Artur Ventura, jovem investigador do Técnico, é apreciador da transparência, mas este não foi o único motivo que o levou a criar o Assembleia Edita no Twitter: «Tinha cinco minutos livres e estava aborrecido. Peguei no código de um serviço que regista todas as alterações na Wikipédia e fiz as adaptações necessárias. Não sou um partidário, mas acho que o Governo tem de ser mais transparente. Acredito que não será esta conta de Twitter que vai obrigar os nossos governantes a serem mais transparentes. Trata-se de algo que pode ser encarado como um apontamento humorístico, mas que também tem uma função de fiscalização de situações em que o Governo ou os deputados tentam alterar o que se passou na realidade».
O que faz um político que quer reescrever a história? Resposta: tenta mudar o que está escrito na Wikipédia, a maior enciclopédia on-line, que é redigida numa lógica de voluntarismo e que tanto integra informação de reputados especialistas como de anónimos que ninguém alguma vez terá tempo ou paciência de identificar… e por isso foi criado o Assembleia Edita.
Nos tais “cinco minuto metafóricos” com que fintou o aborrecimento, Artur Ventura conseguiu criar os mecanismos necessários para monitorizar todas as alterações na Wikipédia que partem de anónimos que usam números de IP associados à Assembleia da República, e grande parte dos ministérios que compõem o Governo.
O serviço apenas incide nas alterações feitas sob anonimato, que têm o números de IP como únicos registos de uso da plataforma de edição da enciclopédia. Nas alterações feitas por deputados, governantes ou responsáveis políticos identificados na Wikipédia, o serviço não faz qualquer referência – pois os autores das alterações já estão devidamente identificados.
Na lista de números de IP já referenciados pelo Assembleia Edita encontram-se o Ministério da Justiça; a Administração Pública (em princípio associada às Finanças); Ministério da Segurança Social; Ministério da Defesa; Secretaria Geral da Cultura; Ministério da Administração Interna; Ministério da Economia; Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP); e o Centro de Gestão da Rede Informática do Governo.
Artur Ventura admite que a lista pode pecar por defeito e também está sujeita a falsos positivos. O jovem programador recorda que na «Administração Pública pode ou não estar associada ao Ministério das Finanças, sendo que não temos ainda os números de IP deste Ministério». Os números de IP, só por si, não são sinónimo de casos de tentativa de reescrita da história através da Wikipédia por governantes, deputados ou responsáveis políticos. Artur Ventura dá dois exemplos: 1) «o Ministério da Administração Interna é tão grande que, eventualmente, as alterações podem ser feitas por algum profissional sem responsabilidade política que tem acesso à rede»; 2) «nada impede alguém de estar numa fila de espera da Segurança Social e usar o acesso à Net local para escrever algo na Wikipédia».
Artur Ventura teve de puxar pelo engenho para conseguir obter todos os números de IP usados pelos diferentes organismos e instituições nacionais. Nalguns casos, aproveitou o apoio informal de outros internautas, mas na Assembleia da República, só conseguiu o intervalo de números IP com a preciosa ajuda de um deputado.
O jovem programador admite que o Assembleia Edita apenas tem por objetivo trazer para Portugal um serviço similar aos vários que já existem em todo o mundo e que tiveram por inspiração EDSU, que monitoriza alterações feitas pelo parlamento britânico. E ao contrário do que possa parecer, não é um dado adquirido que os políticos portugueses estão contra este tipo monitorização.
«Tenho a ideia que para muitos deputados esta solução é bem-vinda, uma vez que permite descobrir que alguém tentou dar um passo em falso (ao alterar um perfil da Wikipédia)», acrescenta Artur Ventura.
Para os aficionados das teorias da conspiração, o apanhado da primeira semana de Assembleia Edita pode ficar um pouco aquém das expectativas: o primeiro tweet dá conta de alterações na entrada relativa ao Instituto dos Museus e da Conservação, que têm como único objetivo atualizar tempos verbais e informar que o dito instituto deixou de existir. Depois desse primeiro tweet surgiram vários sobre o Rey Brandão, o auto-intitulado polícia do rock, cuja página terá sido atualizada a partir de um número de IP usado pelo Ministério da Administração Interna.
Também pertencente ao Ministério da Administração Interna é o número de IP usado para atualizar a página de Humberto Delgadinho, um advogado que, sem razão que o justifique, tem mantido uma página na Wikipédia.
Só após uma breve visita ao passado, e uma análise página a página e sem apoio dos códigos do Assembleia Edita, Artur Ventura consegue descobrir algumas alterações mais “picantes”. A mais interessante – e mediatizada – remonta a 2007 e envolve a página de José Sócrates. Vários anos passados sobre o míni-escândalo que chegou aos títulos de jornal, o jovem investigador do Técnico conseguiu apurar algo que nunca chegou a ser revelado: o número de IP (pertencente à rede do Governo) que eliminou as referências à forma como o ex-primeiro-ministro tirou a licenciatura na Universidade Independente também foi usado para apagar alegados episódios da vida pessoal da página de Luís Amado, ex-ministro dos negócios estrangeiros do governo liderado por Sócrates.
Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, também considerará que a idade a que se reformou é matéria de foro pessoal que não deve constar na Wikipédia, e terá tentado apagá-la, em vão, contra os regulamentos em vigor na enciclopédia on-line.
Menos importante é a inserção feita na página do PS: no grupo de pessoas que a Wikipédia considera mais importante no Partido Socialista, chegou a figurar um tal de «José Neves», que não será propriamente visita assídua do Largo do Rato.
Artur Ventura acredita que a maioria dos políticos portugueses sofre de infoexclusão e delega na secretária tudo o que tenha a ver com tecnologias e Internet. A este fator junta-se outro que poderá reduzir a taxa de eficácia do Assembleia Edita na monitorização de alterações levadas a cabo por números de IP de organismos de estado: «muitos políticos já têm agências que tratam da imagem».