“Não sejam suaves comigo, quero saber aquilo que pensam”. Foi assim que Mike Schroepfer estabeleceu o tom do período de perguntas da audiência num evento promovido pela Oxford Union, o grupo de debates da famigerada universidade britânica, na terça-feira passada. Mais do que tentar ser simpático, o CTO do Facebook mostrou plena consciência da dualidade da sua posição: é uma das principais figuras do mundo tecnológico a nível global, mas trabalha para aquela que tem sido uma das empresas mais criticadas dos últimos anos.
“Aprendi algumas lições duras na minha década nas tecnologias. O impacto da tecnologia tem de ser central à medida que fazemos a tecnologia, não depois”, sublinhou o executivo, numa espécie de mea culpa pelas diferentes polémicas nas quais o Facebook esteve envolvido, mas sem referir casos específicos. O executivo defende que é preciso garantir que o Facebook constrói produtos que são “bons para a sociedade” e para isso criou “um grupo de inovação responsável, para garantir que todas as tecnologias são criadas de forma responsável”. Ou seja, o lema ‘move fast, brake things’ (move-te rápido, parte coisas, em tradução livre), que chegou a ser incluído no prospeto de investimento da tecnológica antes de entrar na bolsa de valores americana, parece ter os dias contados.
Um exemplo: deepfakes. Apesar de considerar que os vídeos gerados por mecanismos de Înteligência Artificial (IA) são um problema, ainda não têm sido um grande problema nas plataformas do Facebook. Mas isso não impede que a tecnológica já esteve a investir de forma séria na deteção de deepfakes. “É um dos temas nos quais quero construir uma defesa antes do problema aparecer. Se for um problema, que ferramentas preciso de ter? Se for um problema daqui a vários anos, temos de começar a trabalhar em soluções agora”.
Transportar? Não, teletransportar
Apesar dos tropeções dados pelo Facebook – e outras tecnológicas, diga-se – em áreas como a privacidade, segurança e transparência, Mike Schroepfer pede para que se resista ao ímpeto de duvidar de um futuro melhor por causa dos avanços tecnológicos. “Esta vai ser, talvez, a melhor década de sempre”, disse aos alunos e jornalistas que assistiam à apresentação. “Estou a falar de biologia computacional, de realidade virtual, de internet de altíssima velocidade, de baterias a alimentarem tudo e de Inteligência Artificial. Tudo vai melhorar na próxima década”.
Sim, mas exatamente o quê? O que é que daqui a dez anos será radicalmente diferente do que temos hoje em dia? Para esta questão, Mike Schroepfer tem duas respostas. Uma é a Inteligência Artificial (IA). “Hoje as maiores tecnológicas dependem de IA para os seus negócios. Em algumas décadas, todos vão depender”, atirou o responsável, que depois deu o exemplo de um produto de hardware, os Oculus Quest 2, que não seriam possíveis de materializar sem avançados algoritmos de reconhecimento visual por computador (computer vision).
E apesar de o Facebook usar Inteligência Artificial em quase todos os seus produtos – na categorização da importância das publicações e dos anúncios a mostrar aos utilizadores, na criação de legendas automáticas em vídeos e, mais recentemente, na utilização de IA para moderação de conteúdos violentos ou ofensivos –, a empresa traçou há alguma tempo uma linha importante. “Decidimos não investir em tecnologias de geração de conteúdos. Tens de fazer escolhas conscientes entre o balanço da tecnologia, a supervisão humana e o impacto que vai ter no mundo”.
Mas a grande aposta de Schroepfer para a década é outra. “Imagino que daqui a dez anos vamos ter humanos virtuais e experiências de realidade virtual tão reais que as pessoas vão preferir não viajar, mesmo tendo a oportunidade para isso. Vamos ser capazes de nos teletransportar em vez de transportar. Acho que é isso que vai ser fundamentalmente diferente daqui a dez anos”.
E a combinação de tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada vai permitir à sociedade libertar-se da maior parte dos gadgets que tem atualmente, defende Mike Schroepfer. “A tecnologia devia ser facilitadora e não uma distração [de estar com pessoas]. Penso que esta computação integrada no nosso ambiente vai dar-nos mais tempo para estar com as pessoas e vai tirar mais a tecnologia [hardware] da nossa vida”.