As últimas semanas têm sido marcadas por uma indignação generalizada com o aumento dos lucros por parte das grandes empresas portuguesas. Neste artigo, gostaria de falar um pouco sobre capitalismo, lucro, salários, inovação, progresso e como esta discussão talvez não faça sentido.
Começo por falar do capitalismo. Como sabemos, o capitalismo é o sistema de organização económica que se baseia na propriedade privada e na procura de lucro. É baseado na crença de que a procura individual do lucro é fundamental para o progresso e melhoria do bem-estar de cada indivíduo, a famosa “mão invisível”.
Os agentes económicos organizam-se em empresas para atingir determinados objetivos. Identificam problemas e necessidades e criam soluções para os mesmos, sendo remunerados por isso. Parece evidente que esta remuneração é fator fundamental para incentivar a criação de empresas e o investimento continuado. A inexistência de lucros retira (quase) todo o incentivo, à semelhança com a evidência de que nenhum trabalhador irá aceitar trabalhar sem ter um salário.
O fundamental nesta discussão é que os agentes económicos (todos nós) associam esforço a remuneração ou recompensa. É esta recompensa o incentivo à inovação é à melhoria dos produtos e serviços. Se um negócio é rentável irá atrair concorrência e aumentar a qualidade / reduzir preços. Se deixa de ser rentável, as empresas fecham ou mudam de atividade e os trabalhadores vão para o centro de desemprego.
Falamos de recompensa mas também falamos de necessidade. A empresa para existir tem de gerar lucros. São os lucros não distribuídos aos acionistas (em forma de dividendos) que permitem o investimento, sob a forma de mais ativos fixos (maquinaria, fábricas, etc.) mas também de melhores condições salariais. Se os lucros não aumentam, não podem aumentar os custos, sob pena de a empresa gerar prejuízos. Por outras palavras, mais salários são resultado de mais vendas e mais lucros.
A conclusão imediata é que tudo está ligado. A procura de lucros potencia melhores produtos (para benefício do cliente), maiores salários e maior segurança do posto de trabalho (para benefício do colaborador). Mas melhores salários potenciam a subida dos preços de mercado (mais inflação). O que escolher? Escolher aumentar preços para poder aumentar salários? Escolher aumentar o investimento para potenciar o crescimento da empresa? Escolher manter preços e aumentar salários, potenciando prejuízos? Tudo está relacionado, embora cada agente económico se foque apenas na sua esfera de interesse.
Uma conjugação de fatores tem criado uma aversão crónica ao capitalismo e aos lucros (dos outros). É certo que a história é pontuada por falhas de regulação, por situações menos transparentes ou mesmo criminosas, esquecendo-nos que a árvore não faz a floresta. O certo é que temos hoje muito mais qualidade de vida do que no passado, mesmo que a desigualdade possa ter aumentado (pessoalmente prefiro esta desigualdade à “igualdade” do passado, mas isso sou eu).
O mais extraordinário neste sistema capitalista é que todos nós podemos apropriar-nos de parte destes lucros. Estando as empresas cotadas em bolsa, podemos tornar-nos acionistas destas empresas e beneficiar do aumento de lucros, sob a forma de mais-valias e de dividendos regulares. Sim, podemos parar de nos queixar dos lucros dos outros e tornar-nos… nos outros.
Surgem agora várias críticas, destacando-se duas principais. Para investir precisamos de ter dinheiro e não vale a pena investir porque é muito arriscado e porque vamos perder dinheiro. Bem, no final de 2021 existiam em Portugal 83.565 milhões de euros em depósitos bancários, pelo que há margem para investir um pouco mais. Por outro lado, podemos investir a partir de montantes muito baixos. Por exemplo, uma ação da Galp custa €10, da EDP custa €5 e da REN 2.75€ e pagam dividendos entre 3.8% e 5% ao ano (mas preferimos depósitos a prazo que nos pagam 0% apenas porque são seguros).
OK, mas não compensa comprar uma ação individual porque pagamos comissões. Então compremos unidades de participação de fundos de investimento, que permitem diversificar riscos com montantes muito reduzidos e já agora, comecemos a poupar para a reforma porque pelo andar da carruagem não a vamos ter. E quanto ao risco, é verdade. Investir é arriscado, mas compensa (muito). Por isso é que quem investe exige lucro. Mas prepare-se. Se investir e se ganhar dinheiro com isso vai ser O capitalista sem escrúpulos. Mas aí o lucro estará no seu bolso. Tudo muda de perspetiva.