Procurar ver o copo meio cheio e não meio vazio é uma arte que, quando praticada, transmite por si uma energia canalizável para a descoberta de soluções. Talvez por esta razão, eu tenha sempre boas razões para acreditar em Portugal, até quando pode parecer mais improvável.
É verdade que por vezes nós, os portugueses, gostamos de nos centrar naquilo que não somos e não temos, ao invés de considerarmos o que somos e temos – o que na minha modesta opinião é muito, e muito mesmo.
É praticamente inquestionável a ideia de que possuímos uma identidade muito completa, não me parece que seja necessário efetuar comparações com outros países e outras culturas neste ponto. Contudo, quando falamos da marca Portugal, podemos dizer que têm persistido algumas dificuldades de afirmação e reconhecimento, tanto cá dentro, como lá fora. Não deixa de ser irónico, por isso, constatar que ainda assim tenhamos conhecido o sucesso – muitas das vezes para nosso próprio espanto. Nada como pegar num dos acontecimentos mais recentes, como o atual surto pandémico derivado da COVID-19, para exemplificar. Nos últimos meses, foram várias as vezes em que clientes estrangeiros disseram que não haveria outro país onde preferissem estar, o que é sempre ótimo de se ouvir e poderá inclusive surpreender algumas pessoas.
É certo que costumo lidar com estrangeiros no meu dia a dia e não tenho dificuldade alguma em transmitir como me sinto privilegiada por morar em Portugal. Os elementos salientados poderiam fazer parte de uma verdadeira campanha publicitária, mas são reais e sinto-os como meus. Na realidade, procuro com frequência abstrair-me do facto de ser portuguesa para sentir o nosso país “a fresco”. É uma sensação maravilhosa e que se recomenda. Nesse exercício, seria fácil falar, por exemplo, da inspiração avassaladora trazida pelo mar no Guincho ou do cheiro da Dama da Noite no verão algarvio, daquela Ginjinha do Rossio, do som estaladiço de um Pastel de Nata ou da tranquilidade de momentos à beira do Rio Tejo, tendo a Ponte e o Cristo Rei como moldura de fundo ou a Norte os socalcos do Douro.
Há, no entanto, a meu ver um elemento da marca portuguesa que é mais difícil de transmitir aos estrangeiros precisamente porque emana do nosso interior: a autenticidade. Ouço com frequência dizer que estamos a perder o que nos caracteriza. Mas o povo português continua a ser acolhedor, tolerante e adapta-se com enorme facilidade a diferentes circunstâncias. Estas características são virtudes especificamente nossas, são parte da nossa identidade. E os estrangeiros sentem-no.
O que me parece ser importante realçar é que podemos ser nós a promover esses elementos e a prevenir que sejam deturpados – papel que cada um poderá desempenhar obviamente à sua maneira.
Tal como no Admirável Mundo Novo, o atual contexto poderá funcionar como um catalisador, assim esperamos, de atitudes de valorização, promoção e defesa daquilo que realmente é importante nas nossas vidas e sociedade. Desconhecemos o que vai mudar exatamente. Muitos podem até acreditar que voltará tudo ao mesmo. Mas está muito ao nosso alcance, e continuará a estar, a vontade de afirmar as virtudes do nosso país e povo.
A este propósito recordo com frequência as palavras do nosso poeta, na pessoa do seu heterónimo Ricardo Reis:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
O primeiro passo é acreditar.