra que o espaço é para todos, incluindo as mulheres que são mães. Desde que se seja um super-humano.