Até 2017, os setores do Espaço, Defesa e Aeronáutica eram representados cada um por uma associação diferente – Proespaço, DANOTEC e PEMAS, respetivamente. Naquele ano, da fusão das três, nasceu o AED Cluster Portugal – cluster português para as indústrias de Aeronáutica, Espaço e Defesa – que representa 1,4% do PIB e emprega cerca de 18.500 pessoas. Engenheiro aeroespacial, José Neves, Diretor de Segurança Interna e Defesa na GMV e presidente da AED Cluster Portugal, traça o retrato do setor que cresce 12% ao ano.
A economia portuguesa continua a sofrer do eterno problema da fraca produtividade, associada a baixos níveis salariais e reduzida taxa de crescimento do PIB. Que papel poderão ter, ou têm, as empresas representadas pela AED para alterar este paradigma?
Pela natureza dos seus produtos finais, a inovação tecnológica é bastante relevante neste ecossistema. Atualmente, as empresas da AED representam 1,4% do PIB e empregam cerca de 18.500 pessoas altamente qualificadas. É um contributo de sobeja importância para a nossa economia, até porque estamos a falar de produtos e serviços de enorme valor acrescentado e cuja taxa de exportação ronda os 87%. Falamos também de setores em que tecnologia e inovação são palavras de ordem, que exigem condições de trabalho modernas e recursos humanos bem preparados e bem remunerados. Sabemos que é difícil competir a este nível com outros países, e grandes empresas, que, num mundo cada vez mais global, atraem os nossos talentos. A AED, e o ecossistema nacional num todo, têm o foco não só na eficiência, mas também na competitividade para sermos capazes de atrair e reter o talento que temos por cá. Esse objetivo tem sido cumprido, como se demonstra no crescimento alcançado pelo ecossistema num todo na última década.
A Europa quer uma aviação com neutralidade carbónica já em 2050. Como se prevê que venha a ser atingido este objetivo?
Uma das formas será com as novas aeronaves que utilizam hidrogénio como fonte primária de energia. Tal como o desenvolvimento de motores híbridos, aeronaves mais elétricas, e estruturas aeronáuticas mais leves. A combinação dessas várias tecnologias vai claramente contribuir para uma mudança de paradigma de sustentabilidade ecológico de todo o setor aeronáutico, para o qual o cluster já está a trabalhar. É de lembrar também a utilização de tecnologias e aplicações espaciais, como por exemplo na monitorização e análise dos ecossistemas ou na mobilidade inteligente.
Quantas candidaturas ao PRR foram aprovadas?
Das sete Agendas Mobilizadoras a que o Cluster se candidatou e que foram aprovadas numa primeira fase, serão executados dois projetos, onde se espera um investimento acumulado a rondar os 400 milhões de euros e a criação de cerca de 800 postos de trabalho altamente qualificados. Existe um vasto número de associados a integrar os seguintes projetos: AeroNext Portugal, que pretende desenvolver, industrializar e operar programas aeronáuticos completos, a partir de Portugal, incluindo uma aeronave regional de 19 lugares e uma moderna aeronave não tripulada; New Space Portugal, que tem o objetivo de criar novos produtos e serviços inovadores, com maior complexidade tecnológica e valor acrescentado, principalmente nos setores de SmallSat e Observação da Terra.
De onde virão as principais novidades nos próximos tempos?
Na aeronáutica vemos um enorme potencial de crescimento no que toca aos objetivos de sustentabilidade, com o uso de combustíveis alternativos para aeronaves, como o hidrogénio. Ou a Mobilidade Aérea Urbana, com projetos em fases muito avançadas, como os “táxis voadores” que deverão começar a ser utilizados num prazo de 2/3 anos. O regresso do voo supersónico sustentável, na aviação civil, é algo que se espera já no final desta década. No setor do espaço temos o New Space, que é, no fundo, a abertura do mercado espacial ao setor privado e às empresas mais pequenas que conseguem agora lançar satélites e constelações, para os mais diversos serviços, num formato low-cost. Há ainda desafios ao nível da monitorização do lixo espacial, que exigem também respostas em que muitas empresas se podem também especializar. No âmbito da defesa, se esta pergunta tivesse sido feita em fevereiro, talvez a resposta indicasse que era o setor com menor potencial de crescimento, mesmo apesar do contexto da LPM e do Fundo Europeu de Defesa. Contudo, desde a invasão da Rússia à Ucrânia o panorama geopolítico mudou. Foi a prova de que, mesmo em pleno século XXI, é muito importante para os países que a sua soberania e os seus valores sejam garantidos. Para tal, é necessário investimento em tecnologia de defesa e em investigação, o que abre portas a um grande crescimento neste setor.
Qual o efeito da guerra na Europa no setor da defesa?
O conflito na Ucrânia tem sublinhado a importância deste setor, que, para além de um muito relevante catalisador de investigação e inovação, é também muito importante para manter a soberania de um país. Nota-se o reforço de alguns investimentos na área da defesa, o que poderá promover novas oportunidades para esta indústria, às quais estamos atentos. Sublinho igualmente a recente adoção da Bússola Estratégica Europeia. Este instrumento irá permitir um reforço significativo das capacidades europeias nos domínios marítimo, aéreo e espacial, enquanto estimula investimentos colaborativos entre os Estados-Membros em defesa, prometendo alavancar toda a base tecnológica e industrial de defesa europeia. E este é um desafio para o qual o cluster já se está a preparar.

Quais foram os principais contributos para o crescimento do setor representado pela AED?
Ao nível da aeronáutica, há vários exemplos, como os investimentos internacionais da Embraer, em Évora, e da Mecachrome, em Setúbal (e mais tarde também em Évora), que foram essenciais para o desenvolvimento do ecossistema em Portugal. Existem também vários investimentos nacionais de relevo neste sector, como o do Grupo Salvador Caetano que construiu uma unidade para fabricar peças para aviões – a Caetano Aeronautics – criando a norte uma nova centralidade para o cluster aeroespacial. Mais recentemente, temos os investimentos da OGMA em Alverca, através da criação de um novo centro de manutenção de motores num investimento de 74 milhões de euros que levará à criação de 300 empregos, e da Airbus em Santo Tirso, que levou à construção de uma nova unidade industrial para produção de peças para aeronaves. Ao nível do espaço, passamos da adesão de Portugal à ESA (Agência Espacial Europeia), em 2000, para a criação da nossa própria Agência Espacial, em 2019. Lançámos também diferentes iniciativas relacionadas com o Atlântico (nomeadamente o Porto Espacial dos Açores, a constelação de satélites Atlântico e o Atlantic International Research Center). Há o investimento do grupo alemão RFA em parceria com o Centro de Engenharia e Desenvolvimento (CEiiA) para o desenvolvimento e produção de sistemas de lançadores espaciais em Portugal e ainda o da empresa norte-americana LEOLABS, que em parceria com a EDISOFT vai instalar dois radares espaciais na ilha de Santa Maria para monitorizar e evitar os perigos do lixo espacial. Ao nível da defesa, fruto de um maior dinamismo europeu nos últimos anos, este setor enfrenta igualmente um momento único em Portugal, que poderá favorecer o posicionamento da nossa indústria, com um novo perfil de fornecimentos já nos próximos anos. Alavancado pela Lei da Programação Militar (LPM), e pela criação de uma Política Europeia de Defesa, existem hoje oportunidades de desenvolvimento de produtos tecnológicos inovadores que poderão catalisar uma maior integração do tecido industrial português na cadeia de valor europeia.