Às 23 horas de sábado, foram acionados os procedimentos necessários para que duas das estações móveis da rede SIRESP se encaminhassem para a zona de Pedrógão Grande. O caso não era inédito nem raro: nas zonas afetadas pelos incêndios é comum os cabos de telecomunicações que ligam as 550 estações de comunicação de emergência que foram instaladas no país para uso exclusivo das forças de segurança, bombeiros e Ministério da Administração Interna (MAI) ficarem queimados e deixarem de funcionar.
No mais fatídico dos dias de que há memória numa época de incêndios, os serviços do MAI recebem a indicação de que as estações retransmissoras de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Malhadas e Serra da Lousã perderam as respetivas ligações à rede devido ao derretimento de cabos. Nenhuma das estações foi danificada; apenas os cabos que as ligam foram afetados, apurou o Expresso. Uma das fontes contactadas garante que estas ligações também terão sido afetadas por falta de energia.
Além do SIRESP, também as redes dos operadores móveis ficaram sem funcionar. Num dos três operadores, o apagão é especialmente importante: os retransmissores da rede SIRESP usam cabos e postes mantidos pela Meo, ao abrigo de um contrato de uso de infraestrutura. Ao arder a rede da Meo que liga os retransmissores de telemóveis, acabam por arder igualmente os cabos que são usados para ligar as estações da SIRESP.Seguindo os procedimentos determinados pelo Executivo desde o início do ano com o objetivo de gerar maior agilidade dos meios de contingência, o MAI requisitou duas unidades móveis da SIRESP para suprir falhas de rede. A requisição haveria de dar a conhecer outro tipo de revés. Uma das unidades móveis tem vindo a ser mantida pela PSP; e outra pela GNR. A GNR ainda terá tratado de destacar a equipa que deveria transportar a unidade móvel até ao local, mas esta unidade móvel encontrava-se em reparações, devido a um dano registado na antena periscópica aquando das operações que a GNR montou no terreno durante a visita do Papa Francisco a Fátima. Pelo que apenas a unidade móvel mantida pela PSP se fez à estrada.
Unidades móveis pesadas e ligeiras
Por volta das 8h00 da manhã de domingo, a unidade móvel começou a operar numa colina próxima de Pedrógão Grande para garantir a maior cobertura possível. A envergadura do veículo, o relevo, a extensão dos incêndios, as nuvens de fumo, a própria quebra nas comunicações e os procedimentos implicados na instalação da unidade móvel ajudam a explicar as horas que a unidade móvel demorou a deslocar-se e a ficar operacional.
O MAI poderia ter recorrido a mais duas unidades móveis ligeiras que foram adquiridas recentemente, para garantir maior rapidez no restabelecimento das redes. Só que estas unidades ainda não dispõem de ligações por satélite.
Mal chegou a Pedrógão Grande, a única estação móvel disponível começou a cumprir a missão para que foi criada: criar um posto retransmissor que recorre às comunicações por satélite para, em simultâneo, estabelecer ligações à rede SIRESP e com os terminais de rádio das forças de segurança que se encontram no terreno. Deste modo, quem se encontrava no terreno passou a poder comunicar com o centro de operações e com os níveis hierárquicos superiores da Proteção Civil, das polícias, bombeiros ou MAI. Sem a SIRESP, os bombeiros e os GNR situados no local tiveram de operar com redes de rádio que têm canais próprios e que nem sempre coincidem. O que limita a concertação de esforços e manobras.
A estação móvel haveria de mudar de lugar nos dias seguintes, à medida que os piquetes da Meo foram restabelecendo as ligações danificadas pelos incêndios. «O objetivo é restabelecer as comunicações afetadas por estes incêndios, de acordo com as necessidades das autoridades e das populações, sempre tendo em conta as condições de acesso aos locais afetados. A Meo disponibilizou desde logo sistemas de comunicações via satélite que permitiram que os serviços públicos operassem nos períodos mais críticos dos incêndios», refere a Meo, num e-mail enviado para o Expresso.
A rede SIRESP é gerida por uma parceria público-privada em que participa o MAI, a Meo e a Motorola, entre outras entidades.
Cabos derretidos
A estação da SIRESP de Pedrógão Grande voltou a dispor de ligações à rede esta segunda-feira de manhã – e a unidade móvel foi deslocada para Figueiró dos Vinhos para restabelecer a ligação do posto local à rede SIRESP.
A unidade móvel só viria a sair de Figueiró com o restabelecimento das ligações por cabo, que terão ficado concluídas na manhã desta terça-feira. Malhadas foi o destino que se seguiu. E já no final da tarde, com o retransmissor de Malhadas devidamente ligado por cabo, a unidade móvel terá sido encaminhada para o retransmissor da Serra da Lousã, que foi afetado de duas formas: o incêndio derreteu os cabos usados nas comunicações e também os cabos usados na rede elétrica.
O Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal que está na origem da sigla SIRESP e que foi, entretanto, rebatizado por Rede Nacional de Emergência e Segurança, está desenhado para garantir parte da operacionalidade, mesmo quando as ligações às redes de eletricidade e telecomunicações foram cortadas. E é neste ponto que se encontram as principais diferenças face às redes de telemóveis.
No caso de não terem ligações à energia elétrica ou à rede de telecomunicações, os retransmissores das redes móveis deixam simplesmente de operar. Nestes cenários, os transmissores do SIRESP podem recorrer a baterias com cerca de seis horas de autonomia e continuam a permitir ligações entre todos os terminais compatíveis que se encontram a uma distância máxima de 30 quilómetros, que varia consoante o relevo. O que significa que os membros das diferentes equipas no terreno continuam a poder comunicar entre eles – mas não com o comando central ou com os níveis hierárquicos superiores, pois as comunicações com o resto da rede são feitas por cabo. Só as comunicações com os terminais de rádio dos operacionais são feitas por via hertziana.
A dependência do SIRESP face às redes móveis é notória mesmo para quem não é engenheiro. Fonte contactada pelo Expresso confirma, por seu turno, que «do ponto de vista de um engenheiro faz todo o sentido criar uma solução que leve o SIRESP a não depender das redes móveis, mas alguém da área financeira logo dirá que não faz sentido nenhum».
Em causa estão os custos implicados nas opções que são simultaneamente à prova de fogo e não dependem dos operadores móveis: as ligações por satélite poderiam garantir a cobertura do país inteiro sem grandes problemas, mas têm custos incomportáveis para uma rede que deve estar operacional durante o ano inteiro e não apenas na denominada época de incêndios; a instalação de uma rede subterrânea também poderia evitar perdas de rede, mas poderá revelar-se igualmente cara e será sempre morosa se for usada para ligar as 550 estações da rede.
Entretanto, o fogo prossegue a triste senda, alheado às contingências técnicas e financeiras de uma rede que custou mais de 485 milhões de euros e nunca se livrou da polémica: o denominado “incêndio de Góis” derreteu os cabos do retransmissor do SIRESP na Pampilhosa. A previsão apontava para o restabelecimento das ligações ainda hoje.