A PlatformE, plataforma digital especializada em customização em massa na indústria da moda, comprou a Springkode, um marketplace que aposta na moda sustentável e liga diretamente fabricantes de têxtil de luxo aos consumidores. O valor e os termos da transação entre as duas empresas de origem portuguesa não foram divulgados.
Em comunicado enviado esta terça-feira, 2 de março, a PlatformE – que conta com Paula Amorim e José Neves entre os seus acionistas – diz que a aquisição vai permitir à empresa “melhorar as suas ofertas e liderar a tecnologia da indústria 5.0, ligando em tempo real” fabricantes e clientes “a uma escala nunca vista”.
Além disso, a integração das duas empresas (que já se iniciou a partir de janeiro) intensificará a ligação entre indústria e cliente final, aumentando o número de marcas, vendedores e fabricantes centrados no consumidor com um modelo de fornecimento mais sustentável, que reduz incerteza e desperdício de matéria-prima e aumenta a eficiência e a rentabilidade das operações.
Com clientes como a Louis Vuitton, Dior, Gucci ou Farfetch, a PlatformE permite personalizar produtos em loja ou online, gerando “mil milhões de combinações diferentes,” de acordo com o site da empresa. A firma é detida pela britânica Platforme International Limited, que sucedeu à Ripe Productions. Desde 2016 que conta com portugueses no capital e na administração, ano em mudou de designação e em que José Neves e Paula Amorim se tornaram administradores.
À EXAME, Gonçalo Cruz, fundador da PlatformE, diz que a compra vai acelerar a implementação da tecnologia da Springkode – que permite receber as ordens de encomenda e acompanhar a sua execução e envio quase linear ao cliente em tempo real – numa altura em que a pandemia deu um impulso reforçado ao comércio eletrónico e em que se assiste a um “ponto de inflexão” do modelo push (em que a indústria da moda “despeja” inventário em excesso para venda nas lojas) para um modelo pull (em que as quantidades são produzidas em função da procura específica, implicando algum atraso entre o momento da compra e o da entrega do bem).
“Tudo isto entronca na questão da fábrica: se não tiver agilidade para responder e entregar na próxima semana, o consumidor pode não esperar. Há produtos que exigem setup de fábrica em que não dá para fazer pequenas quantidades. Mas em construções de produtos mais comerciais, que representam 70% a 80% da moda – como t-shirts, polos, calças, calções ou vestidos simples – já é viável e é possível fazer vendas digitais. Assim que recebe a encomenda a fábrica começa a produzir, descreve o responsável.
Além da Springkode, a PlatformE analisou a aquisição de outras duas empresas globais (uma inglesa e outra holandesa a operar na Índia). A escolha acabou por recair na empresa portuguesa, dadas as relações que já tinha com a indústria do setor e o facto de a sua tecnologia de desintermediação estar já instalada em cerca de 30 fábricas, tendo parceiros como a Triple Marfel ou a Dielmar.
Embora o objetivo seja alargar a relação com indústrias fora de Portugal, Gonçalo Cruz aponta que o País deverá beneficiar da tendência de relocalização de capacidade industrial, de offshoring para nearshoring, motivada por fatores como os salários mais altos na China, a guerra comercial deste país com os EUA, o combate às alterações climáticas (redução da pegada de carbono) além das fragilidades expostas pela pandemia, que comprometeu as cadeias de abastecimento. “A indústria automóvel, por exemplo, não tem esse paradigma de mega-colossos. Normalmente, temos hubs de pequenos fabricantes de quase tudo. Não é uma coisa nova. A moda só está a reagir mais tarde. A indústria vai estar mais próxima do cliente do que longe,” acrescenta o responsável.
Até ao final do ano, na sequência da compra da Springkode, a PlatformE espera estar a trabalhar com mais de 50 fábricas e com 40 a 50 grandes marcas internacionais. E Gonçalo Cruz assume o interesse em novas aquisições: “Estamos a estudar oportunidades. Tudo o que toque cadeias e componentes de fábricas ou parceiros que atuem muito próximo de fábricas, que gravitem nas zonas de valor da supply chain. Ou na área digital, que leve a experiência de moda para outros canais, como nos videojogos, por exemplo.”
Em 2019 – exercício mais recente para o qual há informação financeira na base da Informa D&B – a PlatformE, com sede no Porto, faturou 3 milhões de euros e empregava 36 pessoas. Em outubro desse ano a empresa (ainda sob a anterior denominação, Sweet Capsule) fechou uma ronda de financiamento de 10,55 milhões de euros e ficou avaliada em mais de 50 milhões de euros. Daquele valor, 4,225 milhões de euros vieram do fundo 200 M, gerido pela PME Investimentos, a que se juntaram coinvestidores como o venture capital The Luxury Fund, dois family offices europeus ligados a marcas de luxo, além do grupo Amorim, da Flatwood, Nordstrom e Cabus Ventures.
A Springkode, detida maioritariamente por Reinaldo Costa Moreira, Miguel Sousa Pinto e Francisco Sousa Pimentel, foi criada em Matosinhos em abril de 2018, ano em que levou a cabo o primeiro projeto piloto de venda direta de marcas de fábrica com três produtores. A empresa fechou o segundo ano de atividade, 2019, com vendas de 14,6 mil euros e resultado líquido negativo de 89,15 mil euros.
A moda e do têxtil, que emprega mais de 430 milhões de pessoas e fatura cerca de 1,5 biliões de dólares em todo o mundo, está entre as que mais desperdiçam recursos no processo industrial, produzindo 60% mais do que é necessário, contabilizava em novembro James Stewart, especialista na filosofia de gestão lean manufacturing, em entrevista à EXAME.
(Notícia atualizada a 3 de março, com declarações de Gonçalo Cruz à EXAME)