A Rússia usou a energia como uma arma contra a União Europeia. Mas os Países Baixos têm gás suficiente para ajudar a defender a Europa neste cenário de crise energética. O problema é que para o extrair teria de se causar danos avultados aos habitantes da província de Groningen. Não foi assim há tanto tempo que o campo de gás dessa região era um dos mais relevantes para o fornecimento do Velho Continente. Em 2015, por exemplo, foram produzidos mais de 50 mil milhões de metros cúbicos desta matéria-prima. Esta quantidade é equivalente a um terço das compras que a Europa fez à Rússia em 2021 e supera em mais de três vezes a quantidade adicional de gás natural liquefeito que os EUA acordaram enviar este ano para a Europa.
Numa fase em que os países europeus tentam a quase todo o custo encontrar alternativas ao gás russo, este campo de gás nos Países Baixos – o maior da UE e um dos maiores do mundo – poderia servir como uma bala de prata para ajudar a compensar o fecho da torneira do gás russo. Mas os danos colaterais de usar esta arma poderiam ser significativos, dado o histórico de problemas provocado pela exploração desse recurso. Em 1986, cerca de 25 anos depois de se começar a explorar gás no campo de Groningen, ocorreu o primeiro terramoto originado por essa atividade. Seguir-se-iam centenas de sismos. A maior parte deles não foram sentidos pela população e apenas foram detetados pelos instrumentos de medição e monitorização.
No entanto, sublinha um artigo da Bloomberg, em 2012 houve um terramoto com magnitude de 3,6. E das cerca de 327 mil casas existentes na região, 127 mil reportaram danos e mais de 3.300 edifícios tiveram de ser demolidos. Os danos sofridos, os perigos para a segurança de pessoas e bens e a contestação pública levaram o governo neerlandês a elaborar e aprovar um plano em 2014 para descontinuar, de forma faseada, a exploração de gás natural em Groningen. Isso levou a um corte na produção de mais de 40 mil milhões de metros cúbicos para apenas 2,9 mil milhões de metros cúbicos este ano.
Mesmo com a Europa a sofrer os impactos da crise energética, os Países Baixos não dão sinais de querer adiar o plano para o encerramento desse campo. Isto apesar de, como realçava a The Economist, com os preços tão altos como atualmente, o governo holandês poderia tornar cada proprietário de uma casa instável num milionário. Apesar disso, os habitantes da região estão contra a produção de gás natural em Groningen e têm reclamado por indemnizações que permitam compensar os estragos e prejuízos que sofreram ao longo das últimas décadas.
Mas, numa altura de aperto energético, têm sido várias as vozes a tentar convencer os Países Baixos a acelerarem a produção de gás natural. Thierry Breton, o comissário europeu para o Mercado Interno, defendeu que o país deveria reconsiderar a decisão de terminar com a produção nesse campo de gás. Também na Alemanha – uma das economias mais afetadas com o corte do gás russo – se ponderou pressionar este tipo de solução. Aliás, quando os campos de Groningen funcionavam a todo o gás, a economia germânica era um dos principais destinos da matéria-prima. O problema não é a falta de capacidade, já que a Shell, citada pela Bloomberg, garante que se conseguiria voltar a extrair 50 mil milhões de metros cúbicos por ano.
Ainda assim, o primeiro-ministro neerlandês tem sido taxativo na recusa de estender a vida e a atividade dos campos de Groningen. Apenas admite essa hipótese no caso de tudo o resto correr mal e tem pressionado para que se encontrem outras soluções para substituir o gás russo e controlar os preços do gás natural. Mesmo do lado do governo alemão, não aparenta existir muita pressão para que os Países Baixos aumentem a extração de gás. Após um encontro este mês com o chanceler alemão, o líder neerlandês revelou que não houve nenhum pedido de Olaf Scholz para se produzir mais em Groningen. Também a Comissão Europeia deixou este campo de gás de fora do seu plano oficial para substituir o gás russo.
No entanto, se há algo que esta crise mostrou é que a necessidade tem acabado por levar à quebra de tabus. Este verão, os analistas do banco ING notavam, num relatório a que a Exame teve acesso, “que a reabertura das centrais a carvão é agora aceitável e estender a vida útil das centrais nucleares deixou de ser um tabu na Alemanha”. Referiam que “reabrir o campo de Groningen ainda não é uma opção nos Países Baixos e a Comissão Europeia não faz menção a isso, mas o impacto económico dos preços altos do gás para as famílias e a necessidade de compensar as empresas por falta de gás ou por estabilizadores automáticos, o que tem piorado o défice orçamental, podem ser em alguma altura compensados pela possibilidade de retornos muito elevados para o estado neerlandês com o gás de Groningen”.