A polémica proposta do Governo para a renovação da lei da videovigilância foi debatida nesta quarta-feira, 6 de outubro, na sessão de plenário da Assembleia da República. E, pela primeira vez desde que foi conhecida a proposta, o Governo reconheceu que a videovigilância com dados biométricos é um tema “sensível” e de “alto risco” – algo que já tinha sido destacado pela Comissão Europeia e pelos reguladores europeus da área da privacidade e proteção de dados.
“Não desconhece o Governo que esta matéria não é pacífica”, começou por dizer Antero Luís, secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna. “São matérias de alto risco, mas entende o Governo que é preferível consagrá-la e tipificá-la, dizendo o que é possível, do que ser omisso”, acrescentou. Antero Luís sublinhou, depois, o ponto da proposta que define a utilização de dados biométricos em sistemas de videovigilância por parte das forças de segurança, reiterando que só poderá ser feita em casos de terrorismo e após emissão de um mandado judicial. “É [um mecanismo] sensível, se mal utilizado, em matéria de direitos fundamentais”, reconheceu o secretário de Estado.
“Os algoritmos não são neutros. (…) Estas matérias são extremamente sensíveis e são analisadas com prudência”, sublinhou ainda porta-voz do Governo no debate desta tarde.
As críticas sobre este tema foram muitas. Uma das mais duras veio de António Filipe, do Partido Comunista Português (PCP). “Estamos a discutir a generalização da discussão da videovigilância. Pode ser usada por duas razões: por tudo e por nada”, citando de seguida os vários casos de utilização possível propostos pelo Governo, doze no total, que constam na proposta de lei nº 111/XIV/2.ª.
“Esta proposta de lei é excessiva. Esta proposta de lei não equilibra, desequilibra profundamente, dá um passo significativo na hipervideovgilância no conjunto da sociedade e das atividades humanas. (…) Há uma administrativização da videovigilância”, sublinhou o porta-voz do PCP, que criticou também o facto de o Governo ter criado a proposta sem ouvir a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, tinha já na sua intervenção criticado os mesmos pontos. “Vir aqui reconhecer que é uma matéria sensível e complexa com ar pesaroso não chega”, começou por dizer o deputado ao secretário de Estado. “Estamos à pressa a discutir um diploma que pode ter enormes implicações na liberdade. Já dizia Benjamin Franklin [um dos pais fundadores dos EUA], quem põe a segurança à frente da liberdade, não merece nenhuma delas”.
Sobre o tema da videovigilância que é capaz de identificar cidadãos, Telmo Correia, do CDS-Partido Popular, reconheceu a “complexidade” do tema e defende que o mesmo tem de ser “ponderado em especialidade”, mas sem adiantar uma crítica concreta. Já Nelson Silva, do PAN, considerou que “o uso de Inteligência Artificial por polícias deve implicar uma forte salvaguarda para a privacidade dos cidadãos”, mas considera que “o direito à privacidade e proteção de dados é um direito fundamental, mas não um direito absoluto”.
Já o Partido Social Democrata, por meio de Duarte Marques, lembrou que justamente nesta quarta-feira, o Parlamento Europeu “aprovou um relatório de iniciativa precisamente no sentido contrário ao do nosso Governo, em que não se deve usar Inteligência Artificial com videovigilância”. José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, também sublinhou esta votação recente. “Não é bom caminho ignorar a resolução do Parlamento Europeu em linha com as reservas dos reguladores da proteção de dados, que alerta para os riscos dos dados biométricos para reconhecer cidadãos”. O deputado do BE lembrou que “sabemos como isso começa, não sabemos como isso acaba”.
Já Isabel Oneto, do PS, admite que a lei “tem obviamente a possibilidade de ser melhorada em sede de especialidade”, mas, no geral, defendeu a proposta do Governo. “Os privados filmam, os privados gravam e ninguém se incomoda”, justificou, numa alusão às críticas ao alargamento dos sistemas de videovigilância. “Estamos aqui a enfraquecer o Estado e isso não podemos consentir”.
O partido Chega, através de Diogo Pacheco Amorim, não falou especificamente sobre o tema da videovigilância com reconhecimento facial, mas disse ver com “satisfação” a questão da videovigilância a merecer atenção do Governo.
No final do debate, o Governo voltou a defender os vários pontos da sua proposta. Sobre não ter pedido o parecer à CNPD, Antero Luís garante que o Governo não o fez “deliberadamente, porque sabia que a Assembleia o ia fazer”. E rejeitou a ideia de um país onde a videovigilância é uma tecnologia massificada. “Não estamos a falar do Big Brother nacional, isso não existe. Não há uma massificação do uso da videovigilância”.
O debate ficou ainda marcado pela discussão de outros tópicos relacionados com a proposta de lei do Governo para a videovigilância – destaque também para as câmaras portáteis (bodycams) policiais, outro tema que mereceu algumas críticas à proposta do Governo, sobretudo por parte do Bloco de Esquerda.