O elétrico, ainda que voador, as referências aos espetáculos de fado, aos pastéis de Belém e às tabernas deixariam poucas dúvidas sobre a cidade representada na imagem acima. Mas o Elevador de Santa Justa, um dos ícones da cidade lisboeta, ajuda facilmente a localizar a obra criada por Max Bedulenko.
O artista bielorrusso, que trabalha como criador de ambientes conceptuais para videojogos e outros meios, visitou a capital portuguesa em maio de 2017. “O tempo estava maravilhoso e a cidade impressionou-me muito. O que mais gostei foram os azulejos – acredito que é um exemplo excecional da herança nacional portuguesa”, conta, por email, à Exame Informática. Na memória levou também o Cabo da Roca, em Sintra, e beleza natural que o rodeia.
Apesar da imagem que guardou da região de Lisboa, não é essa a representação que vemos depois nas criações do artista: muitas construções metálicas, um céu claramente poluído, o ar difícil de respirar, há gases e vapor a serem emitidos ao nível do solo, tubagens que ‘vivem’ em plena rua, pouca luz natural e um grande número de iluminações neon. Afinal, que Lisboa do futuro é esta?
“Podemos dizer que é uma sociedade absolutamente decadente, que está em processo de desintegração e mudança”, começa por dizer. “As leis antigas já quase que não funcionam ou são simplesmente ignoradas e as novas leis ainda não foram inventadas. Por isso as tecnologias neste universo só podem indicar instabilidade e degradação da sociedade – são construídas de forma pobre e poluem o ambiente”, acrescenta.
Max Bedulenko diz que apesar do aspeto harmonioso que sempre teve, Lisboa não conseguiu escapar aos efeitos de uma evolução tecnológica mal calculada. Nesta realidade alternativa, está a chegar ao fim a era do combustível fóssil e está-se prestes a entrar numa era movida a vapor, que no mundo da ficção é conhecido como o género ciberpunk.
Se o aspeto desta Lisboa futurista lhe parece familiar, é porque existe uma forte inspiração no ambiente do filme Blade Runner. “As ruas estão saturadas com o cheiro a pão quente, suor e óleo de motor, fios elétricos a zumbirem e o som dos motores a funcionarem, lixo a ser pisado e há música portuguesa por todo o lado – é esta a minha visão”, conta o artista de 24 anos que está sediado na cidade bielorrussa de Minsk.
“Queria mostrar como uma cidade bem conhecida está a mudar, como está coberta de cabos e está a perder lentamente a sua aparência, mas ao mesmo tempo mantém-se reconhecível e um lugar único”, sublinha ainda o criador.
Quando começou a trabalhar neste conjunto de quatro imagens, Max Bedulenko queria incorporar a essência de outros locais icónicos de Lisboa como a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos ou a Praça do Comércio. “Contudo, durante o processo de trabalho decidi limitar o número de objetos reais e focar-me mais na atmosfera”, explica.
Apesar de ser um exercício criativo, acaba por existir um paralelismo com parte da situação que a sociedade atravessa atualmente. “Às vezes é simplesmente uma reflexão de nós próprios”, defende o bielorrusso sobre o trabalho, lembrando que o desejo de os humanos subordinarem tudo ao seu estilo de vida, “de impor o nosso plano à própria natureza”, tem consequências autodestrutivas. “A tecnologia nem sempre é nossa amiga”, atira.
Uma forma como esta ideia está representada nas imagens é através dos óculos luminosos que as pessoas desta Lisboa alternativa usam. “São equipamentos técnicos que melhoram significativamente as imagens, dão-lhe mais brilho e substância. As pessoas não querem reparar em coisas más, as pessoas simplesmente querem conforto e emoções positivas.”