No passado dia 20 de Março, o Tribunal Constitucional da Alemanha publicou uma decisão há muito tempo aguardada no mundo da Propriedade Industrial, designadamente no âmbito das Patentes, dando razão à queixa que havia sido apresentada em Março de 2017 por um Mandatário Europeu de Patentes e advogado alemão. Em consequência, este Tribunal pediu ao Presidente da República Federal para se abster de promulgar o diploma do Acordo sobre o Tribunal Unificado de Patentes (TUP) – de 19 de Fevereiro de 2013, fazendo parar no seu país o respectivo processo de ratificação.
Esta decisão irá provocar um natural atraso na implementação daquele Acordo que até à data não mereceu a aceitação da maioria dos países da União Europeia, da dimensão de Portugal. Antes, e em resultado do Brexit, o Governo do Reino Unido havia já declarado que não participariam neste projecto, dado que este País jamais iria submeter-se à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. São finalmente boas notícias para Portugal, para a nossa Indústria, para os Advogados e naturalmente para os Mandatários portugueses de patentes europeias.
Este projecto do pacote da Patente Europeia de Efeito Unitário (PU) e do TUP é um projecto de dezenas de anos que nunca conseguiu a unanimidade dos países europeus, tendo havido a necessidade de se recorrer a uma Cooperação Reforçada, conforme prevista no Tratado de Lisboa. Com efeito, o Acordo que já havíamos ratificado vem ainda tornar maior o enorme fosso entre os grandes e os pequenos países, ou por outras palavras, entre os países mais industrializados, com muita investigação e elevado número de patentes e os países menos industrializados.
Segundo os dados estatísticos do Instituto Europeu de Patentes de 2017/8 (aliás estes números têm sido infelizmente muito constantes), dos 27 actuais países que compõem a União Europeia, 17 são responsáveis por apenas menos de 2% do total das patentes europeias, número muitíssimo baixo e revelador da deficiente distribuição da riqueza na UE. Para tornar mais precisa a situação é importante esclarecer que no sistema europeu de patentes, os principais titulares são os Estados Unidos da América, a República Popular da China, a Coreia do Sul e o Japão com uma quota de aproximadamente 55%. A Suíça andará pelos 6% assim como o Reino Unido, cabendo à Alemanha a parte de leão com 18%.
Entretanto, o mundo mudou muito desde 2013, os governantes europeus são na sua grande generalidade outros e têm actualmente entre mãos outras e mais delicadas e sérias matérias com que se preocuparem. Em qualquer dos casos, e pela saída do Reino Unido do sistema, o acordo TUP terá que ser renegociado não sendo credível que seja possível ver algum progresso nos anos mais próximos. Esta é uma óptima oportunidade para revermos a nossa participação neste projecto, dado que o Acordo actual é lesivo dos interesses nacionais. Quando em 2013 o Governo do Dr. Pedro Passos Coelho decidiu “à pressa” que Portugal ratificasse o Acordo TUP, prestou um péssimo serviço à indústria nacional, revelador de um desconhecimento absoluto desta matéria por parte dos nossos governantes.
É evidente que um País como o nosso, cuja quota europeia de patentes ronda os 0,05% não pode ter interesse directo no sistema, até porque este permite que os titulares das patentes de um País que não tenha ratificado o Acordo, o possam utilizar livremente.
Situação ideal, em que se podem obter todas as vantagens, mas evitando os inconvenientes de uma ratificação da Patente Unitária e do Tribunal Unificado de Patentes.
Mas porque é que o sistema da Patente Unitária e do Tribunal Unificado de Patentes é mau para Países de média dimensão como o nosso e para os mais pequenos, com poucas patentes?
À partida até pareceria que deveria ser o contrário, porque aparentemente estes países são “inundados” de novas tecnologias!
Esta é a enorme falácia de todos os que ainda tentam impor o sistema, seja a que preço for.
Com efeito, a esperada invasão de patentes de origem estrangeira em Portugal com a entrada em vigor da Patente Europeia de Efeito Unitário irá significar o fecho e a inacessibilidade a muitas das novas tecnologias para as Empresas Nacionais. O Estado da Técnica fica-lhes automaticamente vedado com a agravante que a protecção obtida pelos seus titulares não terá para eles quaisquer custos.
Na verdade, tal como o actual sistema PU está programado, o titular de uma patente europeia depois de concedida em Munique no IEP (Instituto Europeu de Patentes) pode decidir na transformação da sua patente numa Patente Unitária, para o qual apenas terá de pagar uma taxa centralizada. Os estados nacionais abrangidos pelo sistema deixam assim de receber as taxas relativas à protecção da patente no seu país e às da manutenção anual. Actualmente essas taxas representam mais de 12 milhões de euros que Portugal deixaria de receber.
Mas muito pior do que isso será a falta de informação tecnológica a que as empresas nacionais deixam de ter acesso gratuitamente, uma vez que os titulares das patentes de efeito unitário não necessitam de apresentar uma tradução certificada do seu invento.
Simultaneamente, este acordo estabelece um Tribunal (TUP) com a Divisão Central em Paris e secções em Munique e Londres e a possibilidade de tribunais localizados nos países da União Europeia que os venham a pedir. Portugal tem já há vários anos instalado no Palácio da Justiça, mas fechado o seu Tribunal Unificado de Patentes. Este tribunal, no entanto, não é um tribunal português, sendo que, apenas por milagre, um julgamento seria realizado no nosso idioma.
Com efeito, eventualmente e apenas se as partes interessadas forem ambas portuguesas se poderia dar esse caso, quando não, a probabilidade de todo o processo se passar em alemão, francês e inglês é muito elevada. A questão do idioma ainda poderia ser ultrapassada com a participação de tradutores simultâneos (encarecendo naturalmente o processo) mas o maior problema são os custos elevadíssimos que tornam inacessível o acesso à justiça e à defesa dos interesses dos nossos empresários.
Na verdade, com o número reduzido de patentes de origem portuguesa é natural que as empresas nacionais sejam mais demandadas do que autoras de processos judiciais, tendo a infracção ocorrido em Portugal por uma empresa portuguesa o processo decorrerá no Tribunal local. No entanto a defesa de um processo deste tipo inicia-se, na grande maioria dos casos, pelo pedido de nulidade da patente do autor do processo judicial e neste caso, os processos transitam para a Divisão Central.
O facto das nossas empresas serem, por consequência, obrigadas a defenderem-se num Tribunal situado em outro país europeu, numa língua que não é a sua e num sistema diferente do seu, tem custos incomportáveis para as empresas nacionais, na sua grande maioria PMEs e pequenas empresas em nome individual.
Numa altura em que o Acordo do Tribunal Unificado de Patentes terá de ser revisto pela saída do Reino Unido da União Europeia e sabendo que Espanha, Polónia, Hungria, Croácia, República Checa e outros países que ainda não se pronunciaram mas não ratificaram o Acordo, é o momento para Portugal sair deste pesadelo, rectificando o enorme erro cometido em 2013. É altura do Governo ouvir a Indústria e todos os meios interessados neste complexo processo e prestar a devida atenção ao Estudo do Impacto Económico desenvolvido oportunamente pela Deloitte e ao parecer do Professor Rui Medeiros sobre a eventual inconstitucionalidade deste diploma.