O acesso a habitação própria é um projeto de vida para a maioria dos portugueses, havendo cada vez mais pessoas a concretizá-lo. Mas será esta uma realidade que vai manter-se? Embora a velocidade de mudança no mundo aconselhe a não sermos dogmáticos nas previsões, há algumas coisas que já sabemos que vão mudar e sobre as quais devemos refletir quanto às suas implicações.
Digitalização do processo
A era da digitalização já criou os seus impactos na forma como se processam as transações imobiliárias. É verdade que há muito por fazer, pois estamos a falar de um processo ainda altamente burocrático, contudo tem havido alguns desenvolvimentos muito interessantes a este nível. Este impacto sente-se desde o momento inicial em que se coloca uma casa à venda (queda abrupta de anúncios no jornal), passando pela visita ao imóvel (mais comum a visita virtual ao imóvel) até ao processo de procura de financiamento (crescimento significativo de agentes digitais na atividade de intermediação de crédito).
Preço das casas
Um mediador imobiliário pode aportar muito valor no processo de venda de um imóvel mas nem sempre isso acontece. Quantas vezes sentimos que o mediador faz pouco mais que abrir a porta? Temos de ter consciência que, seja qual for o nível de envolvimento da imobiliária, a intervenção desta terá impacto no preço da casa. Também aqui acredito que através da digitalização podemos caminhar para uma solução com menos custos e, por conseguinte, um ajustamento no valor das habitações. Neste momento, o cenário que vivemos é inverso a este. Parece que os preços das casas não param de subir. Contudo, isso é fruto de uma realidade conjuntural de haver pouca oferta face à procura. Para termos uma ideia deste desfasamento lembro que o número de fogos licenciados entre 2000 a 2010 foi de 753.000 e nos últimos dez apenas 143.000. Ou seja, menos 80% de casas licenciadas!
Mesmo com os preços altos, como as taxas de juro estão baixas todos vão poder ter a casa que desejam?
O Crédito Habitação é conhecido como “Produto Âncora” porque é a partir dele que se estabelecem os contratos mais rentáveis para o banco. Por saberem que muitas vezes é pelo Crédito Habitação que conseguem conquistar quota de mercado, os bancos entram frequentemente em guerras de spreads, levando a uma generalização ao acesso ao crédito. No passado cometeram-se muitas loucuras a este respeito, ao ponto de haver clientes que hoje não pagam juros no seu Crédito! A concorrência é agressiva ao ponto de ter de ser o Banco de Portugal (BdP) a impor limites nas regras de concessão de crédito. A este respeito temos visto o BdP a emitir frequentemente recomendações para salvaguardar a estabilidade do sector. A mais recente destas recomendações vai sentir-se já a partir de 1 de abril.
É verdade que com as taxas baixas e com os bancos a serem menos conservadores, o volume de crédito habitação tem crescido a 2 dígitos. Em 2021 foram financiados 15 mil milhões, quando em 2020 tinham sido 11 mil milhões. Mas será que a tendência vai manter-se?
A recomendação do BdP, que entra em vigor daqui por poucas semanas, pede aos bancos que reduzam os prazos dos novos financiamentos. Esta recomendação vem no seguimento de outra onde se apelava à banca para ter maturidades próximas dos 30 anos. Em Portugal temos prazos muito mais dilatados face à realidade europeia. Quando um estrangeiro pede crédito em Portugal e confronta-se com prazos de 35-40 anos fica surpreendido, pois estão habituados a maturidades de 10-15 anos. Assim, nos outros países o acesso ao crédito para habitação não é tão fácil e a possibilidade de ter casa própria torna-se menos generalizada.
Com esta alteração que referi, os únicos que poderão manter o prazo máximo de 40 anos de financiamento são os clientes até aos 30 anos de idade, inclusive. A partir daí vai tendo prazos máximos inferiores, podendo ir até um prazo de 35 anos de maturidade.
Esta recomendação acaba por ter um caracter de quase obrigatoriedade, uma vez que os bancos têm de justificar de forma detalhada a razão pela qual uma eventual operação não respeitou estes limites. O espírito da recomendação é procurar que as pessoas não ficam uma vida inteira a pagar o crédito da casa e que os bancos ficam menos expostos ao risco.
As alterações que estão a acontecer devem ser entendidas como oportunidade para termos um mercado de habitação mais robusto, que não abane com a intensidade que aconteceu em 2008 mas, pelo contrário, esteja preparado para todas as circunstâncias.