Em 2009, por consequência do primeiro dividendo digital (readaptação do espetro radioelétrico para alargar serviços de dados móveis em detrimento da velhinha televisão analógica), a Televisão Digital Terrestre de difusão livre (vulgo TDT) veio substituir a televisão analógica que, durante décadas, foi a única forma de ver televisão em Portugal [1] para grande parte da população. À época da transição analógico-digital, ouviam-se vozes que passaríamos a ter uma série de vantagens como espetadores, no mínimo com uma oferta de mais canais facilmente permitida com a nova tecnologia. De facto, tal foi verificado mesmo aqui ao lado em Espanha e noutros países Europeus, mas tal não se verificou de imediato em Portugal onde se passou de 4 canais analógicos para 4 canais digitais e, só posteriormente, a partir de 2013, é que se aumentou o número de canais – primeiro com o Canal Parlamento e, mais recentemente, com a RTP Memória e a RTP 3.
Quando se efetuou a transição também se avaliou a possibilidade de instalar Multiplexers de caráter e produção preferencialmente local e regional, permitindo que produtoras independentes pudessem criar os seus próprios conteúdos, de forma semelhante às rádios locais, contribuindo desta forma para a vinculação da população à sua região, problemas e vivências. Isto porque os canais disponíveis em sinal aberto muitas vezes ignoram os problemas locais insistindo que em “Vinhais é relevante ouvir todas a manhãs o congestionamento na IC19 e da 2ª circular”. Algo que nunca chegou a ser vertido em nenhuma portaria de forma clara.
Ora a difusão de televisão em sinal aberto é de facto a forma de televisão mais democrática que podemos ter, pois chega praticamente a 100% da população, de forma gratuita, com um ‘simples’ investimento num recetor de TV que pode ser adquirido a valores razoáveis (inferior a 100€), mas esta só se torna de facto interessante se tiver conteúdos relevantes para a população e diversificação de canais.
A par com a transição analógico-digital e em nome da comodidade e da vantajosa oferta de dezenas de canais generalistas e temáticos, as operadoras de televisão por cabo/fibra inundaram o mercado em 2009, ficando a população que apenas depende da TDT para ver televisão reduzida a cerca de 14% da população Portuguesa [4]. Notícias recentes dão nota na comunicação social, que talvez a TDT se pudesse alterar em 2023, e dependendo da decisão final, espera-se que não se pense em acabar ou eliminar esta forma de transmissão, pois por vezes é a única forma de comunicação digital para pessoas de recursos reduzidos.
Numa situação única e urgente como a que estamos a passar e na qual se pretende chegar a todo o país de forma rápida e eficiente volta-se de novo a falar da TDT, e da possibilidade de regressar à telescola através da mesma.
Reaprende-se assim o valor social e importância do sinal aberto e livre como a única forma de chegar a todos de forma igualitária, demonstrando que a teledifusão é a solução mais democrática e justa para toda a população, e a escolha deste método de difusão da informação é de facto a forma mais eficiente de o realizar.
Também merce reflexão o canal escolhido para transmitir a Escola OnLine. Fala-se em substituir a RTP Memória com esta nova telescola. A RTP Memória tem um nível de audiências como o que foi estimado pela consultora Nova Expressão [5], com um share de 0.7%, e presumivelmente dominado pelo público mais idoso. Sim, é pouco expressivo, mas de certeza fará falta a alguém que poderá não ter outra opção. Porque não utilizar o Canal Parlamento com audiências ainda menores, ainda que de relevante valor de serviço público? …mas as opções políticas são por vezes enigmáticas!
Mas, e se realmente tivessem existido os Multiplexers regionais? Bom aí o contacto seria muito mais próximo e permitiria por exemplo ter conteúdos mais focados no universo regional muito mais centrado nas populações e nos agrupamentos locais… quem sabe se não é o reinício duma discussão pendente para o futuro?
O que nos dizem estes tempos de pandemia e quase isolamento é que de facto o regresso à produção independente, local e não globalizada é fundamental.
Bibliografia
[1] Lei n.º 27/2007 de 30 de Julho Aprova a Lei da Televisão, que regula o acesso à actividade de televisão e o seu exercício – Diário da República, 1.ª série — N.º 145 — 30 de Julho de 2007
[3] Portaria n.º 207-A/2008 – Publicação: Diário da República n.º 39/2008, 1º Suplemento, Série I de 2008-02-25
[3] DIREITO DE UTILIZAÇÃO DE FREQUÊNCIAS ICP-ANACOM Nº 06/2008
[4] “86% das famílias pagam para ver TV”, Correio da Manhã, 2019
[5] NOVA Expressão, Semana 13 , Março 2020