Imagine que nos seus pulmões, intestinos, bexiga, se vai acumulando um muco espesso e teimoso, desde o dia em que nasceu. Que este muco permanece agarrado às paredes dos órgãos, causando infeções respiratórias recorrentes, dificuldade de absorção dos nutrientes e déficit de crescimento. Que não existe tratamento para esta condição e que uma simples constipação pode descambar em infeção respiratória grave, com direito a internamento hospitalar e antibiótico intra-venoso. Esta é a vida de alguém que sofre de fibrose quística, uma doença genética, provocada por uma alteração no gene CFTR, situado no cromossoma 7. Até há alguns anos, esta doença genética limitava a esperança de vida dos doentes à casa dos trinta, sendo o transplante pulmonar, arriscado e de sucesso incerto, a única forma de conquistar alguns anos extra. Agora imagine que ao fim de dezenas de anos de investigação, de expectativas e desilusões, de mortes lentas e penosas, surge um tratamento que compensa a alteração no gene CFTR, diminuindo os sintomas e atrasando a evolução da doença. Que à sua volta, em países como a Alemanha, a Dinamarca ou a Irlanda, este tratamento já está disponível, mantendo-se o nível de resposta conseguido nos ensaios clínicos e aumentando o entusiasmo da comunidade de doentes, mas que no seu país, Portugal, não há meio de ser dada luz verde. Agora imagine que é pai, ou mãe, de uma criança com fibrose quística.
É neste tormento que vivem as famílias dos 400 doentes portugueses que aguardam, desde 2016 – portanto, muito antes da pandemia -, por uma assinatura para que os primeiros destes medicamentos inovadores estejam disponíveis. Entretanto, surgiu outra terapia ainda mais abrangente e com melhores resultados, que se mantém na fila de espera desde o ano passado. Todos estas moléculas foram já aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento, tendo inclusivamente beneficiado do regime de aprovação rápida, concedido a terapias muito inovadoras, para tratar doenças para as quais não há ainda grandes soluções. Enquanto esperam, as famílias desesperam. Surgem complicações evitáveis, transplantes que poderiam ser protelados e até mortes prematuras. Somos o único país da Europa sem nenhuma destas terapias disponíveis.
Uma petição promovida pelas duas associações de doentes nacionais, a pedir a conclusão do processo de aprovação, ultrapassou esta semana as 18 mil assinaturas. Será que alguém os ouve?