Portugal entra em 2021 com as condições de financiamento mais baratas de sempre. Apesar de nos últimos anos ter conseguido financiar-se em prazos mais curtos com juros negativos, o Tesouro conseguiu, pela primeira vez, emitir obrigações a dez anos com uma taxa abaixo de 0%. Esse prazo é visto como a referência por parte dos investidores e analistas para medir os custos de financiamento de um País.
A operação de financiamento aconteceu na manhã desta quarta-feira, resultando no encaixe de 500 milhões de euros em títulos a dez anos com uma taxa de -0,012%. Os investidores aceitam perder algum dinheiro para poderem investir em dívida portuguesa. Além daquele valor, o Tesouro encaixou mais 750 milhões de euros em obrigações com um prazo de 15 anos. Nesta maturidade mais longa, os investidores exigiram um juro de 0,319%. Em circunstâncias normais, quanto maior o prazo de uma obrigação, maior o risco e a contrapartida exigida pelos investidores.
Nos últimos anos, Portugal tem beneficiado de uma queda significativa dos custos de financiamento e os juros baixos são um dos grandes aliados que o Estado tem ao seu dispor para responder à crise económica provocada pela pandemia, algo que é ainda mais essencial quando o País se prepara para entrar num segundo confinamento e os apoios às empresas e famílias poderão ter de ser reforçados.
Mais de 75% da dívida de países do euro com juros negativos
Portugal junta-se a um longo clube de países que conseguem emitir dívida com juros negativos por um prazo de 10 anos. Uma das principais explicações para este fenómeno de aceitar perder dinheiro para comprar dívida está relacionado com as políticas agressivas dos bancos centrais. O Banco Central Europeu tem uma taxa de depósito de -0,50% para desincentivar os bancos comerciais da Zona Euro de deixarem o dinheiro parado junto da autoridade monetária.
Além dessa política de juros negativos, o banco central tem comprado quantidades massivas de dívida pública da Zona Euro em mercado secundário, estratégia que foi reforçada para responder à pandemia. No programa de compras iniciado em 2015, as compras de dívida portuguesa totalizam quase 45,9 mil milhões de euros. Já ao abrigo do programa de compras de emergência por pandemia, o BCE comprou 3,16 mil milhões de títulos do Tesouro português. No total, o banco central detém 33% de todas as obrigações do Tesouro da República, o principal instrumento de financiamento de Portugal. E é responsável por 19% da dívida direta do Estado.
O BCE detém 33% do valor das Obrigações do Tesouro portuguesas e 19% da dívida direta do Estado português
Estas medidas do banco central forçam os investidores a aceitar juros negativos na dívida soberana e retornos quase nulos noutros ativos. Segundo dados da Tradeweb, citados pela Reuters, em dezembro 75% de toda as obrigações soberanas da Zona Euro transacionavam no mercado secundário, onde os investidores compram e vendem obrigações e que serve como um barómetro de qual poderia ser o custo de uma emissão de dívida, com taxas abaixo de 0%.
No prazo a dez anos, Portugal já se tinha juntado ao clube dos países com juros negativos em novembro do ano passado. Mas só no arranque de 2021 capitalizou essas condições favoráveis para ir financiar-se ao mercado com os investidores a aceitarem pagar em vez de receber.