O papel essencial da mosca-da-fruta na investigação em Biologia é reconhecido pela comunidade científica há muito tempo, mas só agora se conseguiu completar um atlas completo de todas as células deste inseto. Dos cerca de 14000 genes do genoma da mosca que codificam proteínas, cerca de dois terços têm um equivalente humano e desde que Thomas Hunt Morgan desvendou o mecanismo de base da hereditariedade ao estudá-la, muitos investigadores seguiram-lhe as pegadas e acabaram mesmo por ganhar distinções como o Prémio Nobel, o que ajuda a perceber a preponderância da mosca-da-fruta. O pequeno inseto tem desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento de tratamentos contra o cancro, as doenças imunes ou a diabetes, por exemplo.
Os resultados obtidos com a expressão de todos os genes em milhares de células individuais a uma escala tão minuciosa podem ajudar a decifrar de que maneira certas células diferem e interagem com as suas vizinhas e perceber a sua origem e função dentro do tecido.
As moscas-da-fruta são um recurso popular por serem pequenas e fáceis de criar, pelo que a análise de célula única ganhou rapidamente força na comunidade científica.
Stein Aerts, líder de um grupo do Instituto de Biotecnologia da Flandres Lovaina, na Bélgica, conta que várias equipas aplicaram recentemente a técnica de sequenciação de célula única a diversos tecidos da mosca-da-fruta em diversas fases de desenvolvimento, mas que os dados gerados por laboratórios diferentes, com moscas geneticamente diferentes e usando protocolos e plataformas de sequenciação diferentes dificultam a comparação sistemática da atividade dos genes. Assim, surgiu a necessidade de haver o primeiro atlas completo deste género, fruto do resultado do consórcio internacional Fly Cell Atlas, cujos primórdios remontam a uma reunião realizada em dezembro de 2017.
No total, o consórcio envolveu 158 peritos de 40 laboratórios diferentes, de todo o mundo, onde se inclui uma equipa da Fundação Champalimaud composta por Carlos Ribeiro, investigador principal do laboratório de Comportamento e Metabolismos, Zita Santos, Darshan Dakhan e Ibrahim Tastekin, investigadores pós-doutorados, e Rita Figueiredo, aluna de doutoramento. O projeto foi apoiado tanto tecnicamente, como financeiramente pelo CZ Biohub.
O conjunto de dados resultante, designado de Tabula Drosophilae, contém mais de 580 mil células que pertencem a 250 tipos celulares distintos.