Os sistemas de pagamentos estão a passar por uma transformação digital sem precedentes, muito acelerada pela situação de pandemia que vivemos. Embora as notas e moedas continuem a ser um meio de pagamento importante, os instrumentos de pagamento eletrónicos (como os cartões e as transferências imediatas) são cada vez mais usados.
A promoção do bom funcionamento dos sistemas de pagamentos é uma das funções chave dos bancos centrais, razão pela qual o Banco de Portugal tem participado, desde a primeira hora, nos trabalhos dinamizados pelo Banco Central Europeu (BCE) para a possível emissão de uma moeda digital de banco central – o Euro digital.
Esses trabalhos reconhecem, como ponto de partida, que a emissão de uma moeda digital de banco central na área do euro não foi necessária até à data. Mas reconhecem, também, que poderá ser uma opção importante caso se materializem, no futuro, alguns cenários como a redução muito significativa do uso do numerário, a emergência de formas privadas de moeda (como as denominadas stablecoins) ou a falta de soluções pan-europeias privadas de pagamento eficientes. Nestes cenários, o Euro digital contribuirá para assegurar a independência da economia europeia e para a manutenção da estabilidade financeira, para além de promover o reforço do papel internacional do euro.
Mas o que é o Euro digital? É uma moeda digital de banco central disponibilizada ao público em geral (incluindo particulares e empresas) para ser utilizada nos pagamentos de retalho. Será emitida pelo BCE e disponibilizada aos cidadãos e agentes europeus como um meio de pagamento digital confiável, sem risco e sem custos para as suas funcionalidades básicas.
Na prática, o Euro digital será uma forma dos cidadãos europeus terem acesso a moeda de banco central (logo, sem risco) desmaterializada e no contexto de um sistema de pagamentos cada vez mais digital. O Euro digital deverá ter funcionalidades semelhantes a qualquer outra solução moderna para pagamentos em pontos de venda físicos e online, ser disponibilizado em toda a área do euro e responder de forma não discriminatória às necessidades de todos os segmentos da população, promovendo a inclusão.
Para que os conceitos fiquem claros, convém distinguir o Euro digital de outras formas de moeda ou “ativos”. Por ser emitida pelo banco central e, por isso, não ter risco, distingue-se dos depósitos bancários e da moeda eletrónica, que são passivos de entidades supervisionadas, e das chamadas stablecoins, que são, habitualmente, passivos de instituições não reguladas. Nestes casos, mesmo quando se trata de instituições supervisionadas, o risco de liquidez e solvência nunca é nulo. Distingue-se, igualmente, dos chamados cripto-ativos, que, regra geral, não são passivos de qualquer entidade. Um dos exemplos mais conhecidos de cripto-ativos são as chamadas bitcoins, que podem ser usadas para efetuar pagamentos, mas que na realidade são, sobretudo, utilizadas como ativos de investimento e com risco elevado.
Mas que benefícios concretos pode trazer o Euro digital para os cidadãos? Desde logo, conseguirá combinar a segurança e a universalidade do numerário, porque será também emitido por um banco central, será de acesso generalizado, e terá os benefícios da inovação tecnológica associada aos pagamentos eletrónicos. Poderá tornar os pagamentos internacionais mais eficientes, menos onerosos, mais rápidos e menos consumidores de tempo. Aumentará o leque de soluções de pagamento disponíveis e poderá contribuir para serviços de pagamento mais eficientes e resilientes. Por fim, sendo um instrumento de pagamento moderno e sem risco poderá reduzir o apetite por soluções privadas mais arriscadas, sobretudo se emitidas por entidades não supervisionadas a nível nacional ou europeu.
A introdução do Euro digital poderá colocar a área do euro na vanguarda da inovação, mas não sem antes responder a um conjunto de importantes desafios. Dependendo da sua conceção, o Euro digital poderá ter implicações, por exemplo, ao nível do funcionamento dos sistemas de pagamentos, da concessão de crédito à economia, da estabilidade financeira e da condução da política monetária. A decisão sobre o possível desenvolvimento e lançamento do Euro digital será precedida de uma ampla auscultação pública, de um intenso debate entre os bancos centrais da área do euro e de uma fase de experimentação contida.
Há quase 20 anos atrás, o Euro chegou às mãos dos consumidores europeus sob a forma de notas e moedas. Desde então, tem cumprido eficazmente o seu papel como meio de pagamento, unidade de conta e reserva de valor. A missão dos bancos centrais é garantir a confiança na moeda e isso implica trabalhar para que o Euro continue a cumprir o seu papel numa realidade mais digital.
A confiança no Euro, nomeadamente enquanto meio de pagamento, será sempre uma prioridade.