Um punhado de pesquisas e comparações com os mapas da Google são suficientes para descobrir alguns dos percursos usados pelos utilizadores da app Strava quando entram em perímetros militares portugueses. O Ministério da Defesa Nacional, a Polícia Judiciária Militar, o Comando Aéreo da Força Aérea e a sede do SIS em Lisboa; o Quartel General Conjunto da NATO, em Oeiras; Regimento de Paraquedistas e Regimento de Engenharia, de Tancos; o Campo Militar de Santa Margarida; as Bases Aéreas do Montijo, Samouco e Monte Real; a Base Naval do Alfeite; o Centro de Tropas de Operações Especiais de Lamego; e o Regimento de Comandos na Carregueira – todos estes complexos militares constam no denominado mapa de calor que foi criado ao longo do tempo pelos fãs que usam a app de telemóvel, para serem monitorizados pelo sistema de localização por GPS, enquanto correm, andam de bicicleta ou enveredam pelas atividades náuticas.
No mapa de calor que a Strava divulgou recentemente, não há forma de confirmar que os percursos tenham sido realizados por militares portugueses durante missões ou períodos de trabalho – e nem todos aqueles percursos serão propriamente desconhecidos ou secretos, como se pode confirmar pelas imagens aéreas que também já constam há vários anos no Google Maps. Mas em algumas situações surgem troços e caminhos que notoriamente se encontram dentro dos complexos militares – e que aparentemente não deverão ser usados por civis durante as tradicionais sessões de corrida ou bicicleta. No caso da Base Naval do Alfeite, há mais um detalhe que se destaca: os percursos não se limitam às sessões de corrida e bicicleta e revelam igualmente os percursos de embarcações que transportaram utilizadores da Strava.
O mapa de calor agrega e sinaliza com diferentes cores os movimentos de milhões de pessoas em todo o mundo – e a Strava reitera que esses percursos foram devidamente anonimizados por questões de privacidade e segurança. As pesquisas efetuadas dentro desse mapa de calor não permitem localizar os complexos militares portugueses pelas denominações oficiais, mas uma pesquisa pelas vilas, localidades ou cidades que geralmente estão associadas aos nomes dessas unidades bastam para, com mais ou menos cliques, identificá-las no mapa.
No site e na versão app da Strava, é possível usar ferramentas que acrescentam alguma informação que permitirá suplantar a anonimização aplicada aos mapas de calor. Seja através dos “amigos” que são “seguidos” dentro da app ou através dos percursos ou localizações que se encontram em arquivo, mantém-se a hipótese, pelo menos teórica, de um utilizador descobrir um militar que fez um percurso dentro de um complexo militar – que poderá estar ou não classificado como secreto.
A potencial exposição de dados sensíveis está longe de ser um exclusivo das Forças Armadas Portuguesas. Dos EUA, chegou a notícia de que a Strava permite identificar, com os nomes completos, pelo menos 50 operacionais de uma base aérea do Afeganistão, assim como as datas em que levaram a cabo exercícios nas imediações dessa base. Há também uma situação similar ocorrida num aeroporto do pequeno estado do Djibuti, em África, que tem vindo a ser usado como base de drones dos militares dos EUA.
A revelação desta informação já levou as forças armadas dos EUA a reagir: «O Departamento de Defesa encara estas matérias de forma muito séria e está a rever a situação para determinar se é necessário levar a cabo algum tipo de formação ou diretiva», anunciou o Pentágono, em comunicado reproduzido pela imprensa dos EUA.
A publicação dos percursos dos fãs de corrida, bicicleta ou atividades náuticas tem vindo a ser encarada como uma potencial ameaça pelas forças armadas de vários países – mas foi nos EUA que o epicentro da controvérsia teve lugar. De acordo com a imprensa dos EUA, o mapa de calor da Strava acabou por revelar bases militares desconhecidas e caminhos secretos dentro de complexos militares. Esses percursos terão sido revelados pelos utilizadores da Strava que mantiveram a app a operar durante exercícios rotineiros, ou que apenas se esqueceram de a desativar ao passar por locais de acesso restrito.