“A minha carteira encolhe enquanto escrevo isto”. Foi assim que Bert Colijn, economista do banco ING, iniciou o seu relatório a analisar os dados da inflação de março na Zona Euro, divulgados esta sexta-feira. Os preços tiveram o maior aumento desde a criação do euro, ao escalarem 7,5% face ao mesmo mês do ano anterior. Esta aceleração foi motivada sobretudo pela subida em flecha dos preços da energia, já que a taxa nestes produtos escalou para uns quase impensáveis 44,7%. O valor da inflação está bastante acima da meta de 2% do Banco Central Europeu e coloca pressão em Christine Lagarde para antecipar o fim das compras de ativos e começar a subir juros.
O problema é que mesmo que o BCE acelere na normalização da política monetária, muito dificilmente conseguirá levar a um abrandamento dos preços da energia. O gás natural e o petróleo, que já negociavam com preços historicamente elevados antes da guerra na Ucrânia, dispararam rápido e para valores recorde desde a invasão ordenada por Putin. E neste choque externo que escapa ao controlo do BCE, um aumento de juros poderia ter muito pouco efeito para travar a escalada dos preços dos bens energéticos.
Apesar do número alto do índice harmonizado de preços no consumidor, a inflação core – que exclui a energia e alimentos não processados que têm preços mais voláteis – situou-se em valores menos alarmantes. Foi de 3% em março, segundo os dados revelados pelo Eurostat. Ainda assim, está também acima da meta do BCE. Nunca a diferença entre a principal taxa de inflação e a inflação core tinha sido tão alta, o que mostra bem a dimensão que o choque energético tem tido nos preços.
Situação difícil para o BCE
Bert Colijn considera que o BCE está “numa situação difícil”. Numa nota a que a EXAME teve acesso, o economista explica que “muito dificilmente a atual inflação poderá ser influenciada pelo BCE, já que se trata de um choque de oferta causado externamente”. E isso afeta a capacidade da instituição liderada por Christine Lagarde definir os próximos passos de política.
“Por um lado, a procura está já a abrandar de forma significativa através da compressão maciça dos salários reais, disrupções na produção, queda na confiança dos consumidores e condições financeiras mais apertadas devido às taxas de juro mais altas das obrigações”, afirma Bert Colijn. Por outro, acrescenta, “não fazer nada enquanto aumentam os riscos das expectativas de inflação ficarem desancoradas pode ser doloroso no médio prazo”.
Face a essa incerteza, na reunião do passado dia 10 de março, o BCE decidiu que a melhor estratégia seria manter a flexibilidade e ficar dependente de mais dados para definir um caminho. Christine Lagarde explicou que ritmo do programa de compra de ativos (APP) iria baixar e poderia terminar as aquisições líquidas já no final de junho, mais cedo que o anteriormente previsto. “Algum tempo depois” do fim desse programa, os juros começarão a subir. No entanto, esse calendário dependerá dos dados e refletirá a evolução da avaliação das perspetivas económicas, referiu o BCE.
Bert Colijn estima que os juros – que estão em mínimos históricos – possam ter a primeira subida no final do ano ou no primeiro trimestre de 2023. Mas face a toda a incerteza, essa perspetiva não é consensual. Jack Allen-Reynolds, economista da Capital Economics, observa que a inflação está a subir ainda mais do que o estimado pelo BCE. E considera que “é muito provável que permaneça bastante alta no resto do ano e, assim, pensamos que não demorará muito até o banco central começar a subir as taxas de juro”. Num relatório a que a EXAME teve acesso, a Capital Economics, prevê três aumentos de 25 pontos base até final do ano.
Nos mercados financeiros, os investidores estão também a apostar em subidas rápidas das taxas definidas pelo BCE. Ainda antes dos dados da inflação de março serem conhecidos, Piet P.H. Christiansen, responsável de estratégia do Danske Bank, notava que os traders estavam a apostar em quatro subidas de 25 pontos base (0,25 pontos percentuais) no prazo de um ano. E concluía. “Se isso se materializar, não vai ser bonito”.