Kathleen Richardson não é propriamente uma protetora dos direitos dos robôs. Mas não suporta a ideia de que haja robôs usados para sexo. Ben Goertzel desenha e fabrica robôs inteligentes – e não tem nada contra a possibilidade de cada pessoa fazer o que quer a um robô – «desde que não tenha sentimentos nem consciência». Os dois passaram esta quarta-feira pelo palco dedicado à robótica na Web Summit e, por momentos, os dois estiveram a um pequeno passo de perder a compostura.
Ele: «Como é que banir robôs sexuais pode impedir a pobreza e a escravatura no mundo?»
Ela responde: «Também há quem ache que comprar crianças filipinas é libertário».
E os dois voltaram para dentro dos limites da urbanidade logo de seguida. Ela, antropologista formada na Universidade de Cambridge com um largo trabalho feito na robótica social no MIT e agora professora na Universidade de Monfort; ele, cientista chefe na Hanson Robotics, no dia a seguir a ter feito um figurão – nem sempre bem recebido, diga-se – no palco principal da Web Summit com os robôs Sophia e Professor Einstein.
Como seria de esperar num debate que questionava a razoabilidade de banir robôs sexuais, a abertura das hostilidades começou pela voz do descontentamento. «Um dos argumentos mais comuns é dizer que os robôs sexuais são como vibradores sofisticados. Há vibradores deste tamanho (faz um gesto com as mãos a ilustrar 20 ou 30 centímetros) e até deste tamanho (faz um gesto com as mãos a ilustrar um comprimento de mais de meio metro). Mas ninguém diz que o vibrador é a namorada, pois não?», atirou Kathleen Richardson.
A discussão estava montada. Kathleen Richardson não se conforma com a robótica que é uma extensão do «egocentrismo misógino» e da lógica do «amo e do escravo» que vê as mulheres apenas como objetos sexuais – e por isso não aceita com a transposição dessa iniquidade implícita para a robótica. Precisamente por perpetuar a lógica do desprezo pelos sentimentos e pela humanidade das mulheres.
Sem dúvida que a defesa dos direitos das mulheres é uma das mais nobres causas da humanidade, mas não serve para tirar todas as dúvidas. Num pequeno inquérito lançado do palco, dá para ver a olhómetro que poucos ousam levantar o braço em público em sinal de aprovação do sexo com robôs. Quantos dos que se mantêm com os braços em baixo estão tomados pelo misto de vergonha e hipocrisia?
A questão não é de somenos – ali, naquela plateia, os homens estarão numa proporção de, pelo menos, três para cada mulher; e quase todos trabalham na área das tecnologias. Tal como Ben Goertzel. E por isso terão dificuldade em aceitar limites à criação de produtos – e ao desejo de, enquanto donos e proprietários, fazerem o que quiserem com esses produtos. «(banir robôs do sexo) É contra os ideais de liberdade ocidentais e não vai funcionar», defende Ben Goertzel. O cientista da Hanson Robotics esclarece ainda: «Estaríamos a limitar uma evolução tecnológica, que é mais importante que os robôs do sexo».
E sem sequer subir ao palco, é a robô Sophia que entra na conversa. Kathleen Richardson denuncia o contrassenso de uma robô que conseguiu direitos de cidadania na Árabia Saudita – provavelmente um dos países onde os direitos de cidadania das mulheres estão mais limitados. Ben Goertzel lembra que as mulheres também têm um papel de relevo no Corão e no Islão, mas confirma que não têm os direitos que ele próprio ou David Hanson, fundador da Hanson Robotics, consideram que deveriam ter para viver em plano de igualdade com os homens.
Até que a discussão sobe novo degrau de complexidade. Goertzel admite que a Arábia Saudita é uma ditadura que não reconhece os direitos das mulheres, mas descortina uma virtude no que aos robôs diz respeito: «dentro de cinco ou seis anos, podemos ter um robô que é inteligente o suficiente para reclamar os seus direitos de voto. E estou feliz pela Arábia Saudita ter aberto a questão da cidadania robótica».
Para Kathleen Richardson, o objetivo é mais longínquo – mas pode dar o dia por ganho. Afinal de contas não é todos os dias que pode lançar o repto para uma sociedade menos machista e mais paritária junto de uma plateia de cheia de tecnólogos – e conseguiu juntar aos aplausos das senhoras presentes os de alguns cavalheiros mais esclarecidos.
Em contrapartida, Goertzel pode ficar descansado: não mandou qualquer pedrada no charco contra o establishment dominante e por isso mereceu o aplauso visivelmente maioritário – apenas e só por defender a livre criação e desenvolvimento de produtos. O que não responde à questão: é a liberdade de criação que abre as portas ao machismo tecnológico; ou é o machismo tecnológico que controla a liberdade de criação?