Até 22 de março, pelo menos, cinco carros que alegadamente terão recebido serviços da Uber foram alvo de levantamento de autos por parte da PSP em Lisboa. A informação é confirmada pelo gabinete de imprensa da Polícia de Segurança Pública, que fez saber que, «perante inequívocos indícios de que o carro trabalha para Uber, são levantados autos».
Paulo Flor, responsável pelas relações com a imprensa da PSP diz que os agentes que se encontram nas ruas de Lisboa e do Porto estão a par da situação em que os carros da Uber operam em Portugal: «Não é feita uma fiscalização direcionada para estes tipos de infração. É bem diferente parar um táxi, que está identificado com uma caracterização específica, e um carro que pode ter ou não uma determinada cor, recolhe ou larga passageiros, mas que é mais difícil identificar como estando a trabalhar com a Uber».
A PSP apenas levanta os autos. A confirmação da irregularidade e a aplicação de coimas são determinadas posteriormente pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). Apesar de contactado por diversas vezes através dos respetivos serviços de assessoria de imprensa, o IMT não indica quantos autos estão atualmente em apreciação desde que a Uber começou a operar no País (os serviços arrancaram em julho de 2014, e abrangem atualmente Lisboa e Porto).
Num e-mail com respostas oficiais enviadas para a Exame Informática, a Uber não refere qual o grau de responsabilidade que está disposta a assumir nos custos que os motoristas autuados possam, eventualmente, ter de suportar no futuro: «A Uber não presta um serviço de transporte, pelo que não tem veículos e não emprega motoristas. O que a Uber faz é ligar a pessoas a prestadores de serviços de transporte no mercado através da sua plataforma. Isto permite, por um lado, que os utilizadores tenham acesso a viagens mais convenientes, seguras e económicas e, por outro lado, que os prestadores de serviços de transporte tenham acesso a importantes oportunidades económicas e a formas mais seguras e eficientes de trabalhar. Todos os parceiros da Uber cumprem com os devidos requisitos legais para exercerem as suas atividades, que já o faziam antes da chegada da Uber a Portugal».
São duas ideias-chave reiteradas pela Uber na defesa da sua legalidade: 1) a empresa apenas disponibiliza uma plataforma eletrónica; e 2) recorre apenas a serviços que já se encontram licenciados em Portugal. Apesar do crescente número de clientes, nem toda a gente estará de acordo com esta perspetiva: João Carvalho, presidente do mesmo IMT que não refere quantos autos foram levantados, já fez saber que a Uber está atuar à margem da lei atual, mas também apelou aos decisores políticos para que procedam a uma mudança da legislação em vigor; A ANTRAL, a arqui-inimiga da Uber, não tem pruridos em considerar que a Uber está ilegal por encaminhar passageiros para os denominados “rent-a-cars” que, nas palavras de Florêncio Almeida, serão a maioria da frota que usa a mais famosa plataforma de transporte de pessoas.
A Uber defende-se das acusações da ANTRAL da seguinte forma: «Em Portugal, a Uber opera apenas com parceiros licenciados para o transporte de pessoas em veículos ligeiros ao abrigo da legislação em vigor. Este tipo de parceiros, que já prestava estes serviços antes da chegada da Uber ao mercado português, inclui Táxi A, Táxi T e empresas de “rent-a-car”. A Uber veio ligar estes parceiros de forma mais eficiente às pessoas – os utilizadores da plataforma – trazendo-lhes mais clientes, criando-lhes importantes oportunidades económicas».
Nos casos dos Táxis A e Táxis T (licenciados para o segmento de luxo, e para turistas que não recorrem às praças de táxis, respetivamente), os serviços da Uber não merecem grandes críticas dos representantes dos taxistas. São sobretudo os carros alugados (os “rent-a-cars”) que originam os protestos dos taxistas portugueses. Florêncio Almeida não hesita em considerar que os rent-a-cars apenas estão licenciados para transportar quem os aluga (e não para transportarem terceiros mediante um pagamento).
A PSP confirma que os motoristas não licenciados para o transporte de terceiros podem ser alvo de um “sortido” de multas. E até a Uber pode vir a ser alvo de uma coima, caso não tenha garantido a devida licença para operar no mercado nacional. Eis a lista de infrações puníveis: falta de alvará, (multa de 1247 a 14.989 euros, consoante seja indivíduo ou empresa); inobservância da caracterização do automóvel (de 150 a 449 euros); inexistência de certificado de aptidão profissional (de 625 a 1875 euros); plataforma que não tenha certificado para a contratação de motoristas (625 a 3750 euros); inexistência de uma tabela de preços certificada pela ASAE (de 249,40 a 29 mil euros).
A Uber rejeita estar a beneficiar de um plano de desigualdade face aos requisitos que são aplicados aos táxis “tradicionais”: «Os parceiros da Uber não prestam, nesta qualidade, um serviço de táxi. Um motorista ligado à plataforma da Uber não pode apanhar passageiros na rua, e não pode fazer usufruto de praças de táxi. Todos os pedidos de viagem têm de ser realizados através da aplicação – o utilizador tem de optar por fazer download da aplicação, tem de optar por criar a sua conta, tem de optar por associar um cartão de pagamento à sua conta, e tem de optar por pedir um veículo explicitamente na aplicação».
Apesar da providência interposta em abril pela ANTRAL do bloqueio a que o site foi alvo, e também da fiscalização da PSP, a Uber continua em operações em Lisboa e no Porto, alegadamente, devido a um erro que terá aplicado a providência cautelar a uma delegação desta plataforma que não opera em Portugal.
A Uber está apostada em cavalgar da espiral tecnológica e tirar partido do facto de, hoje, a larga maioria dos cidadãos das grandes cidades terem no bolso um telemóvel que pode descarregar uma app que acelera, com um acrescento de conveniência, um processo que, na via tradicional, é mais moroso, exige um telefonema ou uma espera e, nem sempre garante a localização (entretanto surgiram várias aplicações que já encaminham utilizadores para os serviços de táxis tradicionais, com funcionalidade similares às da Uber).
A “jovem gigante tecnológica”, que alguns especialistas dizem valer mais de 50 mil milhões de dólares, apesar da polémica que tem gerado de Los Angeles a Berlim, não tardou a produzir efeito nas 300 cidades em que marca presença. Um exmplo: ontem, em Paris, os representantes dos taxistas culparam a Uber pela perda de 30% a 40% da receita nos últimos dois anos.
A Uber rejeita o papel de “carrasco” empresarial e económico que os opositores tentam, de modo mais ou menos acalorado, colocar-lhe. E reitera que também ela gera negócio e emprego. «A matriz regulatória que governa o transporte em táxi em Portugal data de 1998, antes do surgimento dos telefones inteligentes e da internet móvel. Por outro lado, e ao contrário do que acontece em muitas das principais cidades europeias e americanas, as cidades Portuguesas não têm uma regulação que permita que cidadãos individuais possam livremente obter licenças de motorista privado. Este tipo de abordagem regulatória permitiria que várias pessoas pudessem criar o seu próprio emprego. A falta de um enquadramento regulatório adequado leva a que tenhamos hoje uma lista de vários milhares de candidatos a conduzir na plataforma da Uber, e que se inscreveram no nosso site, aos quais não conseguimos resposta a não ser encaminhá-los para empresas parceiras atuais que possam querer contratar novos motoristas».
Hoje, no site que se encontra bloqueado em Portugal, a Uber compromete-se a gerar um milhão de empregos para mulheres até 2020. Quantas delas serão portuguesas? Eis uma questão que só a Justiça e o Governo poderão dizer.