Sabe quem é que estava preparado para esta crise da Covid-19? Ninguém, absolutamente ninguém. Quero já deixar isto bem claro. Nunca se está verdadeiramente preparado para uma crise como aquela que estamos a viver, sobretudo quando se trata de uma pandemia que se move mais rápido do que a nossa capacidade para assimilar a real dimensão da situação.
Há dias fui pesquisar sobre o primeiro caso confirmado do novo coronavírus (SARS-CoV-2) em Itália, o país onde a situação é mais dramática. No dia 31 de janeiro, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, confirmou publicamente os dois primeiros casos, e disse o seguinte: “Não há razão para criar alarme social ou pânico”. Hoje parece quase uma brincadeira de mau gosto, mas só vem confirmar a escala e velocidade de propagação do problema que estamos a passar. Eu incluído: lembro-me perfeitamente de ver as primeiras notícias, no início de janeiro, sobre um novo surto na China e achar que, pronto, é mais um daqueles pequenos problemas que existem lá do outro lado do mundo e que nunca me vai afetar… O que aconteceu depois disso tem sido uma verdadeira chapada de luva branca de humildade e sobre como estamos, a nível pessoal e enquanto sociedade, impreparados para reagir a tempos de verdadeira crise. Repare, só nos pedem para ficar em casa, esse esforço hercúleo digno de odes cantadas, mas mesmo assim há quem não consiga cumprir.
A situação da Covid-19 tem dado que pensar e, pelos meus gostos pessoais e profissão, tenho pensado muito em como tecnologicamente, apesar de todos os avanços e ferramentas à nossa disposição, não estávamos preparados para responder a uma situação destas. Falamos em carros voadores, em mandar o Homem para Marte, em como vamos ser dominados por uma inteligência artificial qualquer, mas depois quando acedo ao site do Auchan para fazer compras online pedem-me que fique numa lista de espera virtual. Sim, é bom manter a ordem, mas em ambiente online não é esta a experiência que as pessoas procuram e precisam. O banco Caixa Geral de Depósitos anunciou que a adesão ao serviço Caixadirecta já dispensa – finalmente, digo eu – a deslocação à agência. Coincidência?
A situação que me parece mais caótica neste momento é a do ensino à distância. Fechar as escolas foi uma das decisões mais importantes para evitar a propagação da Covid-19, mas os relatos que tenho ouvido, através de contactos profissionais, notícias e publicações nas redes sociais, são de total falta de preparação para algo que já devia ser uma realidade na vida de milhares de estudantes, pais e professores.
Uma pessoa com ligação ao sistema de ensino em Portugal dizia-me que “a esmagadora maioria das escolas públicas não tem condições técnicas para o ensino à distância”. Pssst: esta é a melhor oportunidade que temos para repensar o tema! Depois há a questão do teletrabalho, outra realidade que já devia ser muito mais praticada em Portugal [procure no Google por ‘Foi preciso um coronavírus para nos mostrar o futuro do trabalho’ e eu digo-lhe porquê].
Quando se fala em ligar uma VPN ou deixar os documentos numa cloud partilhada, as pernas de muitos trabalhadores tremem. Aqui distribuo a culpa por duas partes: às próprias pessoas que devem estar mais dentro destes assuntos, como uma mais-valia profissional e também para pronta resposta em caso de necessidade; e às empresas, que também não dão o devido treino e formação aos trabalhadores.
O Slack e o Microsoft Teams não deviam ser ‘rocket science’, mas sim ferramentas já usadas em muitas empresas portuguesas, que agora estão a correr contra o tempo para manterem todos online, seguros e produtivos. E quando as coisas se fazem em cima do joelho, tem tudo para correr bem, certo? [Alerta de ironia]. E o Skype, o Skype… achar que o Skype ainda é ‘A’ plataforma para videoconferência só mostra como muitos ficaram parados no tempo. Dez anos depois e ainda perguntamos ‘consegues ouvir-me?’!
E sim, também tenho pensado muito nos meios de comunicação, que têm à vista uma crise sem precedentes, e que talvez não tivesse de ser tão aguda se se tivessem preparado para a digitalização, sobretudo nos modelos de negócio, de forma atempada. Estes são alguns dos exemplos com os quais me tenho cruzado de forma mais frequente, mas certamente que saberá de outros e que, espero, o façam pensar que as ligações de fibra que temos em casa e nas empresas têm muito mais potencial do que aquele que realmente lhe atribuímos.
Sei que parece muito fácil falar disto tudo agora, quando o drama está a acontecer, e quando o quotidiano como sempre o conhecemos parece estar feito em cacos. Mas a verdade é que há anos que ouço falar de digitalização das empresas, de transformação digital, da integração de ferramentas tecnológicas, de jargões 4.0, de gestores todos ‘pra frentex’ e depois vejo algumas das áreas mais essenciais da sociedade moderna a viver num caos e cujas verdadeiras consequências ainda vamos precisar de mais alguns meses para apurar a dimensão daquilo que nos atingiu. Sabe o que é que eu acho? Que durante estes anos foram muitos os que andaram a brincar à digitalização e que agora têm à sua espera uma pesada fatura para pagar.
Mas a César o que é de César, e por isso tiro também o meu chapéu a todos, profissionais e empresas, que de facto souberam fazer a transição digital e hoje navegam, com mais alguma facilidade, este temporal provocado por um vírus. Que nas próximas semanas se multipliquem os exemplos daqueles que souberam passar pelos pingos da chuva, para que todos os outros possam aprender algo de palpável e prático com esta pandemia – caso contrário, de que valem todos estes sacrifícios que estão a ser feitos?