É inquestionável a importância das atividades de serviços na economia portuguesa. As atividades do comércio e dos serviços, onde se integram os sectores representados pela CCP, contribuíram para 75,4% do VAB em 2019, para quase 70% do emprego e o tecido empresarial do comércio e dos serviços corresponde a 77% das empresas não financeiras do país. Trata-se de sectores constituídos na sua maioria por micro e pequenas empresas com forte intensidade no fator trabalho e onde o capital humano é determinante para a sua competitividade. O setor é heterogéneo e abrange uma série de subsetores distintos (Comércio, Serviços às Empresas e Serviços Pessoais).
Obviamente olhando para estes vários setores o impacto da pandemia não foi, não está a ser, igual para todos, mas não temos dúvidas, e os indicadores que vão sendo conhecidos confirmam-no, que há um efeito de arrastamento significativo, cuja verdadeira dimensão ainda está longe de ser conhecida.
Daí a importância de um plano das medidas de apoio à atividade económica. Todavia, importa, desde logo, evitar o discurso da euforia e da exaltação dos «milhões» que a U.E. irá colocar à disposição dos Estados membros. É fundamental, no entanto, não confundir um programa de emergência para a saída da crise (2-3 anos), com um programa de investimentos para a década.
Enquanto no primeiro o objetivo central tem que ser o de travar o encerramento de empresas e o aumento exponencial do desemprego não podendo ter como efeito basear-se apenas na criação de dívida futura (incomportável para um grande número de micro, pequenas e médias empresas), o segundo deve estar orientado para os grandes desafios estruturais e para a competitividade na economia portuguesa. A sobreposição ou amálgama entre estes dois planos pode comprometer os seus resultados, em especial num momento em que a situação de emergência que vivemos requer celeridade, o que não se coaduna com as habituais burocracias dos programas comunitários.
No primeiro programa, a despesa a efetuar é, sobretudo, uma despesa sem retorno imediato e que permite evitar despesa futura associada a uma crise social de grandes dimensões. Algumas medidas desta natureza foram sendo adotadas ao longo dos últimos meses, como é o caso do lay-off simplificado, mas pensamos que muitas outras ainda precisarão de ser tomadas, quer a nível fiscal quer em incentivos ao consumo.
No segundo plano, trata-se de colocar o enfoque no investimento público e no privado, tanto nacional como IDE. Não é possível em particular continuar a sacrificar o investimento público ao cumprimento de objetivos europeus inadequados, evitando que esta seja novamente uma década perdida em termos das grandes mudanças necessárias para o crescimento sustentado da nossa economia. A retoma da crise que se prolongará, pelo menos, por mais 2 ou 3 anos, requer um redobrado empenho das políticas públicas em atuar com muito maior rapidez e eficácia.
O nosso foco para vencer o desafio da competitividade só pode ser um: subir na cadeia de valor e afirmarmo-nos em atividades de maior valor acrescentado, seja em componentes físicas de transformação do produto, seja em domínio de produção imaterial.
Por isso, insistimos que o essencial nos apoios às empresas não deve estar colocado, como no passado, nos investimentos em capital fixo mas nas áreas mais diretamente ligadas com mudanças nas qualificações, na organização e na gestão das empresas, tendo como prioridade fomentar a cooperação no contexto nacional e a diversificação e a integração em redes colaborativas à escala global. O percurso que iniciámos visando ter uma economia mais aberta, mais flexível e mais internacionalizada não deve ser invertido. Portugal nada tem a ganhar se um novo ciclo de «renacionalização das cadeias produtivas» vier a ter lugar. E, já agora, a Europa no seu conjunto também não.
Sobre a preparação do novo “Portugal 2030”, destacamos como tópicos estruturantes relativamente às políticas públicas, com especial ênfase nas direcionadas para as empresas, as seguintes:
– A criação de valor pelas empresas, com políticas que promovam a transversalidade eliminando, tanto quanto possível, a polarização/segmentação de atividades;
– Fomento da cooperação potenciando as sinergias coletivas, com uma forte aposta na integração em cadeias globais de produção;
– Atracão de talentos e de IDE, com critérios de diferenciação seletiva;
– Aposta na qualificação e nas competências do futuro, com um sistema de ensino e de formação mais próximo do mundo empresarial;
– Combater o défice demográfico e o envelhecimento da população com políticas demográficas de médio/longo prazo e atração de não residentes;
– Uma política de território baseada na diferenciação/complementaridade deste com um destaque às “políticas de cidade” enquanto vetor essencial da competitividade dos territórios, pela atração de pessoas e de investimento, invertendo a degradação de serviços de interesse geral que afetam a qualidade de vida e fomentando o desenvolvimento de serviços de diferenciação, reforçando a cooperação público-privada.
Em síntese, é fundamental que no desenho do próximo ciclo de fundos estruturais não se cometa um erro de conceção assente numa visão afunilada na «reindustrialização» e na «reconversão industrial» subestimando o contributo dos serviços e do imaterial na criação de valor. Seria lamentável que, por opções de políticas, desperdiçássemos as oportunidades de desenvolvimento sustentadas num envelope financeiro considerável, como o que resulta da conjugação das verbas do Plano Europeu de Recuperação e do Portugal 2021-2027.