A reunião do Conselho do Banco Central Europeu (BCE) que terminou esta quinta-feira esteve longe de ser consensual. Christine Lagarde revelou, na conferência de imprensa para explicar as decisões de política monetária , que houve membros do BCE a defender que se deixasse todas as medidas de política monetária inalteradas. Mas notou também que houve outros responsáveis a argumentar que se devia prosseguir com o caminho do fim das compras de dívida e início da subida de juros sem se olhar a nenhum tipo de condicionalismos. A decisão – numa altura em que a inflação está bem acima da meta de 2% e a guerra na Ucrânia ameaça a recuperação da economia – ficou-se por um meio termo, aos mesmo tempo que se mantêm todas as opções em aberto.
Estes dois extremos no Conselho do BCE refletem bem o dilema que os bancos centrais enfrentam nesta fase. Por um lado, a incerteza dos danos económicos causados pela guerra na Ucrânia é grande e pode ameaçar a recuperação da Zona Euro, o que exige políticas de apoio do banco central. Por outro, a subida a pique da inflação – que está para durar e tem saído acima das estimativas – recomenda ações restritivas, como o fim das compras de ativos e o início da subida das taxas de juro.
Fim das compras e subida dos juros este ano?
A resposta encontrada pelo BCE foi sinalizar que, apesar de toda a incerteza, o ritmo do programa de compra de ativos (APP) vai baixar devido à subida da inflação e esses apoios poderão ser retirados depois de junho. Isto sempre com a ressalva de que vai manter o máximo de flexibilidade e todas as opções em aberto para responder num ambiente marcado por uma grande incerteza. O banco central compromete-se agora a fazer compras líquidas mensais de €40 mil milhões em abril, de €30 mil milhões em maio e de €20 mil milhões em junho. Antes desta semana a indicação era de que o ritmo de compras seria de €40 mil milhões no segundo trimestre deste ano, de €30 milhões no terceiro trimestre e de €20 mil milhões a partir de outubro.
O BCE acelerou este calendário de fim das compras e sinaliza que depois de junho esse apoio poderá mesmo terminar. A instituição liderada por Christine Lagarde explicou que “a calibração das aquisições líquidas no terceiro trimestre dependerá dos dados e refletirá a evolução da avaliação das perspetivas”. Assim, “se os dados entretanto disponibilizados apoiarem a expectativa de que as perspetivas de inflação no médio prazo não enfraquecerão, mesmo após o termo das aquisições líquidas de ativos, o Conselho do BCE cessará as aquisições líquidas ao abrigo do APP no terceiro trimestre”. Já se “as perspetivas de inflação no médio prazo se alterarem e as condições de financiamento se tornarem incompatíveis com novos progressos no sentido do objetivo de 2%, o Conselho do BCE está preparado para rever o seu calendário de compras líquidas de ativos em termos de volume e/ou de duração”.
Tal como previsto, o BCE deixou as taxas diretoras inalteradas esta semana (taxa negativa de -0,50% para receber depósitos, juro de 0% nas operações principais de refinanciamento e de 0,25% na facilidade permanente de liquidez). A grande questão é quando começarão a subir. Na reunião de início de fevereiro Christine Lagarde não descartava que isso pudesse acontecer este ano. Desta vez não abriu muito o jogo, dizendo que acontecerão apenas “algum tempo depois” do fim das compras líquidas de ativos. É uma forma de o banco central ter alguma flexibilidade nessa decisão, já que antes dizia que isso iria acontecer “pouco tempo depois” do término das aquisições líquidas.
Na conferência de imprensa, a presidente do BCE não quis levantar o véu e não especificou o que entende por “algum tempo depois”. Carsten Brzeski, economista do banco ING, considera que as decisões e as palavras de Lagarde “significam que o BCE está a posicionar-se para uma normalização muito gradual da política monetária, mantendo o máximo de flexibilidade em todas as direções e isso é definitivamente o melhor que o BCE pode fazer devido à guerra na Ucrânia e à incerteza extremamente elevada”. Acrescenta, numa nota a que a EXAME teve acesso, que se mantém “a porta bem aberta para uma primeira subida dos juros antes do fim do ano”.
Mais inflação e menos crescimento
Os efeitos da guerra na Ucrânia vão pesar na economia europeia e complicar o dilema que o banco central já enfrentava. E isso já se refletiu nas projeções do BCE para a evolução do PIB da Zona Euro. No cenário base, e face às estimativas de dezembro do ano passado, o crescimento para este ano foi revisto de 4,2% para 3,7%. E Christine Lagarde sublinhou que os riscos para essas perspetivas “aumentaram significativamente com a invasão russa da Ucrânia e são no sentido descendente”.
Já as estimativas para a inflação foram revistas em alta. E de forma significativa. Após o índice de preços ter acelerado no início deste ano, o BCE projeta agora que a taxa de inflação deste ano possa ser de 5,1%. Para 2024, fim do horizonte da projeção, a previsão é de 1,9%, bastante perto da meta de 2% que permitirá ao banco central iniciar o ciclo de subida de juros. Se no crescimento os riscos são descendentes, para a inflação o risco é que continue a situar-se acima do previsto.
Em resumo, Christine Lagarde observou que a guerra da Rússia com a Ucrânia e as sanções terão “um impacto material na atividade económica e na inflação, através de preços mais altos na energia e matérias-primas, disrupção do comércio internacional e confiança mais fraca”.