A necessidade aguça o engenho. E em matéria de saúde pública, no contexto desta pandemia que se espalha pelos quatro cantos do globo, este chavão ganha contornos de um altruísmo puro que merece ser reconhecido. Existem muitos marcos dignos de relevo e desse reconhecimento ao longo da história da humanidade, que mais não servem do que expor a genialidade da mente humana e a capacidade de nos reinventarmos. No campo da saúde, existem muitos exemplos impactantes.
A anestesia, por exemplo, surgiu num contexto em que os pacientes tinham que ser embriagados antes das práticas cirúrgicas. A sua primeira utilização numa operação cirúrgica ocorreu em 1846, pela mão do cirurgião americano William Morton, que recorreu a anestesia através do uso de éter. A aspirina é outro exemplo, cuja história começa em 1893 com a motivação de um químico alemão, de seu nome Felix Hoffmann, empregado da empresa química-farmacêutica Bayer, para encontrar formas de aliviar as dores reumáticas do seu pai. Para se perceber a importância desta descoberta, a aspirina fez parte da missão à lua e do pequeno kit que os astronautas transportavam no Apollo 11.
E depois temos o feliz acaso da penicilina, talvez a descoberta com maior impacto na história da medicina. Tudo começou com o bacteriologista inglês Alexander Fleming, que ao regressar de férias notou que algumas das suas caixas de Petri estavam contaminadas, o que tinha impedido o desenvolvimento de bactérias estafilococos. Seguiram-se os progressos feitos pela equipa do professor Howard Florey, em Oxford, e que em 1938 conseguiu isolar o princípio activo, purificá-lo e desenvolver um antibiótico com resultados tremendos. Para se ter uma ideia desse impacto, na I Guerra Mundial a maior causa de morte eram as infecções e não as baixas por combate, registo que já não se verificou na II Guerra. Também a taxa de mortalidade da pneumonia era de 18% na I Guerra e na II estava abaixo de 1%.
E se no momento presente aguardamos impacientemente pelo desenvolvimento de uma vacina contra a COVID-19, é justo nos lembrarmos de Edward Jenner, que em 1796 foi o primeiro a criar uma vacina no mundo ocidental contra a varíola, partindo da simples observação de que trabalhadores de lacticínios não contraiam essa doença porque tinham contraído anteriormente varíola bovina, que tem um efeito muito mais suave nos humanos.
Portanto, faz parte do nosso ADN a inquietude que leva a quebrar barreiras tecnológicas quando mais necessitamos. Estes desenvolvimentos assentam numa lógica de pedra-sobre-pedra, onde pioneiros como os acima referidos desbravaram o caminho e assumiram uma importância extrema enquanto elementos disruptivos, levando a que soluções cada vez mais aperfeiçoadas e adaptadas ao seu tempo pudessem ser atingidas.
É, pois, sobre as bases criadas ontem que o progresso tecnológico de hoje se realiza, e que permite que os desenvolvimentos do amanhã tenham tanto de atingível quanto de excitante. E é em tempos de incerteza que poderemos olhar para o sistema de patentes como uma peça importante na engrenagem do desenvolvimento, representando uma via credível de disseminação e partilha de conhecimento. Esta visão proporciona o ambiente perfeito para a promoção do desenvolvimento tecnológico, representando uma competição saudável que funciona como elixir motivacional para se chegar cada vez mais longe, quando mais se precisa. Porque a necessidade aguça o engenho.